EnglishEspañolPortuguês

Como estão os cães resgatados da Universidade de Viçosa

8 de dezembro de 2015
11 min. de leitura
A-
A+
Doug finalmente com o com o protetor Francisco depois de uma longa e dolorosa espera. Descrição: O protetor Francisco tem nos braços o cão Doug, de porte médio, preto e branco. O cão parece sorrir acompanhando o largo sorriso de seu salvador. Foto: Andressa Antunes
Doug finalmente com o com o protetor Francisco depois de uma longa e dolorosa espera. Descrição: O protetor Francisco tem nos braços o cão Doug, de porte médio, preto e branco. O cão parece sorrir acompanhando o largo sorriso de seu salvador. Foto: Andressa Antunes

Fátima ChuEcco/Redação ANDA – Agência de Notícias de Direitos Animais

O cão Leônidas ficou quase cego. Felipe sente dor, manca e quase não se levanta. Átila não pode sequer ver água que urina de medo. Além deles, todos os outros 13 cães, resgatados por ONGs e protetores independentes, no último dia 4, da UFV – Universidade Federal de Viçosa (MG), onde eram mantidos como cobaias, estão com cortes nas patas e muito assustados. Os animais foram libertados devido a uma ordem judicial expedida no dia 3 deste mês.

Entre os oito cães levados para SP pela ONG Cão Sem Dono, um está com urina preta e outro, ao ser colocado na mesa da veterinária para checagem de sua saúde, não se mexeu, ficou paralizado pelo pânico. À princípio, uma coisa é certa segundo a veterinária Michelly da Cão Sem Dono: todos foram induzidos a osteoartrite, uma doença incurável e, por conta disso, precisarão tomar antiinflamatórios e remédios contra dor pelo resto da vida sendo que eles têm apenas entre 1 e 4 anos de idade. Ou seja, jovens e já condenados a uma enfermidade comum a animais mais idosos e obesos, e bem pouco comum em cães sem raça definida.

Todos os 16 cães resgatados revelam sequelas dos experimentos, especialmente nas patas onde foram feitas cirurgias. Descrição: Cão branco com mancha marrom clara na cabeça e dorso, sentado fora da UFV, deixa evidente incisões feitas em sua pata traseira. Foto: Cão Sem Dono
Todos os 16 cães resgatados revelam sequelas dos experimentos, especialmente nas patas onde foram feitas cirurgias. Descrição: Cão branco com mancha marrom clara na cabeça e dorso, sentado fora da UFV, deixa evidente incisões feitas em sua pata traseira. Foto: Cão Sem Dono

E isso tudo é só um breve resumo, pois, todos os animais estão sendo avaliados por veterinários para levantamento de laudos que podem constatar os danos físicos e psicológicos causados por terríveis experiências ao longo dos últimos dois meses. A ativista independente Gabriela Vasconcelos de Paula deixou Belo Horizonte especialmente para ir à Viçosa resgatar Leônidas e Alôncio: “Fui a última a chegar e só restavam eles. Minha motivação não foi simplesmente adotar, mas tirá-los daquele inferno e dar amor. Leônidas tinha lesões nos olhos e quase não enxergava, além das incisões na perna. Alôncio também tem irritação nos olhos e está mais prostrado. Não possuem nenhum impulso de agressividade e são muito dóceis, mas se assustam ao menor ruído ou movimento”.

Ela conta que ambos estão comendo e bebendo normalmente: “Deu para perceber que ficaram muito felizes quando os resgatamos e essa felicidade deles foi uma coisa emocionante. No entanto, passaram por um trauma muito grande e precisarão de muito carinho e tratamentos veterinários”.

Leônidas ficou com lesões dos olhos, além das incisões em uma das patas, o que sugere que pode ter sido submetido a mais de uma experimento ao mesmo tempo. Descrição: Close de cão marrom com olho bastante vermelho. Foto: Gabriela Vasconcelos
Leônidas ficou com lesões dos olhos, além das incisões em uma das patas, o que sugere que pode ter sido submetido a mais de uma experimento ao mesmo tempo. Descrição: Close de cão marrom com olho bastante vermelho. Foto: Gabriela Vasconcelos

Beatriz Silva, da ONG Bendita Adoção, também notou muito medo em Felipe e Átila, sobreviventes que estão sob sua guarda: “Só de ligar a mangueira ou ver uma vassoura eles urinam. Se alguém fala alto perto deles também se assustam. Não quero imaginar o horror que passaram para ter tanto medo assim. Mas o dia do resgate foi o primeiro do resto de nossas vidas juntos. Adeus sofrimento! Que a tortura do Instituto Royal e em Viçosa sirva de exemplo para isso terminar”, comenta.

