“Quando vimos os dois machos de onças-pintadas dividindo a mesma manilha já ficamos surpresos, agora quando um deles saiu e entrou na outra onde estava a jaguatirica, pensamos: ou a onça come a jaguatirica ou a jaguatirica sai correndo”, relata o fundador da ONG Onçafari Mário Haberfeld, que filmou a cena no último dia cinco na cidade de Miranda, no Pantanal Sul.
Só que nada disso aconteceu. De acordo com ele, os dois felinos só rosnaram no início e depois ficaram lá, juntos, por horas. “Era como se eles falassem: estamos todos desesperados, vamos compartilhar o que temos”, relembra.
Isso por conta das queimadas dos últimos meses que atingiram cerca de 80% de um refúgio ecológico de 53 mil hectares na região e agora seguem devastando outras áreas do bioma. No total, o Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Lasa-UFRJ) já registrou mais de 1.9 milhões de hectares consumidos pelo fogo em todo Pantanal neste ano.
A cena vista por Haberfeld é considerada raríssima, já que machos de onça-pintada não costumam compartilhar o mesmo território e muito menos tolerar a presença tão próxima de felinos de outra espécie.
Para o biólogo Gustavo Figueirôa, diretor de comunicação do SOS Pantanal, o registro é, além de triste, impressionante. “Ele mostra como os animais mudam o seu comportamento pra sobreviver em uma situação extrema. Se fosse uma situação normal a onça provavelmente mataria essa jaguatirica, botaria ela pra correr. Mas nesse caso elas estão se tolerando, porque elas precisam sobreviver”.
Além das onças Divino e Timburé – que são monitorados pela equipe do Onçafari desde que chegaram em Miranda no final do ano passado – e da jaguaritica, no mesmo dia do registro da cena rara cachorros-do-mato, jabotis, quatis, entre outras espécies também foram vistas em manilhas.
Refúgio
As manilhas, construídas para facilitar a passagem da água, são muito utilizadas pela fauna pantaneira no período das secas.
“Fazemos pesquisas há bastante tempo com manilhas e percebemos que os animais costumam usar em dias mais quentes, já que chega a ser de três a quatro graus mais fresco lá dentro, tanto pela corrente de vento como também por ser de concreto”, comenta Haberfeld.
Redução de danos e recuperação da fauna
Com o fim das queimadas, mas não do período de seca, o refúgio ecológico Caiman, responsável pela área onde as onças foram filmadas, resolveu paralisar o turismo local até setembro para se dedicar à recuperação das áreas atingidas pelo fogo.
No momento, poços e açudes estão sendo construídos para garantir água aos animais, assim como, junto com a equipe do Onçafari, suplementação de frutas e verduras em alguns pontos para os animais.
Além disso, há ainda o resgate de animais machucados que são tratados no local ou encaminhados para centros mais especializados em casos mais graves.
Fonte: G1