É possível comparar a presença do fogo no pantanal e no cerrado?
Tanto o cerrado quanto o pantanal têm vegetações mais adaptadas e, em certo nível, até mesmo dependentes do fogo —algumas espécies só florescem ou só brotam depois da passagem das chamas, por exemplo.
Dentro da dinâmica natural de ambos os biomas, incêndios florestais são provocados principalmente por raios. Porém, quando tempestades com descargas elétricas atingem essas regiões, no final da estação chuvosa ou logo no início da seca, as chamas não se espalham. Já quando a ignição é humana, durante a seca, o potencial destrutivo do fogo se torna muito maior.
A pesquisadora do Ipam diz que a vegetação do cerrado é mais diversa do que a do pantanal, onde as chamas se alastram com maior facilidade. Além disso, no solo das áreas alagadas, chamado de turfa, é mais difícil conter os incêndios, que se propagam por baixo da superfície, tornando o combate ao fogo ainda mais desafiador no pantanal.
E na amazônia, de que forma as queimadas se dão?
A amazônia é formada majoritariamente por vegetação florestal úmida, onde o fogo natural é um evento raro e tem um impacto severo. Apesar disso, na época da seca, queimadas são largamente utilizadas para a limpeza de áreas desmatadas na região, o que faz com que as chamas se espalhem em um ambiente extremamente sensível.
“As árvores grandes, por exemplo, não conseguem resistir a um fogo de baixa intensidade no pé das árvores. As chamas são o suficiente para matar uma árvore centenária, e isso tem um impacto em toda a estrutura da floresta”, conta Alencar.
Quão recorrentes são as queimadas nesses biomas?
Um levantamento da plataforma MapBiomas Fogo aponta que, entre 1985 e 2023, o cerrado teve 66% de sua área queimada pelo menos uma vez, sendo o bioma com mais áreas queimadas de forma recorrente no país. Metade do cerrado queimou mais de três vezes no período analisado.
A amazônia, maior bioma brasileiro, teve 19,6% de sua área atingida pelo fogo desde 1985, o que representou 41,5% da área queimada no país. No pantanal, 70% da área queimou mais de uma vez e, proporcionalmente, a região foi a mais atingida, com 59% da área queimada em 39 anos.
No mesmo período, três estados concentraram 46% da área queimada no país: Mato Grosso, Pará e Maranhão.
A mata atlântica também é sensível ao fogo? E quanto ao pampa e à caatinga?
Assim como no caso da amazônia, os incêndios florestais são muito prejudiciais para a mata atlântica, que também é uma floresta tropical úmida.
“Incêndios naturais são dificílimos de acontecer”, diz Ane Alencar. “A diferença é o nível de desmatamento e a pressão e o uso do fogo na mata atlântica e na amazônia”, analisa, explicando que o desmate fragmenta e fragiliza a floresta.
Atualmente, explica, a amazônia “é um bioma de fronteira do desmatamento, grande parte do desmatamento do Brasil ocorre lá”.
O fogo no pampa, por sua vez, ocorre em áreas pequenas —só 3% do bioma queimaram nos últimos 39 anos, segundo o MapBiomas. A situação também costuma ser pontual na caatinga, diz Alencar, onde raramente ocorre sem influência humana.
No ano passado, o bioma nordestino, que tem um alto índice de endemismo (espécies que só existem ali), teve o mais alto número de incêndios desde 2010. A seca e as altas temperaturas trazidas pelo El Niño para a região ajudam a explicar o espalhamento das chamas.
Qual o impacto das mudanças climáticas nos incêndios florestais?
Estudos apontam que eventos climáticos extremos, como ondas de calor e secas prolongadas, já estão mais frequentes e intensos devido às mudanças climáticas. A falta de chuva, somada a altas temperaturas e ventos fortes, torna mais fácil que incêndios se alastrem, além de acentuar a violência dessas ocorrências.
Fora isso, o aquecimento global também influencia na ocorrência do El Niño e da La Niña. Os fenômenos estão relacionados com a temperatura da região equatorial do oceano Pacífico e determinam alterações no clima em boa parte do planeta.
No Brasil, mudam o regime de chuvas e, consequentemente, podem se refletir em mais queimadas —no Norte e Nordeste no caso do El Niño, e no Sul no caso do La Niña.