EnglishEspañolPortuguês

ESCRAVIDÃO

Elefantes explorados em zoos ambulantes são condenados a uma vida de sofrimento

16 de julho de 2021
Beatriz Paoletti | Redação
10 min. de leitura
A-
A+
Minnie/NhRP

Elefantes de zoos ambulantes dos EUA sofreram durante anos antes de morrer, segundo novos registros do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). Defensores dos animais acreditam que a falta de proteção legislativa e de fiscalização resultou neste cenário de descaso para com os elefantes.

Hoje existe apenas Minnie, o único elefante que restou do Zoo Commerford, um zoo ambulante de Connecticut. Outros dois elefantes que eram do local, Beulah e Karen, morreram em 2019 depois de um longo tempo de adoecimento, de acordo com os registos obtidos pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), a agência responsável pela fiscalização da Lei de Bem-Estar Animal.

Os registos apontam abusos do zoo contra os elefantes, por terem sido obrigados a viajar e transportar crianças mesmo já debilitados. Os defensores de animais veem os relatórios com importância por revelarem problemas estruturais quanto a forma que são regulamentados nos EUA os zoos ambulantes.

O zoológico de Connecticut foi fundado nos anos 70 por Bob Commerford. O Zoo Commerford viaja pelo Nordeste dos EUA com elefantes, além de outros animais como camelos, lémures, canguru e zebra. Ele é um exemplo dentre os 3 mil zoos ambulantes dos Estados Unidos, também chamados de zoos de beira de estrada, e que no total mantém 70 elefantes em suas instalações.

Estes negócios estão mal amparados quanta a regulação de proteção animal, de acordo com Ben Williamson, diretor de programas da organização sem fins lucrativos World Animal Protection U.S. Eles têm licença do USDA para funcionarem e lucrarem com a exibição animal, mas não estão credenciados pela Associação de Zoos e Aquários, que requer padrões mais elevados de bem-estar e cuidados em 241 instituições dos EUA. “Em geral, o tratamento inadequado dos elefantes [em cativeiro] é bastante comum”, fala Ben.

Animais que viajam para serem atrações em espetáculos, como os elefantes do Zoo Commerford, são protegidos apenas pela Lei de Bem-Estar Animal, que apesar de exigir “cuidados veterinários adequados” e transporte humanitário, não especifica que animais doentes não possam viajar e trabalhar nas performances.

Karen, um dos últimos elefantes que restavam no Zoo Commerford, morreu de doença renal em 2019, sendo que sofria do problema desde 2017, segundo os registos do USDA. Ela trabalhava para o negócio desde 1984. E ainda a mais tempo trabalhava lá Beulah, outro elefante fêmea que pertencia a instituição desde 1973. Em 2019, durante uma feira em Massachusetts, ela morre com envenenamento no sangue devido infecção uterina. Há a forte possibilidade ainda, registrada pelo USDA, que ela tinha um tumor ao longo dos 10 anos que antecederam sua morte.

De acordo com uma denúncia anônima ao USDA, o dia que Beulah morreu ela já havia desmaiado três vezes, sendo que continuou a ter de trabalhar. O zoo se defendeu dizendo que a elefante desmaiou duas vezes e não houve forçamento. Um visitante da feira que fotografou Beulah pouco antes dela morrer, e viu que estava deitada numa área do estacionamento. Sobre esta situação o zoo disse que era um comportamento normal do animal e que não tinha mais nada a declarar.

Em entrevista de 2017, o coproprietário do zoo, Tim Commerford, falou: “Eu cresci com [os elefantes] a vida inteira. Eles são família. Os defensores dos animais podem dizer o que quiserem sobre isto, mas os elefantes fazem parte da nossa família.” Além disso relatou que os elefantes estavam com uma “saúde perfeita” e que eram regularmente examinados por veterinários.

Para Courtney Fern, diretora de relações governamentais e campanhas da Nonhuman Rights Project (NhRP), é estranho que Karen e Beulah tenham sido forçadas a trabalhar mesmo debilitadas, embora o USDA e o Zoo Commerford soubessem de suas doenças. A organização de direitos dos animais que Courtney dirige é da Flórida, a qual foi a que obteve os registos do USDA em junho de 2021. Desde 2017 a NhRP defendia em tribunal, sem sucesso, que Beulah, Karen e o terceiro elefante, a ainda viva Minnie, de 49 anos, fossem transferidas para um santuário.

