Cabul, capital do Afeganistão, corre risco real de ficar completamente sem água até 2030, indica relatório publicado em maio pela ONG Mercy Corps. A autoridade destaca que, se a projeção for confirmada, a ocorrência levará a implicações humanitárias, econômicas e ambientais severas.
Essa crise hídrica não é um fenômeno repentino. Na verdade, o documento aponta que ela resulta da combinação de uma série de fatores, como é o caso da mudança climática, a má gestão dos recursos naturais, o crescimento populacional acelerado e a falta de políticas de planejamento urbano.
Há 30 anos, a cidade abrigava menos de 2 milhões pessoas, enquanto, hoje, esse número está entre 5 e 6 milhões. Esta pressão demográfica fez com que os aquíferos locais precisassem ser drenados a um ritmo muito superior ao da recarga natural, levando a um déficit anual de 44 milhões m³.
“Sem mudanças em larga escala na dinâmica de gestão da água de Cabul, a região enfrentará um desastre humanitário sem precedentes na próxima década – e provavelmente até antes”, descreve a Mercy Corps. Em alguns casos, os efeitos da escassez já podem ser sentidos pela população.
Dificuldades para acessar a água
A contaminação das águas subterrâneas é um problema adicional. Estima-se que até 80% da água da cidade esteja poluída, em razão do descarte de resíduos industriais no solo e o uso de latrinas (instalações sanitárias, nas quais os dejetos são encaminhados para o substrato). Diarreia e vômito são sintomas comuns na região, e afetam especialmente crianças e idosos.
A escassez de água ainda tem impacto direto na educação e na segurança das crianças. Em diversos lares, os filhos faltam às aulas para ficar nas filas para encher seus baldes nas mesquitas e depois carregá-las para casa sob o sol escaldante. “As horas que as crianças deveriam passar na escola agora são usadas para buscar água”, lamenta Marianna Von Zahn, diretora de programas da Mercy Corps no Afeganistão, à CNN.
Por sua vez, as meninas e mulheres enfrentam riscos adicionais para realizar essas caminhadas diárias. Sob o regime do Talibã, elas precisam da companhia de um homem da família para sair às ruas, o que dificulta ainda obter água. “Corremos o risco de sermos assediadas ou pior”, afirma uma jovem moradora de Cabul à CNN, sob anonimato.
Colapso global iminente
A crise hídrica em Cabul foi agravada após o retorno do Talibã ao poder, em agosto de 2021, que levou à suspensão da maior parte da ajuda internacional. Outro golpe aos programas de água e saneamento básico foi a interrupção do financiamento da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) no início do ano.
Essa decisão, movida pelo presidente Donald Trump, resultou em um enorme déficit para o Afeganistão. Estima-se que, em 2025, apenas US$ 8 milhões (R$ 44,2 milhões) dos US$ 264 milhões (R$ 1,46 bilhão) previstos para manter a assistência à população haviam sido entregues.
Muitos moradores já cogitam o êxodo, mas se veem sem alternativas ou mesmo escolhas para escapar desse cenário. Se nada for feito, Cabul pode se tornar um símbolo trágico do colapso climático e da falência da gestão ambiental global – a primeira capital a secar, porém, provavelmente não a última.
Como lembra o site Live Science, o caso reflete uma tendência global para os próximos anos. Um estudo publicado na revista Scientific Reports em 2016 já apontava que o número de pessoas em situação de escassez de água subiu de 240 milhões para 3,8 bilhões entre 1900 e 2000.
O Oriente Médio, o norte da África e o sul da Ásia estão entre as áreas mais afetadas. A própria Cidade do Cabo, na África do Sul, chegou perto de zerar seus reservatórios em 2018, escapando por pouco graças a medidas emergenciais. Em 2019, Chennai, na Índia, viveu uma situação semelhante.
Fonte: Um só Planeta