No dia 19 de setembro deste ano, uma erupção vulcânica teve início em La Palma, nas Ilhas Canárias, na Espanha. O evento ambiental ainda está ocorrendo, mudando a rotina das pessoas que vivem na ilha e, principalmente, o cenário da fauna e flora do local.
“Para a fauna, o cenário é de guerra nuclear”, disse Manuel Nogales, 40, para o jornal El País. O biólogo estuda a biodiversidade das Ilhas Canárias e está preocupado com o comportamento dos animais de La Palma. “Estão muito assustados com esse fenômeno, toda a fauna mudou seu comportamento”, acrescenta.
Não apenas os animais silvestres, mas os domésticos, que estão livres na região mais afetada pela lava, também apresentam uma conduta diferente do comum. Nogales conta que eles estão à deriva, se alimentando da vegetação cheia de cinzas. E os pescadores de Tazacorte, na costa mais próxima ao vulcão, falam de uma escassez notável de peixes.
O biólogo é delegado da Agência Espanhola de Pesquisa Científica – CSIC e um dos poucos cientistas autorizados a frequentar a área de exclusão da ilha. Lá, ele passa o dia ao lado das línguas de lava cercado de vulcanologistas, “que são as autênticas estrelas da equipe”, mas seu trabalho é muito diferente.
Nogales estuda o que está acontecendo com a vida no entorno. As plantas, por exemplo, estão muito desidratadas, e 40% está muito murcha e em mau estado. Ainda que a situação seja grave, a situação dos animais são as mais preocupantes.
Colapso no ecossistema
Na região, a fauna basicamente é composta de aves e répteis, sobretudo lagartos, que já não se encontram. Em suas observações e estudos, o pesquisador afirma que os lagartos praticamente desapareceram do terreno, encontrando somente 10% da quantidade habitual.
Com esse sumiço, as aves de rapina que se alimentam destes têm que procurar alternativas para não morrerem de fome. Esse é o caso da espécie Peneireiros, que tentam capturar outras aves, algo incomum na ilha, de acordo com o biólogo.
Na área há outras aves de rapina que incluem aves menores em seu menu, como os gaviões e os falcões, como o tagarote. “Esses são especialistas na captura de aves. Mas agora os peneireiros precisam tirar de onde puderem, uma mudança completamente inesperada, porque não conhecemos esse cenário totalmente novo”, acrescenta o pesquisador.
Outras espécies de aves também estão mudando seu comportamento. Antes da mudança do bioma, Nogales ia a campo para notar todos os contatos em um determinado perímetro, e a maioria das notícias que recebia de sua presença era por via acústica: seu canto. Agora, eles conseguem ver muito mais aves do que costumavam.
“A fauna está mudando seus hábitos, seu comportamento, definitivamente. As espécies têm muito menos medo e temor à presença do ser humano, está chamando muito nossa atenção”, explica o biólogo.
Além dos animais habituais da região, o cientista conta que há animais que não faziam parte do cenário, como cabras com cascos destroçados, gatos, pavões, e até galos de briga – uma prática proibida. O pior para ele é que muitos desses seres vivos são herbívoros, e com a vegetação queimada resta apenas comer alimentos com cinzas.
No momento, Nogales está realizando o trabalho inédito de tentar avaliar como uma erupção vulcânica pode impactar diretamente sobre toda a biodiversidade que o cerca.
Vida marinha também está em risco
Com medo das consequências no ambiente marinho, o comitê científico de crise do plano de emergência não descarta que o aumento da emissão de cinzas e sua queda no mar possa estar afetando todo o ecossistema na costa de La Palma.
Essa análise fez com que os sistemas de vigilâncias dos materiais vulcânicos no mar fossem reforçados. De acordo com o El País, o Instituto Espanhol de Oceanografia – IEO enviou o navio científico Ramón Margalef para estudar o que está acontecendo na ilha. Para realizar uma verificação do leito marinho, procurando expulsões de gases, curvaturas e fissuras, mas também para estudar como afeta a biodiversidade.
Para o pesquisador do IEO, e integrante do comitê, Eugenio Fraile, o intuito do estudo está relacionado não só com a física e química do mar, mas também sobre os peixes. De acordo com pescadores da região, houve uma queda brusca na quantidade de pescas, mas como não há dados específicos sobre essas ocorrências, os pesquisadores precisam ir até o local e descobrir o que está afetando o comportamento animal.
Pedro Hernández, da associação de pescadores de Tazacorte, afirma que estão há seis meses “com capturas minguadas. Foi um dos piores anos que tivemos”, conta. Seu colega Fernando Gutiérrez era o presidente da associação de pescadores de El Hierro quando ocorreu uma crise parecida e houve uma erupção submarina: do vulcão Tagoro. “As pessoas fogem, e os peixes também. Aqui a pesca também parou, mas a questão é que matou os peixes de meia ilha. Ficamos um ano e meio sem poder trabalhar, mas com a metade que se salvou pudemos recuperar a metade que se perdeu”, lembra Gutiérrez.
“Este capricho da natureza”, lembra Fraile, “chega exatamente 10 anos depois do vulcão submarino afetar o Mar de las Calmas em El Hierro, e agora é outra reserva marinha, a de La Palma, uma área de alta sensibilidade, que já está sendo afetada”.