Um dia na feira Courtney viu a elefante Karen visivelmente angustiada enquanto carregava crianças nas costas, e mesmo assim percebeu que não suspenderam o trabalho exaustivo. “Não fizeram nada para evitar que [os elefantes] fossem levados para as feiras e forçados a trabalhar em atividades que todos sabiam provocar sofrimento.”

A supervisão dos zoos ambulantes é insuficiente, diz Christopher Berry, advogado-gerente do Animal Legal Defense Fund, um grupo de defesa dos animais. “O USDA está dormindo no volante em termos de regulamentação destas instalações”, fala Christopher.

O Zoo Commeford já foi citado 50 vezes pelo Departamento de Agricultura devido a violações da Lei de Bem-Estar Animal, segundo o NhRP e o grupo de direitos dos animais PETA. Entre os motivos estão a falta de atendimento veterinário adequado, feno acumulado sujo, recintos imundos, além de ausência de funcionários durante contato de elefantes com o público.

Foram 25 inspeções surpresas desde 2014 da USDA no Zoo Commerford, e de acordo com Andre Bell, porta-voz do USDA, “Os inspetores rastrearam o estado de saúde de Beulah e Karen para garantir que estavam recebendo os cuidados veterinários adequados”, relatou Andre por e-mail.

O USDA tem autoridade para emitir relatórios assim como suspender ou revogar a licença de exibição de animais de um zoo, porém, em 2019, o senador americano Richard Blumenthal, um democrata do Connecticut, escreveu uma carta a Sonny Perdue, então secretário do USDA, exigindo uma explicação para o fato de Beulah e Karen terem morrido quando poderiam ter suas vidas poupadas e por isso perguntou para o Zoo Commerford quais seriam as razões de ainda passar nas inspeções do USDA depois das “mortes prematuras” dos elefantes.

Sonny Perdue, então secretário do USDA, respondeu o senador Richard Blumenthal que “As instalações licenciadas são obrigadas a cumprir [a Lei de Bem-Estar Animal] no fornecimento de cuidados veterinários adequados para os seus animais”. E ainda “O Zoo Commerford forneceu documentação de que Karen e Beulah estavam sob cuidados veterinários no momento das suas mortes e que os cuidados prestados tinham sido adequados.”

Christopher Berry, do Animal Legal Defense Fund, diz que as agências governamentais estaduais e municipais são melhores para garantir a proteção dos elefantes do que a Lei de Bem-Estar Animal, já que as leis estaduais anti-crueldade costumam ser mais fortes. Em 2017, por exemplo, os inspetores do controle de animais no condado de Lawrence, no Alabama, encontraram durante um espetáculo no Great American Family Circus a Nosey, uma elefante que estava acorrentada sobre as suas próprias fezes que não tinha disponível nem água e nem comida.

O Great American Family Circus, um circo de Orlando, foi licenciado pelo USDA durante vários anos, apesar de Nosey continuar sendo atração de espetáculos enquanto sofria de uma doença na pele que a tornava propensa a infeções dolorosas, além de ter um histórico de exposição à tuberculose. Apenas após a intervenção de autoridades locais é que o USDA revogou a licença ao proprietário do circo e, mais tarde, Nosey foi transferida para um santuário de elefantes no Tennessee.

Punições insuficientes

Apesar da Lei de Bem-Estar Animal exigir cuidados veterinários adequados, as diretrizes são vagas e os inspetores do USDA costumam recorrer aos proprietários e veterinários das instalações, segundo Christopher. Quando há a violação da lei, “não há consequências financeiras o suficiente”. Após várias violações documentadas, o USDA pode emitir um aviso ou impor uma pequena multa que geralmente oscila entre 2.000 e 15.000 dólares.

