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ESTRATÉGIAS

Entenda o que rodovias estão fazendo para evitar acidentes com animais

26 de fevereiro de 2024
11 min. de leitura
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Imagem: Acervo Icas

Pequenos ou grandes, animais são alvo frequente de atropelamentos nas estradas brasileiras. Para se ter uma ideia, estudo da UFLA (Universidade Federal de Lavras) estima que a cada segundo 17 animais morrem atropelados nas rodovias do país.

Com uma malha rodoviária de cerca de 1,7 milhão de quilômetros, segundo levantamento da CNT (Confederação Nacional do Transporte), o Brasil é um dos países do mundo que mais registra atropelamentos de animais.

De olho em frear essa tragédia, tem crescido no país campanhas ambientais para diminuir a incidência de colisões envolvendo veículos e animais.

No rol de alternativas já implantadas estão:

– passagens de fauna, em forma de túneis ou viadutos;
– cercamento de vias;
– implantação de sistemas de alerta ao motorista por meio de aplicativo.

Mariana Catapani, coordenadora de coexistência humano-fauna do Icas (Instituto de Conservação de Animais Silvestres) é uma das brasileiras que tem buscado conter os constantes atropelamentos de animais na BR-262.

A rodovia que cruza o país de leste a oeste, atravessando Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo e Mato Grosso do Sul é conhecida por abrigar em suas margens carcaças e ossadas de tamanduás-bandeira, cachorros-do-mato, antas, tatus e até onças.

Para se ter uma ideia, levantamento do instituto contabilizou, entre 2017 e 2020, 7.942 animais mortos em apenas 500 quilômetros da BR-262 —entre a ponte no rio Paraguai e Água Clara (MS). Uma média de cinco mortes de animais por dia.

“A rodovia foi construída sem prever estruturas que evitem que os animais acessem a pista, como cercas e passagens para animais. Essa elevada biodiversidade, em conjunto com essa lacuna na infraestrutura, propicia a ocorrência frequente de acidentes envolvendo a fauna local”, disse Mariana Catapani.

E a BR-262 não é a única rodovia com grande incidência de atropelamentos de animais. Pesquisa do professor Alex Bager, da UFLA, que rodou cerca de 30 mil quilômetros de estradas do país, revela que a maior parte das vias não tem medidas de mitigação.

A pedido de Ecoa, Bager elencou as sete rodovias com maior índice de registros de atropelamentos de animais:

1) BR-110 – Dois trechos dessa via que merecem atenção redobrada dos motoristas é o próximo a São Sebastião do Passé e Alagoinhas, ambos na Bahia.

2) BR-101 – O trecho da rodovia próximo da Reserva Biológica Sooretama, no Espírito Santo, é um dos que mais registra atropelamentos de animais.

3) BR-471 – Localizada no extremo Sul do Brasil, o trecho que mais requer atenção do motorista para risco de acidentes com animais é entre Pelotas e Chuí, no Rio Grande do Sul.

4) BR-262 – A rodovia requer atenção do motorista principalmente no trecho entre Três Lagoas e Corumbá, no Mato Grosso do Sul.

5) BR-163 – Segundo pesquisadores, o risco de atropelamento se concentra em todo o trecho da rodovia que liga duas capitais do Centro-Oeste brasileiro: Campo Grande (MS) e Cuiabá (MT).

6) BR-153 – O maior risco de acidente com animais é no trecho entre Araguaína (TO) até Marabá (PA).

7) MS-040 – A rodovia estadual, entre Brasilândia e Santa Rita do Pardo, ambos municípios do Mato Grosso Sul, também aparece na lista das rodovias mais perigosas para sofrer acidentes com animais.

Impacto das rodovias para a fauna

Atropelamento – os atropelamentos são apontados como o principal impacto causado pelas rodovias próximas de áreas de vegetação. Estudo aponta que cerca de 475 milhões de animais morrem atropelados por ano no Brasil.

Perda de habitat – muitas espécies deixam de atravessar a rodovia por medo, o que ocasiona redução na movimentação de indivíduos entre os habitats e do fluxo gênico, gerando perda de diversidade genética em regiões próximas de estradas.

Ruídos – estudos mostram que os ruídos das rodovias impactam na comunicação e reprodução de aves e anfíbios. Isso porque muitos animais dependem da vocalização para se reproduzir.

Iluminação – as luzes dos carros, principalmente no período noturno, podem atrair diversas formas de fauna para as margens da rodovia, aumentando o risco de atropelamento.

Descarte de lixo – animais carniceiros são atraídos para a rodovia para se alimentar de carcaças de animais mortos, bem como do lixo descartado pelos usuários às margens da rodovia, podendo se tornar vítimas de acidentes.