Francisco José Mendes Duarte, da Sovipa – Sociedade Viçosense de Proteção aos Animais, ficou com o cão Doug e diz que ele passa bem e se mostra animado apesar das sequelas. Doug também passará por um minucioso exame de saúde. Francisco vem lutando pela adoção de Doug desde que o cão foi retirado do CCZ para ser inserido nas pesquisas e estava disposto a levá-lo para casa independente do seu estado de saúde. Ele contou como foi rever o Doug em outra matéria da ANDA.

Alôncio é muito dócil, mas está muito traumatizado e se assusta fácil. Descrição: Cão marrom claro de aparência jovem, de pé, mostra irritação nos olhos. Foto: Andressa Antunes
Alôncio é muito dócil, mas está muito traumatizado e se assusta fácil. Descrição: Cão marrom claro de aparência jovem, de pé, mostra irritação nos olhos. Foto: Andressa Antunes

Vicente Define, da Cão Sem Dono, conta que a ONG enviou três carros de SP para Viçosa para pegar os oito animais que já estão em um sítio de Itapecerica da Serra: “Quando a Sovipa nos contatou a ideia era retirar os cães de Viçosa temendo que pudessem ser recuperados depois pela UFV. Então aceitamos o desafio e criamos um grupo no whats app com essa finalidade”. A Cão Sem Dono pretende lançar campanha anti-vivissecção com a ajuda dos sobreviventes da UFV. Nos EUA, por exemplo, um cão e uma gata que sobreviveram à câmara de gás, que até hoje funciona naquele país para controle animal, viraram símbolo da luta contra esse cruel método e fazem campanhas em diversas cidades.

A Cão Sem Dono também investirá em acupuntura e tratamentos alternativos, além dos tradicionais, mas já tem sob sua guarda 315 animais, então está pedindo ajuda para enfrentar o longo processo de recuperação dos oito sobreviventes. Para ajudar acesse o facebook da ONG.

Felipe e Atila quando ainda estavam no canil da UFV. Descrição: Dois cães marrons de porte médio olham para a câmera. Foto: Divulgação
Felipe e Atila quando ainda estavam no canil da UFV. Descrição: Dois cães marrons de porte médio olham para a câmera. Foto: Divulgação

A posição da UFV

Em nota pública e também em entrevista cedida ao G1 a UFV declarou que tem feito todos os testes dentro das normas e que buscará punição judicial a todos que caluniaram a universidade dizendo que os animais foram maltratados. É verdade que a UFV teve permissão para essas pesquisas por Orgãos criados para isso como CNPq, mas dizer que os animais não sofreram é bastante fora da realidade. Não existe vivissecção sem dor ou angústia, e muito menos sem sequelas graves – essa matéria relata apenas algumas.

Inclusive, em 2013, uma matéria do Estado de Minas já contava a história de alunas de universidades mineiras que abandonaram o curso de Veterinária devido as aulas práticas onde podiam ver claramente o sofrimento das cobaias.

Então, a pergunta que fica para a UFV e outras universidades que insistem em métodos arcaicos é: por que não se modernizar e investir em pesquisas que não incluem o uso de cobaias? Quantos jovens poderiam se tornar excelentes veterinários e não o fazem por não encontrarem nas universidades uma ciência mais ética e moderna?

Ao deixar a UFV cão demonstra tranquilidade. É como se soubesse que estava sendo salvo. Descrição: Cão preto com patinhas brancas, de médio porte, de pé, deixando a UFV com um dos protetores. Foto: Cão Sem Dono
Ao deixar a UFV cão demonstra tranquilidade. É como se soubesse que estava sendo salvo. Descrição: Cão preto com patinhas brancas, de médio porte, de pé, deixando a UFV com um dos protetores. Foto: Cão Sem Dono

A UFV está perdendo uma grande oportunidade de adotar, perante seus alunos e público, uma postura ligada à Nova Ciência. A partir desse caso que tem comovido o Brasil e já atravessa as fronteiras do país, mais sensato seria a UFV se dispor a uma discussão em torno do assunto visando conhecer métodos alternativos – e são muitos! Tratamentos de certas doenças podem, por exemplo, ser testados em animais que realmente possuem essas enfermidades tornando-se pacientes e não cobaias.

