Uma das maiores empresas do ramo de exportação de bois vivos, a Minerva Foods, tem em seu histórico denúncias de maus-tratos a animais, desmatamento e trabalho escravo. As mesmas denúncias recaem sobre as companhias Agroexport e Mercúrio Alimentos, que também exportam animais vivos.
As práticas ilícitas que seriam realizadas pelas empresas foram descobertas através de uma investigação da Repórter Brasil que concluiu que os bois eram comprados de fornecedores diretos que haviam adquirido os animais de fazendas incluídas na “lista suja” de trabalho escravo. Esses bois também advinham de fazendas embargadas por desmatamento.
Em 2009, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi firmado com as três exportadoras, que na ocasião se comprometeram a não comprar bois de fazendas ligadas ao trabalho escravo e ao desmatamento, além de terem garantido que não realizariam essas compras quando os animais tivessem sido criados em reservas indígenas invadidas por grileiros.
Apesar de terem firmado o TAC, as empresas têm em sua cadeia produtiva animais advindos de fornecedores que praticaram ilicitudes ao adquiri-los de diversos pecuaristas no Pará e no Tocantins denunciados por trabalho escravo. Para citar um exemplo, uma importante fornecedora de boi vivo para exportação que vende animais para as três empresas é a Fvt Comércio de Bovinos, com sede no Pará. A empresa comercializa animais criados nas fazendas Pau Preto e Agropecuária Toledo III, situadas em São Domingos do Araguaia (PA). Em março de 2020, a Agropecuária Toledo III recebeu 70 animais que vieram da Fazenda Estrela D’Alva, em Jacundá (PA), que integra a “lista suja” desde 2018, quando três trabalhadores em condições análogas à escravidão foram resgatados da propriedade. Assim como aconteceu entre abril e julho de 2019 com a Fazenda Pau Preto, que recebeu bois de outro empregador incluído na “lista suja” – os animais vieram das fazendas Arco Verde e Pedra Branca, das quais cinco pessoas foram salvas da escravidão.
Diretor da ONG Amigos da Terra, Mauro Armelin afirmou à Repórter Brasil que “o produtor que está com problemas com questão ambiental tem a possibilidade de adequação. Agora, se ele está tendo problemas com mão de obra escrava, é crime, é sangue na mão”.
De acordo com o procurador do Ministério Público Federal (MPF), Daniel Azeredo, há três formas de burlar o TAC assinado pelas empresas. “A primeira é lavagem de bois, quando uma fazenda bloqueada encaminha o boi para uma fazenda que não tem restrição de forma fictícia, e essa fazenda repassa para o exportador. A segunda é quando o fornecedor indireto compra de várias fazendas de cria e recria e vende depois o animal gordo. E a terceira é burlar o CAR, que é autodeclaratório e não validado, permitindo que empresas com problemas negociem com frigoríficos e exportadoras”, explicou.
Ao ser questionada sobre o caso, a Minerva Foods alegou que adota rigorosos critérios de bem-estar animal e que “respeita a legislação vigente para essa atividade, tanto no Brasil quanto nos países importadores”. Disse ainda que a “Fvt Comércio de Bovinos e Fazenda LC I – estão habilitados a comercializar gado para a Minerva Foods ou para qualquer outra empresa do setor, segundo dados do Cadastro Ambiental Rural” e que as outras fazendas não constam no sistema. A Minerva afirmou também que não tem acesso às Guias de Trânsito Animal e que, por isso, é impossível rastrear os fornecedores indiretos. A Agroexport, a Mercúrio Alimentos e a Fvt Comércio de Bovinos não se pronunciaram.
Desmatamento
A investigação realizada pela Repórter Brasil identificou um caso de crime ambiental por meio do qual um pecuarista forneceu bois advindos de áreas embargadas por desmatamento para a Minerva em 2020, a Mercúrio Alimentos em 2018 e a Agroexport, de 2018 a 2021, através da Fazenda LC I, em Breu Branco (PA).
Entre 2018 e 2020, a Fazenda LC II, do mesmo pecuarista, transferiu centenas de bois para que engordassem na Fazenda LC I, de onde os animais são levados para as exportadoras. A fazenda de número II, localizada em Baião, no Pará, tem 250 hectares embargados desde 2013 por desmatamento. Na ocasião, o pecuarista foi multado em R$ 1,3 milhão pelo Ibama.
Esses casos, segundo Mauro Armelin, da Amigos da Terra, mostram que o boi indireto “continua sendo um buraco na cerca”. “Isso só reforça que os casos acontecem e que nós temos que continuar prestando atenção ao mesmo tempo que não dá pra cobrar o TAC sozinho pela redução do desmatamento. Ele é uma ferramenta importante, mas diante dessa loucura que o governo federal tem promovido, é injusto cobrar só dele a solução”, disse à Repórter Brasil.
Exportação: milhares de bois submetidos à sofrimento
Em 2019 e 2020, a exportação de bois vivos condenou mais de 800 mil animais ao sofrimento dentro de navios. Levados para países do Oriente Médio e do Norte da África, a maior parte dos bois partiram do Porto de Vila do Conde, no Pará.
Conforme relatado pela entidade Mercy For Animals (MFA), o Pará é o estado brasileiro que mais exporta bois vivos e é líder em taxas de desmatamento da Amazônia. Durante o transporte, os bois são “confinados em navios que muitas vezes não foram construídos para essa finalidade, em espaços minúsculos e em condições insalubres” após serem criados em fazendas localizadas, em sua maioria, em cidades do Pará.
“O estado é o maior exportador de animais vivos do país e pelo menos três de seus municípios com atividade pecuária figuraram entre os campeões de desmatamento da Amazônia nos últimos dois anos. Em 2019, o estado desmatou 48% da área verde de floresta do bioma, em 2020, 42%, e nos últimos dois meses deste ano bateu recorde de desmatamento”, informou a MFA.
Focada na proteção e defesa de animais explorados para alimentação, a instituição decidiu lançar um manifesto pelo fim da exportação de animais vivos no Brasil. O intuito é “extinguir o sofrimento dos animais exportados vivos nessas péssimas condições e ajudar a conter o avanço da pecuária nas áreas de conservação da Amazônia”.
Vice-presidente de Investigações da MFA, Luiza Schneider citou o longo trajeto realizado pelos navios durante as viagens de exportação de animais vivos. Dentro das embarcações, os bois sofrem por semanas. “Os animais exportados sofrem ao extremo, pois são mantidos confinados em navios por semanas, sendo obrigados a deitar sobre as próprias fezes e urina, além de serem brutalmente mortos nos países de destino. Não podemos aceitar mais isso. Temos que banir essa prática terrível”, disse.
Em 2019, a Mercy For Animals lançou uma petição para pressionar pela aprovação do Projeto de Lei 357/2018, que tramita na Comissão do Meio Ambiente do Senado Federal. A proposta prevê a proibição da exportação de animais vivos para consumo humano “e destaca o crescimento dessa atividade nos últimos anos no Brasil, trazendo à discussão as condições de sofrimento extremo a que são submetidos os animais transportados e a poluição decorrente do lançamento dos dejetos animais sem tratamento no meio ambiente”.
Até o momento, mais de 450 mil pessoas aderiram à petição. A MFA revelou ainda que, após encomendar uma pesquisa ao Instituto Ipsos, descobriu que 84% dos brasileiros concordam que a exportação de animais vivos para consumo humano deve ser proibida no Brasil. “No Rio de Janeiro e em São Paulo também tramitam dois projetos que visam à proibição da prática e ambos aguardam votação nas respectivas Assembleias Legislativas”, relembrou a instituição.