A preocupação dos impactos da malha viária sobre a vida selvagem começou na década de 70. No entanto, foi apenas em 1998 que o termo “ecologia na estrada” se disseminou por influência do ecologista norte-americano Richard T. T. Forman.

No Brasil, as primeiras medidas de mitigação nas rodovias passaram a ser implantadas apenas no início dos anos 2000, quando os primeiros contratos de licenciamento ambiental de estradas passaram a exigir das concessionárias a implantação de medidas para conter o risco à fauna.

“Cada vez mais estão sendo implantadas estruturas de mitigação e, de maneira geral, a sociedade e as gestoras de rodovias estão mais preocupadas com essa questão. Contudo, apesar desses avanços animadores, ainda temos um longo caminho a percorrer em comparação com outros países”, disse Erica Naomi Saito, bióloga e diretora presidente da Reet Brasil (Rede Brasileira de Especialistas em Ecologia de Transportes).

Bibiana Terra Dasoler, bióloga e doutoranda no Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), diz que a medida que mais precisa ser incentivada no país para evitar colisões entre animais e veículos é o cercamento de vias.

“Para não morrer o animal não pode chegar a estrada. Se estiver na estrada tem risco de morte, por isso a cerca é a melhor medida de mitigação para colisões, independentemente do tamanho dos animais. Associado ao cercamento, é importante também construir passagens de fauna para que os animais consigam se movimentar de um lado para o outro da pista de forma segura”, afirma Dasoler.

Medidas que diminuem o risco à fauna

Cercamento: são estruturas instaladas entre a rodovia e o ambiente do entorno de forma a impedir o acesso dos animais à pista de rodagem e conduzi-los às estruturas de travessia segura.

Passagem inferior de fauna: são estruturas especialmente projetadas para a travessia de fauna sob a rodovia, podendo ser secas ou mistas, dependendo das características dos animais do grupo-alvo.

Passagem superior de fauna: também chamadas de passagens aéreas de fauna ou pontes de dossel, as passagens superiores de fauna são estruturas eficazes para mitigar a fragmentação de ambientes interceptados por estradas e rodovias.

Viadutos para a fauna: os viadutos vegetados de fauna são estruturas construídas sobre as rodovias e ferrovias para manter a conectividade dos habitats, servindo tanto como passagem de fauna como habitat intermediário para pequenas espécies.

Redutores de velocidade: reduzir a velocidade é uma das medidas para diminuir acidentes na pista e o número de colisões veiculares com fauna. A velocidade reduzida oferece maior margem de tempo para o motorista perceber o animal e evitar a colisão, além de possibilitar que o animal perceba o veículo e consiga se afastar a tempo.

Placas de sinalização: placas de alerta de vida silvestre são a forma mais usada e difundida de mitigação de colisões veiculares com fauna em rodovias.

Faixa de travessia para a fauna: uma nova estratégia para redução de colisões com animais na pista viralizou recentemente na internet. Trata-se de uma sinalização especial, parecida com uma faixa de pedestres, mas colorida com imagens de patas de animais. O objetivo é alertar os motoristas sobre os pontos de passagem frequente de animais silvestres.

Aplicativos para smartphone: uma das medidas mais recentes é um aplicativo para celulares, que emite alertas sonoros e visuais quando o usuário entra em uma zona de risco para colisões com animais e acidentes de trânsito. Exemplos: o aplicativo Waze, o aplicativo U-Safe, idealizado pela Environbit, e o aplicativo Heróis da Estrada, desenvolvido pelo Projeto Bandeiras e Rodovias.

Exemplos pelo país

Levantamento do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte) mostra que existem cerca de 1.100 dispositivos de proteção de fauna nas vias brasileiras, sendo que a maior parte são passagens inferiores —túneis embaixo das rodovias para os animais.

Na lista de dispositivos está o viaduto verde construído no quilômetro 218 da BR-101, em Silva Jardim (RJ) após diversos estudos ambientais. Inspirado nos modelos europeus, o dispositivo desenvolvido pela Arteris Fluminense foi instalado em 2020 e custou R$ 55 milhões.

“Desde que foi instalado, em 2020, o viaduto registrou a passagem de 4.046 animais de 28 espécies, entre eles primatas, marsupiais e roedores. A estrutura tem 45 metros de comprimento, 21 metros de largura e 2,5 metros de profundidade. Nela, foram plantadas mudas de vegetação nativa que começaram a crescer e já mudaram o aspecto do local”, aponta Marcello Guerreiro, coordenador de meio ambiente da Arteris Fluminense.

