Cientistas associaram um gene ao comportamento compulsivo em cachorros. Pesquisadores estudaram cães das raças doberman e pinscher que se contorciam e chupavam seus flancos durante horas e descobriram que os cães afligidos compartilhavam um gene. Eles descrevem sua descoberta – o primeiro gene do tipo identificado em cães – em um pequeno relatório na edição deste mês do periódico Molecular Psychiatry.
O dr. Nicholas Dodman, diretor da clínica de comportamento animal da Escola de Medicina Veterinária Cummings, da Universidade Tufts, em North Grafton, Massachusetts, e o principal autor do relatório, disse que a descoberta traz grandes implicações para distúrbios de compulsão em pessoas e animais.
Estima-se que entre 2,5% e 8% da população humana seja afetada pelo transtorno obsessivo-compulsivo. Ele se manifesta em comportamentos como lavar as mãos excessivamente, checar repetidamente fogões, fechaduras e luzes, e em ações nocivas como arrancar os cabelos da raiz e se mutilar.
O transtorno foi usado em filmes e programas de televisão populares para definir personagens como o recluso escritor Melvin Udall, interpretado por Jack Nicholson, em Melhor Impossível e Adrian Monk, interpretado por Tony Shaloub, na série de televisão Monk.
Distúrbios similares são conhecidos em cães, particularmente em certas raças, incluindo dobermans. Dodman e seus colaboradores procuraram por uma fonte genética para esse comportamento através do mapeamento e da comparação de genomas de 94 cães das raças doberman e pinscher que chupavam seus flancos, cobertores ou ambos com o de 73 dobermans normais.
Eles também estudaram os pedigrees de todos os cães à procura de padrões complexos de herança genética. Os pesquisadores identificaram um local no cromossomo canino 7 que contém o gene CDH2 (Caderina 2), e onde houve variação no código genético quando cães de comportamento compulsivo e normal eram comparados.
A associação estatística levou a uma investigação mais profunda com o intuito de determinar a proteína para a qual o gene continha instruções. A proteína em questão era uma das chamadas caderinas, que são encontradas ao longo do reino animal e que aparentemente estão envolvidas no alinhamento, adesão e sinalização de células.
A caderina também foi recentemente associada a transtornos do espectro do autismo, que inclui comportamentos repetitivos e compulsivos, disse o dr. Edward I. Ginns, principal autor do relatório no periódico Molecular Psychiatry e diretor do Laboratório de Diagnóstico Molecular da Escola Médica da Universidade de Massachusetts.
O dr. Dennis Murphy, psiquiatra que não esteve ligado ao estudo, disse que os resultados tinham potencial para trazer avanços na compreensão do transtorno obsessivo-compulsivo. O dr. Murphy, também chefe do Laboratório de Ciência Clínica do Programa de Pesquisa Intramural dos Institutos Nacionais de Saúde Mental, está agora trabalhando para encontrar e sequenciar o gene CDH2 em humanos, com o intuito de descobrir se ele está associado ao comportamento obsessivo-compulsivo.
Pessoas com transtorno obsessivo-compulsivo muitas vezes apresentam comportamentos normais que acabam ficando extremos, ritualizados, repetitivos e demorados, e sofrem de ansiedade e pensamento obsessivo. Como o transtorno envolve pensamentos obsessivos e devido à dificuldade em entender a cognição animal, é comum que os mesmos tipos de comportamento em animais sejam tratados simplesmente como transtorno compulsivo.
Quanto mais os cientistas descobrem sobre as causas moleculares inerentes a essa condição, mais eles usam “transtorno obsessivo-compulsivo” tanto para animais quanto para pessoas.
Estimativas recentes da dra. Karen L. Overall, veterinária especializada em comportamento animal da Escola de Medicina da Universidade da Pensilvânia, sugerem que até 8% dos cães nos Estados Unidos – cerca de 5 a 6 milhões de animais – exibem comportamento compulsivo, como correr ao longo de cercas, andar para frente e para trás ou em círculos, perseguir o rabo, se irritar com mosquitos imaginários, lamber, ruminar e latir em excesso, e olhar fixamente. A proporção de machos e fêmeas com o problema é de 3 para 1 em cães, ela descobriu, enquanto que em gatos, a razão é inversa.
Overall disse que os cães costumam desenvolver comportamento compulsivo entre as idades de um e quatro anos. Alguns dobermans no grupo de Dodman iniciaram o comportamento mais cedo, com cães começando a chupar cobertores por volta dos 5 meses e a chupar seus flancos por volta dos 9 meses.
Os cães podem ser tratados, mas quando isso não ocorre, o comportamento compulsivo é uma das principais razões que levam as pessoas a dar os animais para adoção ou sacrifício, segundo especialistas veterinários em comportamento.
Overall afirmou em um artigo anterior que, em alguns casos, causas externas podem ter maior peso do que fatores genéticos no desenvolvimento de comportamentos compulsivos.
Ela disse que a prática de “enforcar” um cão com a coleira, uma forma de disciplina defendida por alguns treinadores, produzia comportamentos compulsivos. Cães que vêm de criadores ou abrigos, que foram resgatados, ou que ficam confinados, entediados ou ansiosos também parecem ter maior predisposição ao comportamento compulsivo.
Outros animais domésticos, notadamente gatos e cavalos, bem como alguns animais de zoológicos, exibem comportamentos compulsivos, como gatos siameses que chupam novelos de lã, e distúrbios de locomoção, como cavalos confinados que oscilam de um lado para o outro na cocheira e ursos polares, tigres e outros carnívoros acostumados a percorrer grandes territórios que andam para frente e para trás em cativeiro.
Embora antidepressivos, particularmente inibidores seletivos de reabsorção de serotonina e clomipramina (um antidepressivo tricíclico), e modificadores de comportamento tenham mostrado ser efetivos no controle do comportamento compulsivo em cães e pessoas, eles não parecem corrigir as patologias ou causas inerentes, Ginns disse. É provável que essas causas sejam tão variadas quanto os comportamentos compulsivos e tão complexas quanto a interação de múltiplos genes e o meio externo.
“Estresse e ansiedade, bem como trauma físico e doença, podem acionar o comportamento repetitivo que então toma vida própria”, Ginns disse. Mas ele acredita que, em muitos casos, existe uma predisposição genética inerente, que responde aos estímulos ambientais de tal forma que um comportamento outrora normal se transforma em algo patológico. Essas disposições genéticas podem variar acentuadamente em diferentes comportamentos.
“Nick e eu compartilhamos um interesse em pedigrees”, Ginns disse ao explicar como ele e Dodman se tornaram colaboradores de Kerstin Lindblad-Toh e seus sequenciadores de gene do Instituto Broad do MIT e de Harvard, o mesmo grupo que sequenciou o genoma canino que agora se mostra tão valioso tanto para geneticistas de humanos quanto de cães.