Na sala de espera do hospital veterinário, revela-se a profundidade do apego humano aos bichos domésticos. De onde vem a capacidade de amar os animais como se fossem gente.
Para o filósofo americano Henry David Thoreau os aspecto da vida moderna apenas confirmam a sua percepção. Os animais tornaram-se parte da família. Numa pesquisa recente, nove em cada dez pessoas ouvidas nos Estados Unidos afirmam que seus sentimentos pelos animais domésticos são semelhantes àqueles que nutrem pelas pessoas mais próximas.
Para os amantes dos bichos, é apenas a constatação do óbvio. Para quem não gosta de intimidade com os animais, é um desvio de comportamento a ser explicado por psicólogos. Como é possível o sentimento por animais rivalizar com o apego às pessoas?
No recém-lançado What’s a dog for? (Para que serve um cão?, sem edição no Brasil), o jornalista americano John Homans investiga as explicações científicas e filosóficas para a “estranha situação de ter um predador em sua casa, deitado de barriga para cima, esperando alguém lhe fazer cócegas”.
Em outro livro recente, também sem tradução no Brasil, Another insane devotion (algo como Outra devoção insana), o americano Peter Trachtenberg narra a procura por sua gata Biscuit, metáfora para seu casamento em crise. Ele descobre que o amor por Biscuit e o amor pela mulher guardam pontos em comum.
Goste-se ou não, a elevação do status dos animais a integrantes da família está aí. Basta passear pelos perfis de amigos e parentes nas redes sociais para constatá-lo. As fotos do cachorro disputam espaço com as do bebê. As declarações de amor aos animais se sucedem em cascata.
Vídeos que capturam a fofurice de cãezinhos e as proezas de bichanos, são campões absolutos de audiência. A oferta de produtos e serviços para os bichos é mais um indício de amor desmedido: há de padaria a manicure especializada, num mercado que movimenta R$ 12,5 bilhões por ano no país. Estima-se que os brasileiros, tutores de 101 milhões de animais domésticos, gastem R$ 400 mensais em cuidados com eles.
Há um local, porém, onde a profundidade do sentimento é testada para além do consumismo e do modismo – as salas de espera dos hospitais veterinários. Ali, a afirmação de Thoreau soa ainda mais verdadeira. Nesse espaço de apreensão e dor se manifestam, com toda a clareza, os laços profundos que ligam os humanos aos bichos. Os tutores, que muitas vezes não aceitam ser chamados por esse nome – preferem ser pais ou mães –, estão dispostos a qualquer coisa para salvar seus animais ou para evitar que eles sofram.
O achado de um grupo de pesquisadores confirma aspectos da teoria de Pat. Liderados pelo neurobiólogo americano Florian Mormann, do Instituto de Tecnologia da Califórnia , eles monitoraram as ondas cerebrais de um grupo de voluntários enquanto estes observavam imagens variadas de pessoas, animais e paisagens.
Perceberam que a amígdala, uma estrutura do cérebro associada ao processamento de emoções, era a que mais reagia quando os voluntários eram expostos às imagens de animais. A atividade elétrica, ademais, estava concentrada numa região específica da amígdala, localizada no lado direito do cérebro.
Ali costumam ser armazenados informações e estímulos biologicamente importantes para nós. Seria um indício, ainda a ser confirmado, de que nosso cérebro teria uma especialização funcional para lidar com os animais. “É possível que essa seletividade reflita a importância que os animais tiveram em nosso passado evolucionário”, escreveram os pesquisadores no estudo publicado no ano passado na prestigiada revista Nature.
Em 2007, pesquisadores das universidades Harvard e Yale , também nos EUA, chegaram a conclusão semelhante ao testar a velocidade em que as pessoas detectam movimentos de animais, humanos e objetos. As figuras campeãs em sensibilidade aos olhos humanos foram de pessoas e de animais.
As explicações sobre por que nos afeiçoamos aos bichos, o comportamento de quem não dá brecha a intimidades com eles parece até fora dos padrões. É o tipo de pessoa, muito comum, que diz “bicho é bicho, gente é gente” e não faz festa para os cachorros dos outros.
A distância que eles impõem aos animais, segundo os estudiosos, é apenas um traço de personalidade. “São pessoas que tendem a sobrepor os aspectos práticos da vida a valores como o companheirismo oferecido pelos animais”, diz a veterinária Ceres Faraco, presidente da Associação Médico-Veterinária Brasileira de Bem-Estar Animal . Isso nem sempre é definitivo.
Fonte: Bonde