EnglishEspañolPortuguês

RESILIÊNCIA

Entenda como a vida selvagem sobrevive após incêndios florestais

29 de janeiro de 2025
4 min. de leitura
A-
A+
Foto: Getty Images

As chamas que consomem a Califórnia há semanas não deixam apenas um rastro de destruição humana. Imagens de um filhote de veado buscando refúgio na fumaça e de uma tartaruga do deserto vagando entre evacuados ilustram como a vida selvagem também é afetada por esses desastres. No entanto, ao contrário do que se poderia imaginar, pesquisas indicam que poucos animais morrem diretamente devido ao fogo. O maior perigo surge no período pós-incêndio, quando a escassez de abrigo e alimento coloca espécies inteiras em risco. Em um mundo onde incêndios florestais estão se tornando mais frequentes e intensos devido às mudanças climáticas, como a vida selvagem sobrevive? E o que os humanos podem fazer para ajudá-la?

Embora os incêndios representem uma ameaça grave para os humanos, especialmente em áreas urbanas próximas a florestas, eles não são intrinsecamente prejudiciais à vida selvagem. Um estudo que analisou 31 pesquisas realizadas entre 1984 e 2020 descobriu que 65% dos casos não registraram mortes de animais diretamente causadas pelo fogo. Muitas espécies desenvolveram estratégias para escapar das chamas, seja correndo, escondendo-se em tocas subterrâneas ou buscando refúgio nas copas das árvores.

Morgan Tingley, professor de biologia evolutiva na Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA), explica que o fogo é parte integrante de muitos ecossistemas. Na Califórnia, por exemplo, o habitat chaparral, caracterizado por vegetação densa e arbustiva, evoluiu para suportar incêndios intensos e ocasionais. Já as florestas do norte do estado estão acostumadas a queimadas de baixa intensidade. O fogo libera nutrientes no solo e cria variações na vegetação, beneficiando diversas espécies.

Alguns animais, como os equidnas da Austrália, entram em estado de torpor durante incêndios, enquanto outros, como as sequoias gigantes, dependem do calor para liberar sementes de seus cones e se reproduzir. “Se não tivéssemos fogo em nosso sistema, perderíamos biodiversidade”, afirma Tingley.

Após um incêndio, algumas espécies não apenas sobrevivem, mas prosperam. O pica-pau-de-dorso-preto, por exemplo, aproveita os insetos que infestam árvores mortas e cava buracos para nidificar. Essas cavidades também servem de abrigo para outras espécies, ajudando a regenerar a floresta. Esse fenômeno, conhecido como pirodiversidade, cria uma variedade de habitats que sustentam diferentes formas de vida.

Outro exemplo é a tartaruga-gopher, cujas tocas são usadas por mais de 350 espécies durante incêndios e ondas de calor. Esses refúgios naturais são vitais para a sobrevivência de muitos animais em paisagens devastadas pelo fogo.

No entanto, os incêndios florestais estão se tornando mais frequentes, intensos e extensos devido às mudanças climáticas e às mudanças no uso da terra. Embora a mortalidade direta de animais durante os incêndios seja relativamente baixa, os impactos a longo prazo são significativos. A perda de habitat, alimento e água pode levar ao declínio populacional de espécies como a salamandra de dedos longos, que luta para se recuperar nas décadas seguintes a um incêndio.

Além disso, a fumaça dos incêndios é uma preocupação crescente, embora seus efeitos sobre a vida selvagem ainda sejam pouco compreendidos. Projetos como o Project Phoenix buscam entender como a fumaça afeta as aves na Califórnia, Oregon e Washington.

As mudanças climáticas não são o único fator por trás do aumento dos incêndios florestais. Práticas de manejo florestal, como a supressão de queimadas naturais e o plantio de árvores uniformes em florestas comerciais, contribuem para a propagação do fogo. A reintrodução de práticas indígenas de queima controlada e a restauração de ecossistemas diversificados são vistas como soluções promissoras.

Algumas iniciativas buscam mitigar os impactos dos incêndios na vida selvagem, como a construção de abrigos artificiais na Austrália. No entanto, essas intervenções têm resultados variados e podem criar “armadilhas ecológicas”, atraindo animais para áreas perigosas. Especialistas alertam que a melhor abordagem é restaurar ecossistemas saudáveis e reintroduzir espécies-chave, como grandes herbívoros, que ajudam a controlar a vegetação inflamável.

Os incêndios florestais são uma força natural que molda ecossistemas há milênios, mas sua intensificação devido às mudanças climáticas e às ações humanas representa uma ameaça sem precedentes para a biodiversidade. Enquanto algumas espécies conseguem se adaptar, outras lutam para sobreviver em um ambiente cada vez mais hostil. A chave para coexistir com o fogo pode estar em restaurar o equilíbrio natural dos ecossistemas, aprendendo com práticas tradicionais e promovendo a diversidade biológica. Como diz Tingley, “se trouxermos o fogo de volta a essas paisagens de maneiras controladas, a biodiversidade será restaurada”.

    Você viu?

    Ir para o topo