“Normalmente [o USDA] só impõe multas ligeiras após anos de violações flagrantes da Lei de Bem-Estar Animal”, diz Christopher. Os zoos as vezes veem vantagem em violar estas diretrizes vagas e esperar pelas multas mínimas, e sobre isso, ele complementa “(…) em vez de pagar realmente pelos cuidados veterinários ou instalações atualizadas, e assim por diante, para cuidar adequadamente de um animal”.

“As leis são tão válidas quanto a sua aplicação”, aborda Ben Williamson. A agência USDA raramente revoga a licença dos zoológicos com muitas citações.

“Não devia ser necessário um documentário da Netflix para as licenças dos maus tratadores de animais serem revogadas”, diz Ben, tratando sobre os protagonistas da produção Tiger King, Jeff Lowe e Tim Stark, que perderam suas licenças como proprietários de negócio envolvendo exposição de animais, documentada com grande repercussão e que revelou situações incriminadoras quanto ao tratamento dos animais.

Ben Williamson apoia a Lei de Aplicação Melhorada de Bem-Estar Animal, recentemente introduzida no Congresso, que exigirá, provavelmente, inspeções surpresa antes das licenças serem renovadas para assim evitar a renovação caso instalações tenham mais de uma instância de não conformidade.

O processo de revogação de uma licença pela USDA é deliberativo, e, portanto, confidencial, segundo e-mail de Andre Bell, porta-voz da agência. Ele complementa, “Em geral, [a agência] analisa a gravidade de quaisquer violações ocorridas, o histórico de conformidade de uma instalação, o tamanho do negócio e os esforços de boa-fé da instalação para cumprir.” Andre não quis comentar se a agência pensa em revogar a licença do Zoo Commerford.

Minnie, o último elefante do Zoo Commerford

Minnie, elefante de 49 anos, é a última elefante sobrevivente do Zoo Commerford. Está sozinha desde 2019 no zoológico, e última vez que apareceu foi julho do mesmo ano, fala Courtney Fern, da NhRP. Foram feitas gravações de drone pela NhRP que mostraram os recintos dos elefantes e o recinto exterior na sede do zoo no Connecticut, e de acordo com Courtney, Minnie fica em local restritivo e fechado nas instalações, num recinto de betão. Sobre a aposentadoria de Minnie, o zoo descreveu que ela tem acesso a “quintal com mais de dois hectares”, descrição que difere do registro da NhRP.

Para Courtney, Minnie não aparece nos espetáculos provavelmente devido a reação contrária do público quanto a utilização de elefantes em eventos do tipo, ainda mais após a morte de Beulah e Karen. Alem disso, Minnie tem um histórico de ferir os seus tratadores sendo que atacou funcionários do zoo em pelo menos quatro ocasiões diferentes, de acordo com os relatos da imprensa recolhidos pelo PETA.

Não se sabe se Minnie está debilitada, e numa iniciativa em 2020 de assegurar seu bem-estar, a família dos antigos proprietários de Minnie, Earl e Elizabeth Hammond, lançaram uma campanha GoFundMe de 2,4 milhões de dólares em nome do Zoo Commerford para angariar fundos para a alimentação e cuidados gerais do elefante. Sobre a campanha, o site diz que “Houve uma perda de capital que sustentava a instituição devido a COVID-19”, e Minnie “foi diretamente afetada”. Apenas 2440 dólares foram arrecadados até agora.

A USDA não pode apreender Minnie porque o negócio está com problemas financeiros. Andre Bell diz que, “A autoridade, de acordo com a Lei de Bem-Estar Animal, está limitada aos animais que estão em estado de sofrimento constante. Neste momento, Minnie não está em estado de sofrimento.”

Courtney não vê as coisas desta forma. “Quanto mais descobrimos sobre a sua situação [de Minnie], mais evidente se torna a urgência de a levarmos para um santuário.” A organização NhRP voluntariou-se para financiar e planejar a transferência de Minnie para um santuário, mas, de acordo com Courtney, não houve respostas.

“A Minnie merece liberdade… ela foi explorada por eles a vida inteira para obter lucro”. Adiciona Courtney, “Se eles realmente se importam com ela como dizem que se preocupam, devem enviá-la para um santuário onde Minnie pode viver o mais livremente possível com outros elefantes durante o tempo que lhe resta.”

Você viu?

Ir para o topo