Outro viaduto que também foi construído no país exclusivamente para os animais fica localizado no quilômetro 25 da Rodovia dos Tamoios, em Paraibuna (SP).

O dispositivo foi construído como parte das ações de mitigação para a fauna feitas pela concessionária responsável pela rodovia para obter o licenciamento ambiental das obras de duplicação da estrada que corta a Serra do Mar paulista.

“O viaduto vegetado se tornou apto para passagem de animais em 2019. No local, já foram identificadas diversas espécies, como lobo-guará, cachorro-do-mato e jaguatirica”, afirmou Marcos Elia, assessor de comunicação da Concessionária Tamoios.

Também tem ganhado força no país a implantação de viadutos subterrâneos e de passagens suspensas para fauna arborícola, que é utilizada, principalmente, por primatas. Outra medida que também tem se espalhado é o cercamento de rodovias, principalmente, próximas de áreas de preservação permanente ou florestas.

Estudos são essenciais

Embora as passagens de fauna demonstrem avanço, Alex Bager defende que antes da instalação de qualquer dispositivo no país, pesquisas de efetividade da obra sejam realizadas.

“Não podemos ser ativistas e pensar somente com coração, ou seja, não podemos gastar milhões de reais sem antes saber que aquilo vai gerar resultado. Muitas vezes, viadutos verdes são implantados em países do mundo com finalidade de reduzir acidentes com animais de grande porte, como lobos e ursos, sendo que aqui podemos adotar passagens de fauna de menor custo”, afirmou Bager.

Opinião parecida com a de Reginaldo Cruz, biólogo e pesquisador da Reet Brasil, que trabalha no monitoramento de fauna em rodovias do país. Para ele, é necessário maior engajamento dos órgãos ambientais em busca de mapear as regiões de maior risco de acidentes de trânsito envolvendo animais.

“Hoje em dia, existe um movimento que rodovias novas ou que serão duplicadas precisam passar por um estudo de impacto ambiental. É a partir disso que muitos dispositivos estão sendo instalados. Porém, infelizmente, o licenciamento ambiental tem virado um grande negócio no Brasil, o que faz com que alguns dispositivos sejam instalados sem estudo técnico, virando uma espécie ‘elefante branco’. Isso compromete todo o trabalho sério de mitigação dos acidentes envolvendo veículos e animais”, ressaltou Reginaldo.

Procurado por Ecoa a respeito das ações que tem adotado para mitigar os efeitos das rodovias para a fauna, o Dnit informou que realiza campanhas de sensibilização ambiental junto aos usuários e comunidades às margens das rodovias, além de ações com os colaboradores dos empreendimentos.

“Entre as medidas mitigadoras implantadas e desenvolvidas pelo Dnit, por meio de contratos, estão: identificação e definição dos hotspots de travessias e atropelamentos de animais; instalação de cercas guias ao longo do trecho rodoviário servindo como barreira e estrutura de contenção para os animais, ao longo da faixa de domínio da rodovia; implantação de passagens de fauna aéreas e subterrâneas que auxiliam na manutenção do fluxo das populações de animais silvestres entre lados distintos da rodovia, evitando o isolamento dessas populações”, informou.

Ecoa também entrou em contato com a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), responsável pelo licenciamento ambiental das rodovias paulistas. Por meio de nota, o órgão disse que tendo em vista a complexidade do tema e a necessidade do estabelecimento de um conjunto de ações para mitigar esse impacto, está em andamento, sob coordenação da Cetesb, a criação de uma normativa que orientará a elaboração e implementação do “Plano de Mitigação de Atropelamento de Fauna nas rodovias estaduais do Estado de São Paulo”.

O que fazer se encontrar um animal ferido na pista

O que fazer: Acione ajuda o mais rápido possível. Seu chamado pode ajudar a salvar um animal ferido. Nas rodovias, é possível contar com a ajuda de alguns órgãos responsáveis, que possuem profissionais treinados para o resgate e destinação do animal ferido, como Polícia Militar Ambiental, empresa concessionária da rodovia, bombeiros e Polícia Federal Rodoviária.

O que não fazer: Em hipótese alguma, toque ou se aproxime do animal. Os animais silvestres feridos estão num estado extremo de estresse. Isso pode levá-los ao estado de alerta e a atacar por se sentirem ameaçados, por exemplo, na presença de um humano.

Não leve o animal para casa, nem para outro lugar. Transportar animal silvestre sem autorização é crime ambiental e pode colocar sua vida e a do animal em risco. Caso o animal morra, não toque nele. Algumas doenças podem ser transmitidas mesmo após a morte e, para sua saúde e segurança, é melhor não tocar.

Fonte: UOL

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