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SECA

Espanha está desenterrando canais de água de mil anos para lidar com a seca

Assim como outros países do norte global, Espanha enfrenta onda de calor que tem causado seca histórica

7 de agosto de 2023
Ed Rodrigues
3 min. de leitura
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Foto: Ilustração | Freepik

Os espanhóis estão desenterrando canais de água construídos há mais de mil anos como alternativa para combater a seca histórica que assola o país.

As acéquias, canais esculpidos nas pedras pelos mouros, estão sendo escavadas para serem reativadas e poderem levar água das montanhas para irrigar plantações.

No alto de uma região montanhosa que fica ao sul do país, cerca de 40 pessoas trabalham na retirada de pedras e grama de um canal de terraplenagem construído séculos atrás e que ainda mantém as encostas verdes.

Ao The New York Times, o agricultor Antonio Jesús Rodríguez García explicou que a tentativa de restaurar a operação do sistema milenar é por uma questão de sobrevivência.

García pertence a uma aldeia vizinha à cidade de Pitres, que tem apenas 400 habitantes. “Sem essa água, os agricultores não podem plantar nada, a aldeia não pode sobreviver”, argumentou à reportagem.

O calor que vem atingindo o sul europeu alerta a Espanha para os desafios da mudança climática. Em ocasiões recentes, por exemplo, as temperaturas atingiram quase 43º C, o que deixou metade do território em alerta laranja e vermelho.

Tanto o calor quanto as secas prolongadas representam a ameaça de que três quartos do país possam ser engolidos por desertos ao longo deste século.

Na iminência do pior, agricultores, voluntários e pesquisadores espanhóis olharam para o passado à procura de soluções que pudessem estar na história.

E encontraram uma extensa rede de canais de irrigação construída pelos mouros, um povo de origem muçulmana que conquistou e se estabeleceu na Península Ibérica na Idade Média.

Reservatórios substituíram canais

Chamados de acéquias, que vem do árabe ‘as-saqiya’ – que significa canal de água – , os canais tornaram possível a vida naquela época abastecendo as fontes do palácio de Alhambra e transformando a região da Andaluzia em uma potência agrícola.

Segundo a reportagem, muitas acéquias caíram em desuso por volta da década de 1960. Na época, a Espanha optou por um modelo agrícola que favorecia os reservatórios. Nesse período, muitas pessoas partiram das áreas rurais para os miolos urbanos.

“As acéquias conseguiram resistir a pelo menos mil anos de mudanças climáticas, sociais e políticas. Então, por que ficar sem isso agora?”, destacou ao The New York Times José María Martín Civantos, arqueólogo e historiador que coordena um grande projeto de restauração.

Com as acéquias, a neve derretida dos picos das montanhas, que fluiria diretamente para os rios e lagos que secam durante o verão, seria desviada para múltiplos canais que serpenteiam pelos morros. A água, conforme o arqueólogo, penetra no solo em “efeito esponja”, circula pelos aquíferos e aparece meses depois em nascentes que irrigam as lavouras durante a estação seca.

“Os mouros não nos deixaram apenas as acéquias, mas também a paisagem que criaram com elas”, disse Elena Correa Jiménez, pesquisadora do projeto de restauração, liderado pela Universidade de Granada. “Nada disso existiria sem as acéquias. Não haveria água para beber, nem fontes, nem colheitas. Seria quase um deserto.”

Estiagem histórica

Para piorar a situação, a Espanha registrou a primavera mais quente da história. Cañar, uma pequena aldeia aninhada na Alpujarra, foi duramente atingida pela combinação de agricultura intensiva, temperaturas mais altas e abandono de uma acéquia próxima.

O maior desafio para salvar as acéquias pode ser preservar o conhecimento antigo por trás de sua existência. Em aldeias como Cañar, onde os moradores ainda usam um diário de bordo do século 19 para distribuir água aos agricultores, o êxodo rural ameaça a continuidade de técnicas transmitidas oralmente.

Um morador que conhecia todos os ramos ao longo de 22 quilômetros de acéquias na área morreu recentemente, levando conhecimento ancestral com ele para o túmulo.

O prefeito da cidade, José Antonio García, disse à reportagem do jornal americano que “muita sabedoria” foi colocada nas acéquias.

“Agora temos a oportunidade de usar essa sabedoria ancestral para combater as mudanças climáticas.”

Fonte: Ecoa

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