O número de apreensões de animais silvestres no Distrito Federal vem crescendo desde 2006, como mostrou a matéria publicada no Correio, e, se depender das estimativas do Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) do DF, a quantidade deve crescer. Até a metade de outubro, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) contabilizava 3.885 bichos apreendidos, mil a mais do que os 2.825 identificados durante todo o ano de 2008. Em 2010, esse número não deve ser menor que 4,5 mil, de acordo com o biólogo Anderson do Valle, coordenador do Cetas.
A expectativa do coordenador se baseia, entre outras coisas, no início da Operação Delivery, do Ibama, que alterou a forma como são concedidas as anilhas que certificam a legalidade dos pássaros nascidos em cativeiro. Agora, em vez de aguardar os criadores irem buscar as anilhas nas sedes do Ibama, os fiscais vão às casas dos interessados. Assim, verificam que nenhum dos bichos que a pessoa afirma ter foi retirado da natureza de forma ilegal e garantem que o criador só receba o número de anilhas correspondente à quantidade de pássaros que possui. “Noventa e nove por cento dos criadores são fechados depois dessas fiscalizações”, conta Valle, que, a cada ação, se vê às voltas com um centro lotado de animais.
É com base nessa nova ordem que o biólogo planeja a expansão do Cetas-DF para o próximo ano. “Precisamos de mais 12 funcionários, só para ajudar a receber os animais”, calcula. Atualmente, o centro conta com cinco técnicos, além do pessoal da segurança e da limpeza. Para que consiga dar conta das exigências, a estrutura precisará de um investimento de R$ 5 milhões, e ainda assim sua eficiência não estará garantida. “Faltam veterinários que entendam de animais silvestres em Brasília”, lamenta Valle, que conta 10 entre os habilitados para o serviço na capital.
O Cetas do DF está sediado na Floresta Nacional (Flona) e há até pouco tempo contava com doações do Jardim Zoológico para alimentar e medicar os bichos. Recentemente, a unidade fez uma primeira compra de R$ 50 mil em alimentos e R$ 30 mil em medicamentos, valores que não precisariam ser despendidos se os compradores de animais silvestres atentassem para os malefícios causados pelo tráfico. Retirar animais da natureza sem regulação pode significar desequilíbrios ecológicos e até a extinção de espécies.
Na sexta-feira passada, foram soltos na Chapada Imperial (na região de Brazlândia, a 50km do Plano Piloto), um gavião, uma coruja, um urubu e uma cotia, frutos de apreensões do Ibama ao longo dos últimos meses. Eles vão fazer companhia a centenas de aves — entre araras, pássaros pretos e canários — que vêm sendo soltas nos últimos 10 anos na fazenda de 5,2 mil hectares que tem 95% do território destinado à preservação.
Migalhas
O trabalho de um Cetas é basicamente reintroduzir (1)os poucos animais recuperados (2)à natureza. “Devolvemos migalhas”, admite o biólogo, que destaca o tempo demandado para a recuperação dos bichos: “Um papagaio precisa de pelo menos um ano de acompanhamento e esse processo de reabilitação costuma custar US$ 2 mil”. Cada animal e espécie têm o seu tempo e eles só podem ser devolvidos à natureza depois que se mostrarem saudáveis e confiantes, mas a interferência humana vai deixar marcas para sempre.
“O Cetas é um instrumento auxiliar no combate ao tráfico, mas não deve ser final”, alerta Dener Giovanini, coordenador-geral da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas). “Não se resolve o problema da criminalidade construindo mais penitenciárias”, compara o ambientalista. Segundo Giovanini, é preciso evitar que o animal deixe a natureza, porque seu retorno depois de passar por um processo de tráfico não é natural.
A melhor solução, segundo o coordenador da Renctas, é trabalhar na conscientização e na motivação do cidadão comum, porque, enquanto houver demanda, haverá tráfico. Outro passo que garantiria avanços é a harmonização entre os órgãos governamentais. “O Ibama e os ministérios do Meio Ambiente, da Saúde e da Agricultura têm os mesmos interesses na área, mas cada um trabalha com sua própria normatização”, critica. “Se um dia você chegar ao Aeroporto de Brasília e o plantão for do Ibama, vão lhe exigir um documento para embarcar com um animal. Se o plantão for do Ministério do Meio Ambiente, os documentos são outros”, exemplifica.
1 – Reabilitação
A soltura é a última fase do processo de reabilitação. Depois da apreensão, os biólogos induzem comportamentos sociais nos animais, colocando-os no mesmo ambiente que outros de suas espécies. Na segunda etapa, os biólogos tentam acostumá-los a comer os alimentos que encontrarão na natureza. O terceiro passo é ensiná-los a agir agressivamente na presença de humanos.
2 – Devolução
Dos 38 milhões de bichos que são retirados à força de seu habitat anualmente no Brasil, apenas cerca de 40 mil voltam à natureza, e em situações nada ideais. No DF, há 15 pontos utilizados pelo Cetas para realizar as solturas, entre eles o Jardim Botânico, o Hotel-Fazenda Stracta e a Chapada imperial.
O número
US$ 2 mil
Custo da reabilitação de um único papagaio apreendido até que ele esteja apto a ser solto novamente. Esse processo dura pelo menos um ano
Punição necessária
O crescimento do tráfico de animais no Brasil é fruto da falta de educação ambiental da população, mas também da ausência de uma lei que puna com mais severidade os participantes desse comércio, que movimenta cerca de US$ 20 bilhões por ano em todo o mundo. A captura de animais na natureza e sua manutenção em cativeiro são crimes desde 1967 no Brasil, mas as então rígidas punições àqueles que cometem esse tipo de delito foram abrandadas em 1998, com a aprovação da Lei Ambiental nº 9.605.
Desde então, ninguém vai para a cadeia por traficar ou maltratar animais silvestres. A impunidade encoraja os traficantes, que até são autuados repetidas vezes pela polícia, e desanima os fiscais responsáveis por fazer valer a lei. Não existe trabalho de conscientização capaz de inibir o tráfico nacional e internacional se as regras a serem seguidas não forem capazes de dar conta daqueles que vão certamente insistir em se perpetuar em um ramo tão lucrativo.
Fonte: Correio Braziliense