Sob o olhar atento dos colegas, Yan Benini, de 15 anos, equilibra um podador de galhos em direção à copa frondosa de um jatobá (Hymenaea courbaril), enquanto Matheus Perna de Faria, de 15 anos, puxa a corda ligada à lâmina, fechando rapidamente a tesoura. Ao cortar o caule, uma semente do tamanho de uma tangerina cai ao chão. Eles a pegam, jogam em um saco e depois firmam o podador para coletar a próxima.
Essas sementes serão cultivadas num viveiro e posteriormente transplantadas para transformar antigas pastagens em florestas, diz Dayana Duarte durante uma excursão escolar com alunos de escolas locais. “[Na] aula de hoje, a gente veio coletar sementes de jatobá, que é uma planta nativa da Mata Atlântica”, diz ela. “Este programa [Eco-líder] visa formar jovens lideranças na nossa região a fim de proteger o meio ambiente, principalmente a Mata Atlântica”.
Duarte é a coordenadora de educação da Iracambi, uma ONG que trabalha para conservar e restaurar a Mata Atlântica em Minas Gerais. Com a ajuda desses alunos e da comunidade local, Iracambi já plantou 250 mil árvores desde o ano 2000 e pretende atingir a marca de 1 milhão de árvores até 2030.
Localizado no coração da Serra do Brigadeiro, o centro de pesquisa Iracambi é cercado por um mosaico de matas densas e extensas áreas de pastagens e plantações de café. Originalmente, a Mata Atlântica cobria toda a costa leste do Brasil, mas cinco séculos de desmatamento para extração de madeira e produção agrícola deixaram aproximadamente 26% da vegetação original, hoje espalhada por dez estados. Apesar de abrigar o maior número de espécies ameaçadas de extinção no Brasil, a biodiversidade da Mata Atlântica se assemelha à da Floresta Amazônica, ela é também uma importante fonte de água doce para milhões de pessoas.
“Muitas pessoas falam que ele é um hotspot de biodiversidade. É um bioma que realmente representa muita, muita vida.” – Dayana Duarte, coordenadora de educação da Iracambi
Proteger esse bioma importante é uma luta difícil que exige uma abordagem multifacetada. Mas a Iracambi, bem como várias outras ONGs nacionais e internacionais espalhadas pela Mata Atlântica, está assumindo o desafio. A organização sem fins lucrativos reúne projetos de restauração, educação ambiental em escolas, programas de voluntariado com alunos internacionais e oficinas sobre plantas medicinais e produtos naturais para mulheres locais, tudo isso para ajudá-la a atingir seu objetivo de conservação da Mata Atlântica no longo prazo.
Projetos liderados pela comunidade
A coleta de sementes no campo para o cultivo de futuras mudas da Mata Atlântica é apenas uma das atividades que fazem parte do Programa Eco-líder, realizado pela Iracambi em parceria com quatro escolas locais. A iniciativa, voltada para crianças e adolescentes de 5 a 15 anos, também inclui aulas sobre identificação da fauna e da flora e sobre a história e a importância da Mata Atlântica, com o objetivo principal de instilar um senso de responsabilidade de longo prazo pelo bioma.
“Não adianta nada a gente realizar o plantio se esse plantio não vai ser cuidado; senão, não vai ter pessoas que se motivem a cuidar desse trabalho,” diz Duarte.
Iracambi também trabalha diretamente com a comunidade num projeto chamado Terapias Florestais, que funciona de duas maneiras: aumenta o valor de uma floresta em pé ao enfatizar a importância de suas plantas nativas para a saúde e a economia e ajuda mulheres locais a explorar formas alternativas de renda. É uma forma de desenvolver uma bioeconomia regional que preserve a Mata Atlântica e permita a prosperidade da sociedade que vive nela.
