A agressão a oito macacos, reportada nesta semana pelo zoológico de Rio Preto, interior de São Paulo, tem provocado um debate importante sobre as formas de transmissão da varíola dos macacos, doença infecciosa causada pelo vírus monkeypox e que, até o momento, tem pouco mais de dois mil casos registrados no Brasil.
Em entrevista a Ecoa, especialistas esclareceram as principais formas de transmissão do vírus, pontuando, também, os potenciais riscos da desinformação, já que, apesar de darem nome à doença, os macacos não transmitem o vírus para humanos.
Embora o primeiro caso em humanos tenha sido detectado em 1970, na República Democrática do Congo, a varíola dos macacos acendeu o alarme da comunidade internacional quando, em maio deste ano, passou a acumular casos em países não endêmicos, ou seja, territórios em que o vírus não costumava circular.
Em 23 de março, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou uma emergência de saúde global a fim de facilitar a cooperação internacional para o enfrentamento da doença, que até o momento já contaminou pouco mais de 32 mil pessoas em todo o mundo.
Por que ‘varíola dos macacos’?
A varíola dos macacos, ou monkeypox, ganhou esse nome após a primeira descoberta do vírus em macacos, num laboratório dinamarquês, em 1958. Apesar de ser considerado uma zoonose, doença infecciosa transmitida entre animais e pessoas, estima-se que o vírus tenha chegado a humanos a partir de roedores como ratos e cães-da-pradaria.
Desde então, a infecção tem acontecido de pessoa para pessoa por meio de contato próximo com lesões, além de fluidos corporais, gotículas respiratórias e materiais contaminados, como roupas de cama.
Primatas não são ameaça, mas carregam estigma
Como lembra o infectologista Carlos Magno Fortaleza, professor na Faculdade de Medicina da Unesp e presidente da Sociedade Paulista de Infectologia, não é a primeira vez que macacos têm sido atacados num contexto de receio quanto à transmissão de uma doença no Brasil.
Em 2018, em meio a um surto de febre amarela, também foram registradas mortes de macacos, que, embora sejam hospedeiros do vírus, não a transmitem diretamente para humanos.
“Na época do surto de febre amarela, em que os macacos eram de fato reservatórios do vírus, nós já tínhamos percebido uma mortandade de macacos provocada por seres humanos. Mas, agora com a monkeypox, a situação é ainda mais desconexa porque, mesmo na África, onde a transmissão é endêmica, nós sabemos que não são os macacos que transmitem para humanos, mas sim pequenos roedores”, destacou.
Em reação às agressões, a OMS se manifestou na última terça (9), ressaltando que o ataque aos animais não surtirá qualquer efeito para frear o surto.
Em Genebra, a porta-voz da Organização, Margaret Harris, destacou que já está sendo considerado um novo nome para a doença, a fim de conscientizar as pessoas sobre os protocolos adequados e buscando preservar a vida dos macacos injustamente atacados.
Para Fortaleza, a iniciativa é bem-vinda, mas chega de forma tardia. “Essa questão já vem sendo discutida há muito tempo, e nós da comunidade científica pensávamos que o termo ‘varíola dos macacos’ já estava a caminho de ser extinto”, destaca.
Enfrentando a desinformação
Como na pandemia de covid-19, a chegada da varíola dos macacos ao Brasil tem sido acompanhada de boatos e notícias falsas, que envolvem não apenas os primatas, mas a própria origem da doença, além das formas de transmissão entre humanos, fato que tem chamado atenção de especialistas no combate à desinformação.
Coordenadora do Laboratório de Mídia, Discurso e Análise de Redes Sociais (Midiars) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Raquel Recuero destaca que, em cenários de transmissão de doenças como no caso da varíola dos macacos, o combate à desinformação deve ser observado como uma medida de saúde pública. “Creio que o combate à desinformação em saúde precisa acontecer sempre, todos os dias, pois ela ‘espalha’ e se enraíza sobre outros pontos, como a questão das vacinas, por exemplo. A desinformação sobre a vacina da covid, por exemplo, esparrama para outras vacinas. O estrago é muito grande. E, é claro, sobre a varíola dos macacos também.”
Para Recuero, o histórico de ataque aos macacos, como no caso da febre amarela, indica que temos um desafio de longa data para prevenir essas ações por meio da educação e do acesso à informação de qualidade. “A desinformação tem um papel importante na legitimação e no espalhamento dessas ideias, seja através do contato direto com o conteúdo falso, seja através do impedimento do contato com o conteúdo que poderia desafiar essas crenças”, afirma.
Como cada um pode fazer a sua parte? “Procurando a fonte do conteúdo, indo atrás e não se satisfazendo apenas com o que se recebe na mídia social. Questione e olhe as instituições”, destaca a pesquisadora.
Fonte: ECOA UOL