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'Eles sentem, é triste', diz ativista sobre depressão em animais abandonados

18 de agosto de 2020
6 min. de leitura
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Doddy espera por uma família há seis longos anos (Reprodução)

Os maus-tratos visíveis em animais abandonados, resultantes da alimentação precária e das péssimas condições em que vivem, não são as únicas consequências do abandono. Os atropelamentos, as doenças, a fome, a sede, também não são. Embora muitos não se atentem a essa realidade, os animais têm a saúde mental prejudicada pelas ações cruéis dos humanos.

Deixados nas ruas à própria sorte, eles sentem falta daqueles que os abandonaram. Isso porque, ao contrário dos antigos tutores, os animais amam verdadeiramente e não esquecem de suas famílias, mesmo após serem abandonados. O resultado disso é um estado depressivo.

Ativista pelos direitos animais, Mário Rangel presenciou alguns casos e fala com propriedade: os animais “sabem e sentem” que foram abandonados. Em entrevista exclusiva à ANDA, ele fez um alerta sobre a depressão em animais e um apelo em prol da adoção. Confira abaixo na íntegra.

ANDA: Desde quando você auxilia animais em situação de vulnerabilidade?

Mário Rangel: Fui criado pela minha avó e ela era protetora de animais e vegetariana. Desde então, amo animais. Tínhamos 17 cães e 17 gatos, fui criado nesse meio. Quando minha avó faleceu, intensificou-se ainda mais meu amor pelos animais. Até que tive uma namorada que queria adotar uma cadelinha e minha tia me apresentou a Toca do Bicho. Adotei para ela uma cachorrinha que havia sido estuprada. Fiquei muito amigo da Amanda Daiha, que é a presidente da ONG, e pedi pra ser voluntário para continuar lutando pelos animais. Em seguida, me tornei vegetariano. Quando minha avó morreu, decidi que lutaria pelos animais até o fim. Sempre os amei muito porque fui criado e ensinado assim, minha avó sempre me ensinou a defender os animais.

ANDA: Nestes anos todos de dedicação aos animais, quais casos de animais abandonados que você presenciou que te marcaram?

Mário Rangel: O caso de um gatinho que me chamaram para resgatar dentro da comunidade, o Tofu. Eu subi e ele estava dentro do bueiro, quase morto. Liguei para Amanda e ela conseguiu chamar os bombeiros porque ele estava bem lá dentro do bueiro mesmo e foi preciso a equipe para retirar. Ele chegou quase morto ao veterinário, eu me apaixonei muito por ele e decidi adotá-lo. Mas após uma semana de muita luta contra a hipotermia, a bicheira e a desnutrição, ele não resistiu. Acabou comigo!

Guerreiro recebeu esse nome após ser encontrado com uma orelha decepada (Reprodução)

E teve um caso recente do abrigo. A voluntária Amanda Pieranti recebeu um pedido desesperado de resgate para esse cachorrinho em Manguinhos. Ele estava há dias andando por todos os lados, todo torto, com a orelha decepada, tentando entrar nas casas, mas as pessoas expulsavam. Exausto, ele entrou numa casa, debaixo da escada da moradora, e ela colocou água, comida e implorou por resgate. Então, a voluntária falou com a dona da ONG, que chamou um táxi dog para buscá-lo. Ele estava tão mal, sem a orelha, dava até para ver uma parte do cérebro, conforme a voluntária nos contou. Um caso horrível. Demos a ele o nome de Guerreiro. Os moradores disseram que ele foi abandonado pelo antigo tutor e ficou vulnerável a brigas com outros cães na rua.

E tem o Doddy. Ele tinha um tutor, que era idoso e morreu. Como ninguém o quis, ele veio parar no abrigo. Por duas vezes, ele quase foi adotado. Mas as famílias desistiram. Ele ficou muito deprimido. Já está no abrigo há seis anos e precisa muito de um lar.

ANDA: Os animais resgatados de maus-tratos e do abandono são encontrados nas piores condições de saúde possíveis, mas o estado físico deles não é a única coisa a ser considerada. Como você observa o psicológico desses animais? Como eles se comportam emocionalmente falando?

Mário Rangel: Eles costumam vir bem acuados e com medo de sofrer agressões. Vão aos poucos permitindo afeto. São muito assustados, geralmente se encolhem de medo e ficam escondidos debaixo das mesas, no cantinho.

ANDA: Nas ruas, eles vivenciam muitos traumas. Você acredita que a separação dos tutores, que os abandonaram, é um desses traumas? Você nota que eles ficam deprimidos e demonstram sentir saudade de quem os abandonou?

Mário Rangel: Sim, eles ficam muito tristes, se sentem abandonados, por isso demora um pouco até eles aceitarem uma demonstração de afeto, porque sentem medo. O Tigrão quando foi devolvido ficou muito triste, só ficava escondido e não queria comer. Tive uma gata que os pelos começaram a cair após a morte da minha avó. Eles sentem e sabem, é muito triste.

ANDA: Como é o processo de reabilitação dos animais? O que a ONG faz para que eles saiam desse estado depressivo?

Mário Rangel: A dona da ONG é muito carinhosa, dá afeto, o filho dela também, os voluntários brincam, fazem aproximação. No abrigo, tem adestrador que faz atividades e socializa os animais. Mas de fato o amor é o principal.

ANDA: E qual a importância da adoção neste processo de reconstrução da saúde mental do animal?

Mário Rangel: Uma casa onde a atenção acaba sendo mais exclusiva para o animal é muito importante. Um abrigo, apesar de cuidar bem dos animais, deve ser um local de passagem, porque lá eles não têm a atenção que teriam em um lar fixo.

Deprimido e com medo, cão resgatado pela Toca do Bicho se encolheu em um canto após o resgate (Reprodução)

Quando um cachorrinho ou gatinho é adotado por uma boa família, ele aos poucos vai recuperando a confiança no ser humano. No novo lar, ele recebe mais atenção, mais carinho, e acaba confiando novamente.

Mas é importante explicar que nem sempre isso é imediato. Muitas vezes, um cão que já foi abandonado passa no abrigo e é adotado de novo, acaba ficando um pouco assustado a princípio na nova casa, isso é normal, é um novo ambiente, mas com paciência e calma, com o passar do tempo ele se adapta.

Como adotar?

Em todo o país, ONGs de proteção animal disponibilizam animais para adoção. Tantos outros podem ser retirados das ruas e levados para as casas dos novos tutores após uma ida ao veterinário. Municípios que dispõem de um Centro de Controle de Zoonoses (CZZ) também doam animais.

No Rio de Janeiro, a ONG na qual o ativista Mário Rangel é voluntário também tem animais à procura de lares. Para adotar um animal resgatado pela Toca do Bicho, basta acessar as redes sociais da entidade. “No Facebook e no Instagram, o interessado em adotar vai falar com uma voluntária que vai explicar exatamente como preencher os requisitos para adoção”, disse Rangel.

A associação também arrecada doações para se manter. Com a pandemia, as dificuldades aumentaram e, por isso, a colaboração da sociedade é essencial. Nas publicações feitas nas redes sociais da ONG é possível encontrar os dados bancários da Toca do Bicho. Moradores da cidade de Itaboraí, onde o abrigo está localizado, e de outras localidades da região também podem fazer as doações presencialmente.


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