Na última semana, um relatório da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA em inglês), apontou a possibilidade de ocorrência do fenômeno La Niña até o fim deste ano e novas manifestações do fenômeno El Niño em 2025, trazendo preocupações sobre novos eventos climáticos extremos na Amazônia. Embora ainda seja cedo para qualquer tipo de previsão, pesquisador ouvido pelo Vocativo afirma que há formas do poder público estar preparado para qualquer cenário.
Neste momento, o Amazonas enfrenta a maior estiagem registrada em 122 anos. Nos últimos anos, a oscilação climática conhecida como El Niño e La Niña tem sido um fator crucial nas mudanças climáticas que afetam o planeta. Esses fenômenos, que são fases opostas de um processo conhecido como El Niño Oscilação Sul (ENOS), têm repercussões graves para a Amazônia, uma das regiões mais sensíveis às alterações climáticas.
El Niño e La Niña: O que são?
O El Niño é caracterizado pelo aquecimento anormal das águas do Oceano Pacífico Equatorial, enquanto a La Niña é a fase oposta, com o esfriamento dessas águas. Ambos causam mudanças na atmosfera e impactam drasticamente o clima global. Quando o El Niño está em vigor, há uma redução significativa nas chuvas e um aumento das temperaturas em grande parte da Amazônia. Por outro lado, a La Niña tende a intensificar as chuvas, o que pode aliviar a seca, mas também aumenta o risco de enchentes extremas.
Atualmente, estamos em uma fase neutra do ENOS, mas de acordo com previsões do Centro de Predição Climática dos EUA, há 60% de chances de que a La Niña se estabeleça até novembro de 2024, permanecendo até o início de 2025. Embora a fase neutra possa persistir, o cenário exige atenção por parte do poder público, pois a La Niña poderia causar impactos severos até o próximo ano.
“Apesar do diagnóstico indicar20% de probabilidade para a formação do El Niño no meio do ano que vem, existe a mesma probabilidade de que a La Niña permaneça até este período, e a maior probabilidade é de que estaremos na fase neutra”, explica Marcus Silveira, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e membro do grupo de pesquisa TREES.
No entanto, Silveira afirma que ainda é cedo para tirarmos conclusões para o meio do ano que vem, visto que mesmo as previsões de um trimestre a outro possuem suas incertezas, como indicado pelo diagnóstico. “O momento atual exige mais atenção do poder público para os possíveis impactos que a La Ninã poderia causar até o início do ano que vem”, avalia o pesquisador.
Os efeitos na Amazônia
Durante eventos de El Niño, a Amazônia sofre secas severas, como foi o caso este ano, com rios secos, incêndios florestais devastadores e colapso nos ecossistemas. Com a chegada potencial da La Niña, no entanto, o cenário pode se reverter, trazendo chuvas excessivas que recarregariam os mananciais, mas ao mesmo tempo aumentariam o risco de enchentes, como observado em episódios recentes de 2021, 2012 e 2009, quando a La Niña estava ativa.
O impacto dessas chuvas intensas poderá ser mais sentido nas regiões central e norte da Amazônia, como nos estados do Pará, Amapá, Roraima e nordeste do Amazonas. No entanto, a seca extrema vivida pela Amazônia este ano foi exacerbada não apenas pelo El Niño, mas também por um aquecimento significativo do Oceano Atlântico Norte, destacando que outros fatores também influenciam o regime de chuvas.
“Em meu estudo publicado em 2022, observamos que as regiões da Amazônia brasileira mais sensíveis às alterações no volume de chuvas devido ao El Niño/La Niña se encontram na porção central a norte da Amazônia brasileira, entre os estados do Pará, Amapá, Roraima, e nordeste do Amazonas e noroeste do Maranhão”, aponta o cientista. “Para estas regiões o monitoramento do risco de enchentes deverá ser maior dentro dos próximos meses, isso porque o surgimento da La Niña até o início do ano que vem intensificaria a estação chuvosa, com exceção de Roraima”, afirma Silveira.
A vulnerabilidade ambiental
Embora o surgimento da La Niña possa sugerir uma redução nos incêndios em 2025, isso não é uma garantia. ”Quase todos os incêndios na Amazônia tem origem humana, com o uso indevido do fogo para desmatamento e atividades agrícolas. Com a fragmentação crescente das florestas e os efeitos da seca de 2023/2024, muitas áreas da Amazônia ainda estarão vulneráveis no próximo ano”, alerta Silveira. Estudos indicam que a mortalidade de árvores em florestas Amazônicas aumenta até três anos após eventos de seca extrema[MS6] , e a recuperação da área foliar do dossel florestal pode demorar até um ano.
Portanto, mesmo que a La Niña traga mais chuvas, a recuperação das florestas afetadas pela seca ainda será lenta, deixando-as suscetíveis ao risco de novos incêndios. A governança ambiental se torna, assim, uma prioridade. Medidas que promovam práticas agrícolas sustentáveis e a prevenção de incêndios são essenciais para proteger a Amazônia dos efeitos cada vez mais intensos das mudanças climáticas.
O papel do poder público
Apesar das muitas dúvidas que o cenário climático ainda possui, o fato é que à medida que as condições globais de aquecimento e os ciclos naturais de El Niño e La Niña continuam a afetar a Amazônia, o poder público e a sociedade civil precisam se mobilizar para garantir que a região continue a desempenhar seu papel vital no equilíbrio ecológico global.
“Os fenômenos El Niño e La Niña são naturais e fora do controle humano, mas a maneira como o Brasil lida com os impactos na Amazônia depende de uma boa governança ambiental. A redução do desmatamento é um avanço, mas é necessário ir além, combatendo e prevenindo também o uso ilegal e descontrolado do fogo em práticas agrícolas, uma das principais causas de incêndios florestais”, alerta Marcus.
Fonte: Vocativo