A jornalista Maria*, 31, conviveu por oito anos com a cachorrinha Luna. A cadela, da raça shih-tzu, tinha três anos quando o relacionamento de Maria com a ex-mulher começou.
O fim do relacionamento, porém, veio com um impasse: “Ela [ex-mulher] me impede de ver a Luna.”
“Entrei com uma ação de guarda compartilhada. Já tive uma decisão favorável a mim, mas há semanas tento buscá-la e não consigo”, disse Maria.
Brigas na Justiça
Os animais se tornaram mais um motivo de negociação entre casais que estão se separando. Após anos convivendo com os animais, é preciso entrar em acordo e definir datas de visitação após o fim do relacionamento. E algumas brigas estão chegando à Justiça.
Foi a ex-mulher quem adotou a Luna antes do início do relacionamento, mas Maria acabou assumindo vários compromissos da cachorrinha e desenvolveu um amor por Luna.
Fomos morar juntas em 2016 e, por quase oito anos, fui cotutora da Luna. Durante esse período fiz tudo: levei à pet shop, ao veterinário, dei vacinas, exames. Era uma mãe presente. Ela sempre foi apegada a mim e eu a ela.
Com o final do relacionamento, tudo parecia caminhar para a guarda compartilhada de Luna de forma amigável, mas não foi isso o que aconteceu. “Por motivos pessoais, minha ex dificultou muito a separação. A ponto de dizer que eu não podia mais contatá-la, só por intermédio de advogados. Ela tornou impossível que o processo acontecesse de forma amigável”, diz Maria.
Mesmo sem estar preparada para arcar com os honorários jurídicos, ela entrou na Justiça pelo direito de ver a cachorrinha. Depois de muita discussão, Maria conseguiu recentemente acesso a Luna.
Processos por guarda de animais estão se tornando cada vez mais frequentes, diz Mariana Serrano, advogada especializada em direito das mulheres, das famílias, da população LGBTQIA+ e mestra em direito pela PUC-SP.
O direito conservador olhava o animal apenas como um semovente, muito semelhante ao que se fazia com as mulheres há anos, quando elas precisavam da autorização dos maridos para tomar decisões. Mas isso está mudando.
Mariana Serrano
A Justiça está percebendo que os animais têm um laço afetivo com os tutores, diz a advogada. “Estamos cada vez mais próximos de colocar o animal como um ser de direito, salvo suas peculiaridades. Mas ele tem direito à vida digna e a cuidados.”
Mais de dois anos
Alguns processos do tipo se arrastam há anos. A advogada especialista em direito de família e sucessões Gabriela Cardoso representa um cliente que também está em uma briga judicial por causa de seu cachorro, um Golden. Ele preferiu não se identificar.
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“Meu cliente teve uma namorada por quase dez anos e, durante a pandemia, decidiram morar juntos. Na época, ele comprou um cachorro e o casal passou a cuidar dele de forma conjunta”, disse Gabriela Cardoso.
Após a separação, a ex-namorada quis continuar tendo acesso ao animal. “Ele sempre a deixou ver o cachorro. Existia até um combinado de que ele passasse um final de semana com ela a cada 15 dias. Mas isso não acontecia de verdade. A ex o via, quando muito, uma vez ao mês e dava R$ 150 mensais para arcar com a despesa do animal.”
A situação ficou mais grave em 2022. O cliente fez uma brincadeira sem graça com o Golden —a advogada preferiu não dizer qual —e a ex, ao ver a gravação, não gostou e o denunciou para a polícia. “Depois desse incidente, que foi arquivado na Justiça por falta de provas, houve ameaças à vida do meu cliente além do pedido de guarda da ex-namorada. Mais uma vez, o juiz decidiu que a antiga companheira poderia ver o animal a cada 15 dias”, explica Cardoso.
Hoje, o processo da guarda do animal já dura dois anos e ainda não há sinais de resolução. “Não era para ser demorado. Mas vamos ter mais uma audiência de custódia.”
Grana fez abrir mão
A supervisora operacional Evelyn Coccia, 33, tinha uma cachorrinha de apenas seis meses quando ela e o ex terminaram um relacionamento de cinco anos. “Quis que a Lori viesse morar comigo. Depois de um tempo, ele falou que também queria o direito de ficar com ela.”
O casal nunca teve grandes brigas, mas naquele momento estavam em um impasse. Ela cedeu e o animal passou a ficar três dias da semana com cada um, com total divisão de gastos.
Depois, as trocas de guarda passaram a ser feitas na pet shop e a frequência diminuiu. Cada um passou a ficar com Lori uma semana. E a cachorrinha começou a mostrar sinais claros de estresse.
“Tínhamos estilos de vida diferentes. A casa dele é calma, porque ele mora sozinho. A minha está sempre cheia. Ela começou a ficar agressiva e nervosa”, aponta Evelyn Coccia.
Na pandemia, Evelyn perdeu o emprego e precisou voltar a morar com os pais, que já tinham outro cachorro. “Ficou insustentável e meu ex disse que era hora da Lori morar só com ele. Foi a decisão mais difícil que já tomei. Não queria entrar na Justiça contra uma pessoa que sempre contribuiu com a minha vida.”
*Os nomes foram trocados a pedido da entrevistada
Fonte: UOL