Conhecer e preservar as seis espécies de jacarés que vivem no Brasil. Esse é o objetivo de uma iniciativa da Universidade de São Paulo (USP) que pretende criar um banco de dados com informações genéticas sobre os crocodilianos brasileiros. A base servirá tanto para pesquisadores que queiram estudar os animais quanto para os órgãos de fiscalização, que poderão saber com mais precisão a espécie e a origem geográfica da carne e da pele de jacaré apreendidas.
Atualmente, não existe um banco que reúna dados de DNA das seis espécies brasileiras. Por isso, quando uma apreensão é feita, há dificuldade para determinar de qual espécie se trata ou de qual região do país ela foi retirada. “A exploração ilegal de crocodilianos ainda é uma realidade no Brasil, principalmente na região amazônica, onde muitas vezes esses animais são abatidos para a obtenção de carne. Esse mercado ilícito abastece a própria região Norte, além de países vizinhos, como a Colômbia”, explica o biólogo Tiago Quaggio, do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Répteis e Anfíbios, instituição ligada ao Ministério do Meio Ambiente. Peles e animais inteiros ainda podem ser reconhecidos pelo relevo ou pelo padrão de manchas do corpo. No entanto, é difícil determinar a origem da carne, que pode ser encontrada já misturada à de peixe ou processada em restaurantes.
Para contribuir com o combate à caça predatória desses animais, pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), ligada à USP, em Piracicaba, desenvolveram uma técnica de catalogação do material genético dos jacarés (1). Eles trabalham no sequenciamento de uma região específica do DNA conhecida como citocromo B. Analisadas as características do material genético de 20 animais de cada espécie, foi possível criar uma matriz de comparação. Assim, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) ou a Polícia Federal poderão comparar as informações genéticas de material apreendido com a base da USP. “Essa é uma ferramenta excelente para ser utilizada em análise filogenética, a diferenciação (2) interespecífica e intraespecífica”, afirma a pesquisadora Priscilla Villela, uma das responsáveis pelo projeto.
Variações
Outra preocupação da pesquisa é a análise da variação genética dentro da mesma espécie. Nesse caso, foi estudado o Caiman latirostris, conhecido popularmente como jacaré-do-papo-amarelo, espécie brasileira mais ameaçada de extinção e que habita uma área que se estende do Nordeste ao Sul do país. “Foi preciso avaliar a variabilidade genética das populações naturais e analisar a relação entre distância geográfica e diferenciação genética”, comenta a pesquisadora paulista, que para o trabalho observou cerca de 200 animais em diferentes regiões do país. “No caso do Caiman latirostris, cuja área de ocorrência coincide com os maiores centros populacionais do país, a expansão urbana e a destruição de sistemas fluviais e lacustres têm prejudicado a sua sobrevivência”, complementa Tiago Quaggio.
A intenção é utilizar o banco genético para fazer o manejo da espécie buscando sua preservação. Segundo Priscilla, as informações podem ajudar, por exemplo, na seleção de exemplares com maior variabilidade — ou seja, com maior poder de adaptação — para serem reinseridos no meio ambiente.
Apesar de o banco genético contribuir para a conservação dos jacarés brasileiros, de acordo com Quaggio, a solução para o problema está em uma ação conjunta de pesquisa, fiscalização e sustentabilidade na exploração dos animais. “A principal estratégia para coibir a exploração ilegal é investir em fiscalização e no manejo sustentável. Além de estudar as populações selvagens desses animais e estabelecer cotas de abate baseadas no tamanho dessas populações”, defende.
1 – Diferenças
Jacarés e crocodilos pertencem a famílias diferentes. Os primeiros são da Alligatoridae, que possui oito espécies. Já os crocodilos são da família Crocodilidae, com 14 espécies. Nenhuma habita o Brasil. Visualmente, a principal característica que os diferencia são os dentes. Os crocodilos possuem um quarto maxilar inferior hipertrofiado, que aparece quando estão de boca fechada, o que não ocorre nos jacarés.
2 – Variação genética
Há traços genéticos que variam de indivíduo para indivíduo, são eles que constituem a variação intraespecífica. Já quando o traço varia entre espécies, mas se mantém constante dentro da própria espécie, trata-se de uma questão interespecífica. Este é o caso do citocromo B, que é igual entre todos os jacarés de cada variedade.
Fonte: Correio Braziliense