A demanda por alimentos sem lactose está aumentando. No lugar da soja, uma empresa do norte da Alemanha desenvolve produtos à base de tremoço. Um sorvete feito com a leguminosa já está disponível no mercado.
Há 12 anos, a filha e a esposa de Gerhard Kloth – sorveteiro e gerente de produção da fábrica Prolupin, em Neubrandenburg, no norte da Alemanha – perguntaram se ele não poderia produzir um sorvete sem leite. Assim como outros 8 a 12 milhões de alemães, as duas são intolerantes a lactose, ou seja, possuem uma quantidade insuficiente de enzimas para digeri-la.
Kloth começou a buscar algo que substituísse o leite. Primeiro, caiu na soja, mas logo abandonou a ideia. “Nunca se sabe exatamente se o produto comprado é natural ou geneticamente modificado”, diz. O tremoço apareceu como uma alternativa ecologicamente correta e regional.
Tremoço: de fertilizante e ração animal a alimento
Já os Incas apreciavam sementes de tremoço tostadas no sol como alimento. Os romanos sabiam que a planta fixa nitrogênio e a cultivavam como fertilizante. No Mediterrâneo e em Portugal, tremoços são servidos como aperitivo nos bares, e, na Alemanha, são mais conhecidos como ração animal. Como alimento, a planta ganhou destaque no país apenas nos anos 1990, com o cultivo do tremoço azul, livre de substâncias amargas.
As sementes do tremoço azul são hoje a matéria-prima a partir da qual a Prolupin extrai proteínas que substituem a lactose, a proteína e a gordura do leite. A empresa desenvolveu tal procedimento em conjunto com o Instituto Fraunhof de Tecnologia de Processos, de Freising, na Baviera. Em maio deste ano, a empresa começou a vender o primeiro alimento à base de proteínas de tremoço: o sorvete Lupinesse – 100% natural, sem lactose ou colesterol e com quantidades reduzidas de açúcar e gordura.
“Encontramos um nicho”, diz a gerente Katrin Petersen. “Isso é comprovado pelo feedback que recebemos. Recebemos uma grande quantidade de cartas, em que as pessoas escrevem que esses produtos são demandados há muito tempo.”
Entre 15% e 20% dos alemães têm intolerância à lactose e produtos sem a substância são cada vez mais procurados. Mas, segundo Petersen, eles só terão sucesso se tiverem o mesmo gosto e a mesma textura que os produtos à base de leite.
Proteínas de tremoço como componente alimentício
Desde o princípio, o padrão buscado para o desenvolvimento do Lupinesse foi que ele tivesse o mesmo gosto e a mesma consistência de um sorvete convencional. De acordo com Kloth, isso só foi conseguido por conta das propriedades especiais do tremoço azul.
Em primeiro lugar, ele contém poucas impurezas, que na soja, por exemplo, precisam ser removidas antes do processamento. Além disso, o tremoço possui “um teor de proteína muito, muito alto. Ao contrário da proteína de soja, essa proteína permite ser muito bem trabalhada”, diz Kloth.
Procedimentos alimentares especiais, dos quais a Prolupin solicitou a patente, permitem que sejam reveladas propriedades específicas da proteína, dependendo da necessidade – como a capacidade de reter água, para tornar o produto mais crocante, ou a propriedade emulsionante, para obter uma consistência espumosa ou cremosa.
Segundo Petersen, se o procedimento funcionou para um alimento tão complicado quanto o sorvete, o caminho está aberto para outras aplicações das proteínas do tremoço. “Estamos pensando em pudim, iogurte e leite. Ofereceremos mais produtos nessa linha.”Proteínas de tremoço substituem a lactose”.
Salsicha de tremoço
Até o fim de 2015, a empresa quer colocar no mercado uma ampla gama de alimentos à base de tremoço. Paralelamente a outros produtos sem lactose, ela está desenvolvendo produtos sem glúten, junto com 14 empresas parceiras, entre elas padarias e fabricantes de massas.
Estudos revelam que entre 200 e 500 alemães são celíacos, ou seja, têm intolerância ao glúten – uma mistura de proteínas presente no trigo e no centeio, por exemplo. A partir das sementes de tremoço, serão extraídas não apenas proteínas isoladas, mas também as fibras serão transformadas em um substituto da farinha.
Em breve haverá salsichas de tremoço, semelhantes às de tofu, feitas de soja. “Especialmente nos últimos dois anos, consumidores – incluindo a associação celíaca – nos pediram embutidos sem realçadores de sabor, lactose ou glúten. Por isso, desenvolveremos produtos que não contêm proteínas animais: embutidos à base de tremoço”, afirma Walter Kienast, gerente da Greifen-Fleisch, parceira da Prolupin.
O longo caminho para a “soja do norte”
Até 2013, um projeto financiado pelo Ministério alemão de Educação e Pesquisa promoverá o desenvolvimento de produtos à base de tremoço pela associação empresarial da região. Até o momento, apenas as proteínas isoladas de tremoço e o sorvete da leguminosa estão disponíveis no mercado. A safra de tremoço ainda precisa ser estabilizada, assim como o teor de proteína das sementes.
Até que o tremoço azul realmente se torne “a soja do norte”, como já é chamado, ainda há um longo caminho. Mas, segundo Kloth, os primeiro passos já foram dados. “Na indústria alimentícia, as proteínas são um mercado enorme, com taxas de crescimento de dois dígitos”, considera o gerente de produção. Atualmente, essas proteínas vêm basicamente da soja, que, para Kloth, não é essencial. “Com o tremoço, podemos fazer o mesmo e, talvez, até melhor”, aposta.
Fonte: DW