Sob o sol escaldante, Carla Mariana Faccina, coordenadora do programa Terapias Florestais, coleta folhas da aroeira (Schinus terebinthifolius) de algumas das cem árvores que crescem em um antigo pasto transformado em uma agrofloresta repleta de pitangueiras, goiabeiras e outras plantas nativas. Ela enche sacos reutilizáveis com folhas aromáticas, tomando cuidado para não tirar muitas de cada árvore.
“A [aroeira] produz um óleo essencial muito rico em propriedades anti-inflamatórias e antissépticas”, diz Faccina. “Ela faz parte da cultura tradicional da medicina popular brasileira.”
Faccina pega as folhas e as destila em um laboratório no Centro de Pesquisa Iracambi para criar um óleo essencial que será usado em uma oficina prática com um coletivo de mulheres da comunidade local. Utilizando o óleo, as mulheres produzem um bálsamo labial natural que eventualmente poderão vender, o que lhes traz outra fonte de renda numa área onde a agricultura em pequena escala é um meio de subsistência fundamental. Um grupo dessas mulheres já comprou um destilador entre elas para começar a produzir seus próprios óleos e bálsamos labiais, os quais Faccina estima que poderiam vender por até 15 reais cada frasco.
“A premissa desse programa é a pesquisa, a educação e, por consequência, a conservação de plantas medicinais nativas da Mata Atlântica”, diz Faccina. “A gente começou faz um ano e meio, e a gente está trabalhando com oito comunidades. A ideia é valorizar os óleos essenciais da Mata Atlântica e mostrar que a Mata Atlântica é uma fonte de produtos maravilhosos que podem trazer também um retorno para a comunidade.”
Promovendo novas políticas
Além da biodiversidade e do cultivo de café, a região da Serra do Brigadeiro também é conhecida como a “veia da bauxita brasileira”, possuindo a segunda maior reserva no país desta que é a matéria-prima para a produção de alumínio.
Esta reserva tem se mostrado irresistível para grandes empresas mineradoras, que têm buscado maneiras de extrair o material nos últimos 30 anos. A expectativa de vida útil dos depósitos na região é de pelo menos mais 30 anos, então a presença da mineração “veio para ficar,” disse Robin Le Breton, fundador da Iracambi, à Mongabay.
Uma crescente conscientização local sobre as atividades de mineração na região e seus possíveis impactos, em grande parte impulsionada pelo ativismo do Iracambi, levou a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), que detém direitos de mineração na região, a intensificar seus esforços de relações públicas e a investir em desenvolvimentos positivos, como manutenção de estradas e instalações de educação e saúde, disseram à Mongabay alguns moradores.
No entanto, ambientalistas continuam preocupados com os impactos ambientais e sociais que a mineração na região terá sobre a Mata Atlântica e os meios de subsistência de pequenos produtores que possuem terras dentro de zonas potenciais de mineração.
A Serra do Brigadeiro é um parque estadual e está protegida da atividade minerária. Mas, grandes zonas-tampão que rodeiam o parque num raio de 10 quilômetros) podem potencialmente ser abertas às mineradoras, desde que o governo de Minas Gerais emita o licenciamento ambiental necessário. Toda área de atuação da Iracambi está dentro da zona de amortecimento, fora do parque estadual. “Estamos empenhados em garantir que estas áreas de conservação estejam protegidas”, disse Le Breton.
Embora o impacto da mineração se desenvolva ao longo do tempo, as transformações dentro da comunidade já são evidentes, em grande parte graças aos esforços incansáveis da Iracambi para promover a conservação da Mata Atlântica. “[Pessoas da comunidade] que vieram trabalhar aqui na ONG acabaram mudando de visão sobre a restauração’, disse Arielle Canedo Campos, coordenadora geral da Iracambi, à Mongabay. “Acredito que, em todas as áreas, a ONG vem realmente transformando vidas mesmo.”
*Notícias da Floresta é uma coluna que traz reportagens sobre sustentabilidade e meio ambiente produzidas pela agência de notícias Mongabay, publicadas semanalmente em Ecoa. Esta reportagem foi originalmente publicada no site da Mongabay Brasil.
Fonte: ecoa