“O alimento introduz-nos no complexo mundo regido pela economia das trocas simbólicas; adquire pois uma importância transcendente, como o perceberam uma variedade de pensadores; dos profetas bíblicos aos modernos filósofos (incluindo aqueles dois arautos da modernidade, Marx e Freud), todos se deram conta desta verdade elementar: o relacionamento homem-mundo é um relacionamento oral” – Moacyr Scliar (médico e escritor).
O apetite é, antes de tudo, um instinto. Animais humanos e não humanos precisam comer para sobreviver, assim como é necessário respirar, beber, dormir. Todos necessitam de comida, mas o ser humano é o único animal que alia preferências gustativas às suas necessidades nutricionais. Além disso, é o único animal que cozinha os alimentos – e, a culinária transformou-se num símbolo, algo que distingue (?) a espécie humana das demais espécies.
O apetite é um instinto tão poderoso que, uma pessoa faminta não consegue pensar em outra coisa senão em comida. Foi o apetite que espalhou a humanidade pelo mundo e que possibilitou a civilização, a cultura e a industrialização.
Mas, os animais humanos, ao longo de sua evolução, transformaram o ato de comer em algo muito mais significativo que a mera satisfação de uma necessidade básica: comer é prazer – é uma das mais ricas experiências sensoriais que podemos ter. Comer é também um ato emocional que, traz conforto, tranqüilidade. A alimentação tornou-se um ritual, variando de cultura para cultura, mas assumindo, quase sempre, uma atividade em grupo. Nossa sociedade se mobiliza em torno da comida.
O homem necessita de comida e, foi determinante na introdução e desenvolvimento dos alimentos que integram sua dieta, seja pela seleção de vegetais, frutas, etc. , seja pela domesticação de espécies animais.
Na pré-história não havia lavouras. Para comer, era necessário caçar ou coletar plantas, raízes e frutas. Além do esforço exigido para realizar essas atividades, o homem primitivo precisava migrar a cada estação, em busca do alimento.
Com o advento da agricultura e a domesticação de alguns animais há cerca de dez mil anos, o ser humano conseguiu estabelecer-se. A tarefa de alimentar-se se tornou menos exaustiva e, os períodos de escassez diminuíram consideravelmente. E, o homem aprendeu a estocar alimentos, salgando-os, secando-os, defumando-os.
Mas as mudanças mais expressivas ocorreram nos últimos mil anos. Evolução tecnológica e científica, urbanização, industrialização e automação foram tornando os alimentos cada vez mais variados e disponíveis.
Os avanços alimentares nos últimos duzentos anos foram essenciais para o desenvolvimento da civilização. É possível que a proliferação da espécie humana no Planeta, deva-se ao fato da dominação de técnicas de produção e distribuição de alimentos.
Mas, será tudo isso um “progresso real”? Quais os efeitos colaterais? Quais os custos? Estamos esgotando os recursos naturais, a água potável, dizimando outras espécies animais – tudo para nosso conforto, nossa “satisfação” gustativa. Isso não é progresso, não é avanço. Para que a existência tenha sentido, é fundamental que os conceitos de progresso estejam atrelados a percepções e compromissos em outras áreas e que respeitem a vida – são os princípios ecológicos na alimentação.
O princípio mais elementar, mais básico, diz respeito à sensibilidade para com as outras formas de vida – nossa relação com outros seres vivos e a sua utilização como alimento. O abate animal envolve dor e violência. O princípio holístico de compromisso com a vida envolve integração e compaixão. A postura contra a violência deve traduzir-se na incompatibilidade, na incongruência do consumo de carnes – qualquer carne. A abstenção da carne não é uma restrição alimentar, uma dieta – torna-se um ideal. Para o vegetariano, não comer carne é uma das leis da própria existência, lei fundamental para que esta se mantenha. Deve-se ser holístico, na compreensão de que as ações (também o ato de comer) refletem nossa posição em relação à vida e ao mundo como um todo. Temos liberdade que, nada mais é do que a consciência das alternativas e das possibilidades das escolhas. A liberdade é, na realidade, uma das contingências da consciência. Liberdade de escolha é estar vinculado ao fluxo da vida e à nossa própria integridade. Aquilo que ingerimos passa a fazer parte de nós – temos a liberdade, a capacidade de escolher não ingerir dor nem violência. É uma responsabilidade que, devemos ter conosco. A alimentação é nosso maior comprometimento com nossos corpos e com nossas almas.
