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CRISE CLIMÁTICA

“Era dos extremos já chegou ao Brasil”, avalia pesquisador do Cemaden

Eventos climáticos atingiram ao menos 1 milhão de brasileiros no ano passado, com destaque para as enchentes do Rio Grande do Sul, aponta centro de pesquisa

3 de fevereiro de 2025
Redação Um Só Planeta
12 min. de leitura
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Vista aérea do terminal rodoviário inundado de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, Brasil, em 6 de maio de 2024 — Foto: Getty Images

Além de ter entrado para a história como o ano mais quente e de ter ultrapassado pela primeira vez o limite de 1,5°C, 2024 marcou a intensificação dos eventos climáticos extremos no Brasil, avalia comentário do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) publicado nesta sexta-feira (31/01), baseado em nota técnica do último dia 21.

O centro de pesquisa acompanhou os episódios de ondas de frio e de calor, de chuvas intensas que deflagraram deslizamentos de terra, inundações e enxurradas, secas e novos recordes de temperaturas máximas. Somam-se a este quadro os incêndios florestais, que em 2024 atingiram a maior área queimada já registrada na Amazônia ainda em setembro.

“Enquanto o mundo registrou temperaturas 0,72°C mais altas, na América Latina e no Caribe ficou 0,95°C acima do normal, comparado com o período de 1991-2020, segundo dados do [observatório europeu] Copernicus. No Brasil, o aquecimento foi de 0,79ºC, segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia. A maior parte do Brasil registrou anomalias de temperatura [eventos de calor fora da média] acima de 2°C”, destaca a nota do Cemaden.

“O ano de 2024, o mais quente da história, apresentou os maiores desastres climáticos. A grande seca na Amazônia-Pantanal e as inundações no Rio Grande do Sul indicam que a era de extremos já chegou ao Brasil”, avalia o pesquisador do Cemaden e um dos autores, Jose Marengo, que coordena o time de pesquisa e desenvolvimento do centro.

1 milhão de brasileiros atingidos pelo clima

O pesquisador destaca que, com o aumento de extremos, também há aumento na exposição e na vulnerabilidade das pessoas. “O risco de desastres está aumentando”, explicou. Eventos extremos em cidades, como as chuvas recentes em São Paulo ou o megaincêndio de Los Angeles (EUA) reforçam essa percepção.

“Os eventos extremos, como secas mais severas e inundações, assim como ultrapassar 1,5°C de temperatura média global entre 2040 e 2050, eram previstos nas projeções de longo prazo. Contudo, ocorreram muito antes”, ressalta a nota.

Segundo informações da Secretaria Nacional de Defesa Civil, 578 municípios brasileiros relataram danos e prejuízos significativos. Para danos materiais, que incluem unidades habitacionais, instalações e obras de infraestrutura públicas danificadas ou destruídas, o custo estimado alcançou aproximadamente R$ 11 bilhões. Os prejuízos econômicos, que englobam impactos públicos e privados somaram cerca de R$ 9,6 bilhões.

Aproximadamente 1 milhão de pessoas foram diretamente afetadas pelos eventos, com destaque para as inundações de maio de 2024 no Rio Grande do Sul, que responderam por 83% desse número. Os impactos no estado foram severos, contabilizando 183 vítimas fatais, 27 desaparecidos, 18.864 feridos e enfermos, 121.878 desabrigados e 834.645 desalojados.

De Porto Alegre a Los Angeles

“Estamos numa nova normal climática, e indo contra o Acordo de Paris. Assim não dá tempo para esperar, e o Acordo de Paris precisa ser implementado em todos os países do mundo. Ninguém está livre de um desastre associado a um extremo climático”, cita Marengo, que destaca exemplos de deslizamentos de terra como consequência das chuvas em regiões de periferia, e os incêndios, potencializados por seca e ventos secos e quentes, que devastaram bairros em regiões nobres na Califórnia.

O Cemaden pondera que parte desse cenário é atribuída ao fenômeno El Niño, que aquece a superfície das águas na região equatorial do oceano Pacífico e altera padrões de chuva e temperatura, o que influenciou diretamente as secas de Amazônia e Pantanal no biênio 23-24, assim como as chuvas no Rio Grande do Sul no ano passado.

Porém, a mudança do clima decorrente do aumento da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera teve um papel significativo em alimentar os eventos extremos, completa o centro de pesquisa, citando o coletivo científico WWA (World Weather Attribution).

Na última terça-feira (28), estudo do WWA apontou que o aquecimento do planeta contribuiu para as condições de seca e ventos fortes que espalharam incêndios devastadores por Los Angeles. Segundo os cientistas, a mudança climática aumenta em 35% a probabilidade destas condições ocorrerem nesta época do ano, algo antes incomum para a Califórnia.

O Cemaden afirma que este é um cenário que vem sendo alertado há cerca de 30 anos, e defende avanços nos trabalhos de prevenção, evitando agir apenas após os desastres. “É necessário que a população e os governos tenham uma percepção. Se alguém mora em área vulnerável e de alto risco, quando se tem chuvas intensas deve estar atento para sair das suas casas. Isso pode salvar vidas”, exemplificou.

Ondas de calor e temperaturas máximas

Dados divulgados pelo Instituto Nacional de Meteorologia confirmaram 2024 como o ano mais quente no Brasil desde 1961. Todos os meses do ano passado apresentaram temperaturas acima da média histórica, comparado com o período 1991-2020. No dia 6 de outubro, as cidades de Goiás (GO) e Cuiabá (MT) registraram as maiores temperaturas máximas, respectivamente 44,5°C e 44,1°C.

