No último fim de semana, um jacaré e um golfinho chegaram à Praia do Recreio dos Bandeirantes, e uma cobra foi vista por um homem que percorria uma trilha em Grumari, próximo ao asfalto, causando surpresa e preocupação entre testemunhas dos episódios e moradores e frequentadores da região. Mas, afinal, o que explica as aparições desses animais silvestres em áreas tão frequentadas pelos seres humanos?
Apesar da sensação de que os animais estão invadindo o espaço urbano, o biólogo Bruno Meurer, especialista em Conservação e Reabilitação de Animais Selvagens, afirma que cada caso tem sua explicação. E que os registros desses acontecimentos em redes sociais é que dão a impressão de que há um fenômeno diferente ocorrendo.
No caso dos jacarés, diz ele, a explicação é bem objetiva: as chuvas intensas das últimas semanas causaram o transbordamento de lagoas e canais, facilitando o deslocamento dos animais. Quando isso acontece, esclarece, espécies que vivem nas lagoas da Barra da Tijuca e do Recreio acabam surgindo em áreas mais visíveis e próximas da circulação humana.
Meurer também chama atenção para a degradação de áreas de proteção, como o Bosque da Barra, onde a lagoa praticamente desapareceu.
— Era uma área importante de abrigo. Sem esse espaço, os jacarés acabam saindo em busca de novos refúgios — afirma. — Mas o eixo principal do problema é a especulação imobiliária. Com a urbanização avançando sobre os ambientes naturais, os animais perdem seu espaço.
A situação, acrescenta, é agravada pelos efeitos do aquecimento global, pois a temperatura influencia diretamente a reprodução de répteis como os jacarés.
— Quanto mais quente, mais machos nascem. Com menos fêmeas, há uma queda natural na reprodução. Isso pode ameaçar o equilíbrio da espécie a longo prazo — aponta Meurer.
Os golfinhos também não são exatamente forasteiros. Meurer lembra que eles são visitantes habituais da Baía de Guanabara. E, na semana passada, quando avistamentos na Baía de Guanabara viralizaram nas redes, havia grandes cardumes de sardinha na costa, alimento favorito desses mamíferos marinhos.
— Eles seguem a comida. Quando os cardumes se aproximam das áreas costeiras, os golfinhos vêm junto. Não é incomum, mas emociona sempre — diz.
O biólogo reforça que esses encontros não indicam uma mudança de comportamento dos animais, mas alerta: a presença desses bichos em locais urbanos acende um sinal de atenção sobre os impactos da urbanização descontrolada, da poluição e da perda de habitat natural.
— A degradação pressiona a sobrevivência dessas espécies. Elas acabam consumindo restos de comida, vasculhando lixo, se abrigando em áreas não naturais. Não é que estejam se adaptando plenamente à cidade. É uma tentativa de resistir — salienta.
Meurer também destaca que, em geral, os animais silvestres evitam contato com humanos e não representam risco. O verdadeiro perigo surge quando pessoas tentam capturá-los, atacá-los ou interagir sem preparo. A melhor forma de prevenir conflitos, segundo ele, é por meio de investimentos em proteção à fauna e educação ambiental.
Para o especialista, o Rio precisa de mais áreas verdes preservadas, como parques ecológicos, inseridas em uma política ambiental robusta, e cita a Flórida, nos Estados Unidos, como um lugar onde isto é posto em prática. Parques deste tipo também são sempre defendidos por outro biólogo, Mario Moscatelli, morador da Barra da Tijuca e grande conhecedor da natureza do Rio de Janeiro.
Embora afirme não existirem dados que comprovem um aumento real nos avistamentos, Meurer lembra que as mudanças climáticas têm potencial para alterar os ciclos migratórios, a disponibilidade de alimento e, consequentemente, a presença de animais silvestres nas áreas urbanas.
O biólogo marinho Ricardo Gomes, diretor do Instituto Mar Urbano, por sua vez, concorda que a sensação de aumento nas aparições de animais silvestres está diretamente ligada ao avanço das redes sociais. Mas defende que a frequência desses encontros em homens e animais silvestres em ambientes urbanos têm mesmo se tornado mais frequentes.
— Há mais pessoas filmando, querendo virar influenciadoras, postando tudo. Isso cria a impressão de que há mais bichos por aí. Mas a verdade é que estamos, sim, pressionando cada vez mais nossas florestas urbanas, e isso aumenta a probabilidade de encontrarmos esses animais em áreas urbanizadas — explica.
Gomes chama a atenção, por exemplo, para a vulnerabilidade de uma das maiores florestas urbana do planeta, a Floresta da Tijuca, constantemente ameaçada por construções em encostas e pela perda de cobertura vegetal.
— Diante dessa pressão, é natural o aparecimento de animais como cobras (em áreas urbanizadas). As jiboias, por sinal, são bastante comuns no Brasil. Mas é preciso cautela: se o bicho não está em risco de atropelamento ou ataque, o ideal é não tocar e apenas acionar o resgate. Quem tenta ajudar por conta própria pode, inclusive, cometer um crime ambiental — alerta.
O que fazer ao avistar um animal silvestre
O biólogo destaca que quem se depara com um animal silvestre debilitado ou fora de seu ambiente deve seguir corretamente os protocolos de resgate.
— No vídeo do golfinho encalhado no Recreio, infelizmente, o que se viu foi exatamente o que não deve ser feito: puxaram o animal pela cauda, o que pode causar danos sérios à coluna. O correto seria levá-lo com cuidado para fora da arrebentação, apoiando o corpo com panos ou redes, e, claro, acionar imediatamente os órgãos competentes — orienta.
Ele elogia o trabalho do Projeto de Monitoramento de Praias (PMP), responsável pelo resgate de fauna marinha no estado do Rio, que pode ser acionado pelo telefone 0800-999-5151:
— Funciona superbem. Já acionamos o PMP para resgatar uma fragata em frente às Ilhas Cagarras, e eles chegaram mais rápido que uma ambulância. Parece coisa de primeiro mundo.
Em casos de aparição de animais marinhos, como golfinhos, tartarugas ou aves oceânicas, a orientação é ligar para o PMP, operado pela Econservation.
Já no caso de outros animais silvestres, como cobras, jacarés e aves terrestres, o indicado é acionar a Guarda Ambiental ou Patrulha Ambiental do município. Na cidade do Rio, o contato pode ser feito pelo número 1746.
Também é possível buscar auxílio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), pelo 0800-618-080; do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), pelos telefones 2334-5353, 2334-5342 e 2334-5347, ou do Corpo de Bombeiros (193), especialmente em situações de risco iminente.
Fonte: O Globo