Outro princípio ecológico na alimentação é a noção de excesso. Todo e qualquer desperdício é contrário à idéia de manutenção da vida. Nenhum alimento deve ser desperdiçado.
Vivemos numa sociedade “acostumada” ao desperdício: jogamos fora bens de consumo, energia, comida. Quanto mais rica e consumista a sociedade, mais ela desperdiça. Porém, o desperdício está diretamente ligado à fome e ao desemprego no mundo.
No Brasil, de acordo com a ONG “Prato Cheio”, cerca de 30% dos alimentos que poderiam ser utilizados de outra forma, vão para o lixo. E, o processo de perda de produtos tem início logo após a colheita, na zona rural, pois os alimentos são acondicionados de qualquer forma, em embalagens não apropriadas. O Brasil joga fora a cada ano, R$12 bilhões. Essa quantia daria para alimentar trinta milhões de seres humanos durante um ano, segundo estimativas da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. E, o mais chocante é que, desperdício, pode ser evitado: basta decisão e organização para isso. Desperdício é falta de respeito para com o alimento, que é o mantenedor da vida .
O “progresso” a todo custo está nos cobrando um altíssimo preço: nosso planeta, nossas vidas e nossas consciências. E, o que fazer, diante de um quadro tão complexo?
A resposta simples, porém incômoda, é que a solução depende de cada um de nós. Precisamos entender e aceitar as limitações de nossos corpos e mentes e, saber abrir mão da sedução de “prazeres” que a “evolução” nos levou a desejar, como um canto de sereia.
Temos que parar de viver irresponsavelmente – o “churrasco” foi um animal, um irmão de jornada; nosso desperdício alimentar está matando milhares de pessoas de fome. Nossa forma de viver, de comer, há muito deixou de ser privada, para sentenciar toda a vida no Planeta. Nossas ações atuais vão decidir se teremos ou não um amanhã, como espécie. O que, talvez nos falte, sejam sabedoria, disciplina, compaixão e discernimento para compreendermos que o grande banquete é o da celebração da continuidade da vida.
Dicas para combater o desperdício de alimentos: www.natureba.com.br
“Planeje as compras verificando o que já tem em casa. Opte pelo essencial.
Faça uma lista e siga-a. Procure fazer as compras após as refeições.
Compre verduras, legumes e frutas semanalmente.
Não se importe com pequenas imperfeições destes alimentos.
Adquira na quantidade de consumo da sua família.
Coma primeiro as frutas mais maduras.
Prepare salada de frutas, vitaminas, aproveitando os alimentos disponíveis com criatividade.
No preparo, procure aproveitar integralmente os alimentos, sempre que possível.
Cascas de abacaxi viram suco, talos de verduras enriquecem tortas, sopas, arroz, risotos, etc.
Procure colocar no prato somente o que pretende comer. Repita se necessário.
Prefira produtos da estação. São mais baratos e saborosos.
Procure comprar produtos da região. Isto ajuda a diminuir a poluição e as perdas causadas pelo transporte da mercadoria.
Não compre alface, cenoura e outros alimentos para ficarem esquecidos e velhos na gaveta da geladeira.
E mais:
Descarte os alimentos separadamente (lixo orgânico) de outros resíduos como papel, plástico, vidro, metal e outros.
Habitue-se a ler os rótulos dos produtos: prazo de validade, informações nutricionais, calorias, ingredientes, tipos de gorduras, etc.
A natureza oferece alimentos que podem ajudar na saúde, boa forma e longevidade.
Procure optar por alimentos e sucos naturais. São nutritivos e geram menos lixo
Frutas, verduras, nozes, sementes, cereais e farinhas integrais são ricos em fibras que ajudam no funcionamento do intestino.
Evite consumir produtos industrializados com excesso de açúcar, sal, gorduras saturadas ou produtos químicos (conservantes, corantes, aromatizantes, antioxidantes, estabilizantes, etc).
Em casa faça a “propaganda” das frutas, verduras e legumes para as crianças aprenderem a fazer escolhas alimentares saudáveis.
Orgânico ou convencional, todo alimento vindo da feira deve ser muito bem lavado antes do consumo”.