O centro de pesquisa coloca entre 9 e 10 os episódios de ondas de calor que afetaram o Brasil em 2024. Entre o final de agosto e início de setembro (próximo ao auge da temporada de incêndios florestais no ano passado), as temperaturas ficaram 7°C acima do normal para o período em Belo Horizonte e Brasília, e até 6°C acima do normal em Manaus.

Ondas de frio

O país também registrou ondas de frio entre maio e agosto, em especial na primeira quinzena de agosto no Sul, que estabeleceu novos recordes de baixas temperaturas, destaca o Cemaden. Na cidade de Urupema (SC), foi registrado neve com temperatura de –4,6ºC. Na sequência, o calor retornou com intensidade. O inverno foi o segundo mais quente desde 1961, atrás apenas de 2023.

Chuvas

Enquanto déficits de chuva entre -200 a -400 milímetros (mm) foram observados na Amazônia, centro-oeste e sudoeste da Amazônia-Pantanal, no leste do Brasil e no estado do Rio Grande do Sul as anomalias positivas de precipitação foram de +400 mm durante o primeiro semestre de 2024. “O contraste entre as regiões observado é típico de padrão de fenômenos El Niño”, frisam os pesquisadores.

A cidade de Mimoso do Sul (ES) registrou entre 300 mm e 600 mm de chuva em 48 horas (22 e 23 de março), o que culminou em enchentes e enxurradas que provocaram a morte de 20 pessoas. Foram mais de mil desalojados.

Segundo a nota, o impacto das inundações que afetaram 478 dos 497 municípios gaúchos em maio, atingindo quase 2,4 milhões de pessoas e provocando 183 mortes e 27 desaparecidos, tem o custo estimado da limpeza de US$ 3,7 bilhões (R$ 21,5 bilhões), enquanto o impacto econômico foi de cerca de US$ 16 bilhões (R$ 93,2 bilhões), valor equivalente a 1,8% do PIB do estado no ano passado.

Em outubro, a cidade de São Paulo e a região metropolitana registraram uma sequência de tempestades acompanhadas de ventos. O mais impactante ocorreu em 12 de outubro, quando ventos acima de 107 km/h forçaram o fechamento dos dois aeroportos mais movimentados do país. Um apagão deixou 2,1 milhões de pessoas sem energia na região metropolitana. O evento climático foi consequência de um ciclone extratropical que se desenvolveu na costa dos estados do Sul do país.

Seca

As condições de seca se tornaram mais frequentes e severas no Brasil a partir de 1990, observa o centro de pesquisa, que afirma que em 2024 o país registrou o episódio mais intenso do fenômeno. A falta de chuvas no ano anterior contribuiu para a situação, apontam os pesquisadores, o que vai de encontro com as informações hidrológicas de Amazônia e Pantanal.

Entre julho e setembro, destaca a nota, o número de municípios em condição de seca severa e extrema saltou de 239 para 1,4 mil, ou seja, aproximadamente 25% dos municípios brasileiros foram afetados. Em parte dos estados do Acre, Amazonas, Pará, Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná observou-se condição de seca excepcional, situação que passou a se reverter a partir de novembro. Contudo, até dezembro 92% do país enfrentava algum nível de seca.

A capital federal experimentou 155 dias secos consecutivos, o segundo período mais longo da história, atrás apenas de 1963, quando foram registrados 163 dias.

Amazônia e Pantanal sofreram com recordes de baixa nos rios

Na bacia Amazônica, os níveis muito baixos dos rios afetaram a capacidade das comunidades ribeirinhas de pescar e transportar mercadorias para o abastecimento local e o escoamento da produção local para venda. Em Manaus, o rio Negro registrou 12,11 metros em 10 de outubro, o nível mais baixo já observado desde quando as medições começaram em 1902.

Em Porto Velho, o rio Madeira registrou 0,41 metros nas medições de 14 de setembro, o nível mais baixo desde 1967. O rio Solimões, em Tabatinga (AM), e o rio Amazonas em Óbidos (PA) também reduziram significativamente.

O rio Paraguai, principal corredor hídrico do Pantanal, atingiu apenas 0,62 metros em 8 de outubro, seu menor nível histórico desde o início do monitoramento em 1900. Nas estações de medições de Ladário (MS) e de Porto Murtinho (MS) também houve quebra de recordes mínimos.

Incêndios

Em 2024, foram detectados cerca de 1 milhão de incêndios ativos na América Latina, sendo que mais de 47,7% foram no Brasil, destaca o Cemaden. A baixa umidade do ar e temperaturas mais altas favoreceram a propagação de incêndios, sendo que o índice de risco de fogo foi o mais alto já registrado pela Lasa/UFRJ (Laboratório de Aplicações de Satélites da Universidade Federal do Rio de Janeiro), desde o início das medições em 1980. Amazônia, Pantanal e Cerrado foram duramente afetados.

Brasil registrou aumento de 79% nas áreas queimadas de seu território, entre janeiro e dezembro de 2024, na comparação com o mesmo período do ano anterior. De acordo com dados do Monitor do Fogo do MapBiomas, divulgados nesta quarta-feira (22), 30,8 milhões de hectares foram afetados pelo fogo nesse período.

A extensão da área queimada é superior à do território da Itália e a maior registrada desde 2019. O aumento representa o crescimento de 13,6 milhões de hectares do que o fogo alcançou em 2023. A maior parte do território brasileiro consumido pelo fogo, 73%, foi de vegetação nativa, principalmente formações florestais, um sinal do impacto da seca e do calor sobre a vegetação, afirmam especialistas.

Fonte: Um Só Planeta

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