O Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) ajuizou uma ação civil pública contra o Município de Canguaretama e uma empresa do setor de aquicultura após constatar uma intervenção ambiental irregular na praia de Barra do Cunhaú. O caso envolve a abertura não autorizada de uma duna, área classificada como de preservação permanente (APP), que também funciona como ponto de desova da tartaruga-de-pente (Eretmochelys imbricata), espécie ameaçada de extinção.
De acordo com o MP, a empresa realizou a abertura da duna e instalou um cano de captação de água em 18 de março deste ano, sem qualquer licença emitida pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (Idema). Placas instaladas no local indicam a presença de ninhos de tartarugas marinhas, especialmente durante o pico reprodutivo, que ocorre entre os meses de fevereiro e março.
A irregularidade foi confirmada pelo próprio Idema, que em 30 de abril de 2025 aplicou multa de R$ 20 mil à empresa pelo descumprimento da Licença Ambiental n.º 2020-157373/TEC/RLO-1461. Segundo o órgão, além da abertura indevida da duna, foram instaladas novas estruturas de captação sem qualquer autorização, agravando o dano em uma área considerada sensível para a fauna marinha.
Tentativa de acordo frustrada
O processo teve início a partir de uma investigação aberta em julho. Em outubro, o MPRN chegou a propor um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) prevendo o pagamento de R$ 75 mil em indenização e a obrigação de recuperação da área afetada. A empresa, contudo, condicionou a assinatura do acordo a novos esclarecimentos e acabou não formalizando a adesão, o que levou o órgão ministerial a optar pela via judicial.
Na ação, o MP pede que a empresa e o Município sejam condenados solidariamente. O órgão sustenta que a responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva e que, no caso, estão comprovados a conduta irregular, o dano, ou potencial dano, e o nexo causal.
A empresa é apontada como diretamente responsável pela degradação da duna e pelo risco imposto aos ninhos de tartaruga-de-pente. Já o Município de Canguaretama é acusado de omissão na fiscalização e de não ter respondido aos ofícios encaminhados durante o processo investigatório.
Em caráter liminar, o MPRN pede que a Justiça determine a interrupção imediata de qualquer intervenção na área, a suspensão do uso da ponteira instalada irregularmente e a proibição de novas instalações sem prévia autorização ambiental, sob pena de multa diária. O Ministério Público também solicita que o Idema realize fiscalização urgente, podendo adotar medidas como embargo ou interdição.
O órgão argumenta que a continuidade das intervenções compromete a estabilidade da duna e ameaça diretamente o ciclo reprodutivo da tartaruga-de-pente.
No mérito da ação, o MP requer que a empresa seja obrigada a apresentar um Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD), com ações como a remoção das estruturas irregulares, recomposição da duna, plantio de espécies nativas e instalação de dispositivos quebra-vento para favorecer a regeneração do ambiente.
Segundo o biólogo Júlio Mendes, a tartaruga-de-pente, utiliza diversos trechos do litoral do Rio Grande do Norte como área de desova, incluindo praias urbanas e regiões de duna ainda preservadas. O estado é reconhecido como um importante berçário da espécie no Atlântico Sul, e cada ninho registrado representa um avanço significativo para a manutenção do ciclo reprodutivo. Por isso, intervenções que alteram dunas e restingas, ambientes essenciais para a incubação dos ovos, têm impacto direto na sobrevivência dos filhotes.
“Alterações no solo, retirada de vegetação, instalação de estruturas e movimentação irregular de pessoas ou máquinas podem desestabilizar a duna, inviabilizar ninhos e desorientar tanto as fêmeas que buscam o local para desovar quanto os filhotes que precisam chegar ao mar”, explica.
Intervir em uma APP sem licença compromete não apenas o equilíbrio ecológico do litoral, mas também coloca em risco espécies sensíveis como a tartaruga-de-pente. A proteção dessas áreas no RN, portanto, é essencial para garantir que novos ciclos de desova aconteçam com segurança e que a espécie continue encontrando no estado um ambiente adequado para sua reprodução.
Fonte: Saiba Mais