A UFV está diante de uma grande chance de reconhecer o anseio popular e de seus futuros alunos, e fazer algo a respeito. Uma entidade com quase 90 anos de idade deveria estar madura o suficiente para não temer o novo e acolher novas ideias mais condizentes com o mundo contemporâneo. Não é hora de ameaçar alunos, professores, protetores ou pessoas que discordam de seus métodos de ensino. É hora de se modernizar – o que serve também para Orgãos reguladores e financiadores dessas pesquisas. E é hora também da mídia em geral tirar esse assunto do porão e dar a devida importância as inovações para evitar esse sofrimento da vivissecção que é um dos mais terríveis e, lamentavelmente, persistente em pleno século XXI.

O Brasil tem, por exemplo, um pesquisador ganhador do prêmio internacional Lush Prize concedido para pesquisas científicas sem uso de cobaias. É o biólogo formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF) Róber Bachinski. O biólogo e pesquisador Sérgio Greif é outra fonte de conhecimento para universidades dispostas a adotar uma postura científica moderna. Veja o que ele diz sobre essas experiências em recente entrevista à ANDA.

Os cães passarão por exames minuciosos para avaliação completa de sua saúde. Descrição: Cão de aparência bem jovem, branco e marrom e claro e olhar meigo olha para a câmera. Foto: Cão Sem Dono
Os cães passarão por exames minuciosos para avaliação completa de sua saúde. Descrição: Cão de aparência bem jovem, branco e marrom e claro e olhar meigo olha para a câmera. Foto: Cão Sem Dono

Para conhecer as pesquisas da UFV com animais

A veterinária Andrea Pacheco Batista Borges é a líder das pesquisas da UFV no campo veterinário. Há 15 anos ela realiza experimentos com animais vivos na universidade. As pesquisas atuais e que estão autorizadas para os próximos meses, novamente com uso de cobaias, somam o valor de R$ 584.042,80 em financiamento por Orgãos públicos e empresas privadas. A consulta desses projetos é pública e na descrição (curiosamente bastante sucinta) dos mesmos cita-se a utilização de cães SRD. Esses 16 cães, por exemplo, foram retirados do CCZ de Viçosa onde gozavam de plena saúde e aguardavam adoção. Todas as 94 pesquisas de Andrea, datadas desde 2000, com sua breve descrição e valor do financiamento, podem ser acessadas no link.

Escreva para mídia e CNPq

Uma forma de ajudar que mais animais sejam libertados do martírio da vivissecção é escrevendo para veículos de comunicação e pedindo que o assunto seja abordado com especialistas que podem apontar métodos alternativos e universidades que já se modernizaram no Brasil e exterior. Pedir uma postura mais moderna do CNPq também é importante. O Orgão costuma dizer que dá preferência a pesquisas com métodos alternativos se eles puderem ser adotados. Alguns e-mails:
http://www.cnpq.br/web/guest/fale-conosco
[email protected]
[email protected] (TV SBT)
[email protected]
[email protected]
[email protected]
[email protected]

Cão recebe carinho e curte a grama ao sair a UFV. Descrição: Cão branco e marrom deitado confortavelmente num gramado recebe afago de duas pessoas. Foto: Cão Sem Dono
Cão recebe carinho e curte a grama ao sair a UFV. Descrição: Cão branco e marrom deitado confortavelmente num gramado recebe afago de duas pessoas. Foto: Cão Sem Dono

Fátima ChuEcco é jornalista ambientalista e atuante na causa animal

*É permitida a reprodução total ou parcial desta matéria desde que citada a fonte ANDA – Agência de Notícias de Direitos Animais com o link. Assim você valoriza o trabalho da equipe ANDA formada por jornalistas e profissionais de diversas áreas engajados na causa animal e contribui para um mundo melhor e mais justo.

Você viu?

Ir para o topo