Está sendo o pior verão de sempre em termos de abandono de animais. Em dois meses e três dias, a sobrelotada Sociedade Protetora e Animais Domésticos, de Funchal, recebeu 529 cães.
Raquel Estudante, a diretora clínica daquela instituição, confessa a tristeza ao ver que é este o fruto de tanto trabalho de sensibilização.
E, na verdade, os números são desanimadores. Em junho, deram entrada na SPAD 246 animais, em julho 261, e em apenas três dias deste mês de agosto já foram recolhidos 22 animais. Feitas as contas, foram 529 cães abandonados num espaço de 64 dias. Isto sem contar com aqueles que não chegam à SPAD e que são todos os dias deixados à sua sorte em diversos pontos da ilha.
A crise não pode ser dissociada deste cenário negro. Raquel Estudante atribuiu mesmo à crise a responsabilidade para tanto abandono. Diz que algumas pessoas chegam a entregar os animais porque não têm dinheiro para os manter.
Outras trocam casas por apartamentos e ficam impossibilitadas de manter os cães por impedimento dos condomínios.
Há também quem os abandone doentes, porque não têm verba para o tratamento. Raquel Estudante nota que, cada vez mais, os cães que chegam à SPAD não são cães de rua, mas sim cães que eram estimados e cuidados. Têm o pelo em boas condições, estão bem alimentados, mas foram apanhados por contingências de vida dos tutores que os lançaram para uma sorte diferente.
A SPAD enfrenta ainda algumas situações de cães que foram lá colocados em regime de hospedagem, mas os tutores nunca mais os reclamaram, nem atendem os telefones.
Apesar do desânimo, Raquel Estudante garante que a SPAD não vai baixar os braços. A instituição está lotada, mas construiu mais oito jaulas no Canil do Vasco Gil que também já estão cheias.
Recentemente, aquela instituição conseguiu que fossem adotados 65 animais. Pouco para o universo de abandonos, mas, mesmo assim, um esperança.
Raquel Estudante apela a que as pessoas respeitem os animais e, principalmente, para que façam a esterilização.
Embora sem estatísticas, também a Associação PATA tem a sensação de que os abandonos aumentaram. Uma sensação vivida no terreno. O abandono não escolhe raças e idades. É cada vez mais comum encontrar cães bastante jovens e já na rua. Fátima Gonçalves diz que as pessoas levam o cão para casa porque acham bonito enquanto é filhote, mas depois, quando começam a crescer, desfazem-se deles.
São vistos em toda a parte, aproximam-se à procura de carinho e de comida.
O abandono, como não escolhe raças nem idades, também não escolhe locais. Fátima Gonçalves diz que encontra cães abandonados em qualquer lugar. Tanto na Fundoa, onde muitos abandonam longe dos olhares críticos, como em zonas residenciais.
Mas, paralelamente, ainda há muita gente que gosta de animais. Muito recorrem à PATA porque não desistem de encontrar o amigo que se perdeu. O último caso é o de um labrador castanho, que se perdeu na zona da Garajau. É jovem e atende pelo nome de Rex.
A legislação: Ida ao veterinário dá direito a convite da Junta de Freguesia
Recentemente entrou em vigor legislação que pretende diminuir o problema do abandono de animais. A lei obriga, nomeadamente, que todos os cães tenham ‘chip’ e estejam registrados nas juntas de freguesia.
Simplício Pestana, da ANAFRE, diz que o número de registros tem, realmente, crescido, muito pelo trabalho realizado pelas juntas de freguesia em cooperação com a SPAD e várias clínicas veterinárias. Refere, a propósito, que são aqueles órgãos que informam as juntas de freguesia sobre novos cães que aparecem para a vacina e da morada dos respectivos tutores. Caso não apareçam durante um determinado período de tempo para fazer o registro, recebem um carta em casa para comparecerem na junta a legalizar o animal.
Simplício Pestana está convicto de que este é um trabalho que vai dar os seus frutos a longo prazo. Para já, contudo, reconhece que o abandono continua a ser grande.
Costa Neves, vereador da Câmara do Funchal, diz que lhe parece que o abandono no centro da cidade diminuiu, mas aumentou nas serras. Diz que o Parque Ecológico tem recolhido muitos cães que encaminha para o canil e para a SPAD.
O autarca considera que tudo isto é lamentável e destaca o fato de a atual legislação ser de aplicação difícil e complicada, porque tanto o ‘chip’ como o registro são pagos. Tudo passa por uma questão de cultura e de educação.
Para já, no entanto, o abandono de animais é uma despesa para a autarquia, a qual, em virtude do protocolo que tem com a Sociedade Protectora dos Animais, desembolsa todos os meses “milhares de euros”.
Fonte: dnotícias.pt