A relação entre a exploração dos animais e a das mulheres foi discutida no segundo dia do III Congresso Vegetariano Brasileiro, que acontece em Porto Alegre até domingo. Na palestra “Ecofeminismo, veganismo e libertação humana”, Tamara Levai, mestre em Ciências Biológicas e autora do livro Vítimas da Ciência: limites éticos da experimentação animal, fez um resgate histórico, situando o surgimento do ecofeminismo, na década de 70, a época do fortalecimento do movimento ecológico. Assim como o feminismo, a ecologia se propõe a pensar o mundo e as nossas relações com o planeta. A diferença do ecofeminismo em relação ao feminismo tradicional se deve à busca do resgate da conexão entre a mulher e a natureza.
“A ecologia começou a ser pensada em benefício do homem”, destacou Tamara. A chamada “ecologia rasa” busca a sustentabilidade, pensando o ambiente em função da humanidade. Assim, a natureza era – e ainda é – vista com valor instrumental, uma ferramenta para suprir os nossos desejos. O pensamento feminista questiona essa situação e a relaciona com a exploração histórica da mulher.
Atualmente, o pensamento ecológico percebe que a destruição do planeta se deve ao sistema patriarcal de dominação e posse, ressalvou Tamara. Diante disso, reconhece-se a necessidade de mudanças na nossa percepção e valores. A ética feminina propõe o cuidado com a vida, opondo-se ao machismo, ao militarismo e a qualquer forma de hierarquia e exploração.
O ecofeminismo reconhece a natureza como contínua ao nosso corpo, a Terra como um organismo dotado de vida. Sendo assim, “proposta emancipatória, uma tentativa de romper com o sistema patriarcal. Não é contra o homem, mas contra nossa sociedade machista”, destaca Tamara. O ecofeminismo não propõe o matriarcado ou qualquer forma de elevar a mulher em relação ao homem, mas busca a igualdade, o direito à vida e à liberdade, pois a liberdade animal está relacionada à liberação das relações.
A origem da exploração
A exploração da natureza se deve ao modo como a humanidade se estabeleceu, explicou a pesquisadora. “Antes de se tornar civilizado, o homem vivia em harmonia com a natureza, integrado”. Tamara apontou que a maior parte das pessoas vivia da coleta e não da caça. Enquanto coletor e nômade, comia-se quando se tinha vontade. Ao se tornar sedentário, o homem quis armazenar alimentos, por meio da domesticação da terra e dos animais, forçando a natureza a dar mais do que naturalmente provia. A terra foi aprisionada, cercada, surgia a propriedade privada. “O homem deixou de ser da terra e quis que a terra e os animais fossem seus; assim, ele aprisionou a vida”.
Devido a sua conexão com a natureza e a sua capacidade de geração, a mulher foi coisificada, escravizada e submetida ao homem por suas funções biológicas. Para a pesquisadora, nossa sociedade hierárquica é nociva ao ambiente e às relações humanas, sendo a submissão e a escravidão antinaturais, existindo apenas em nossa espécie. “A mulher muitas vezes é vista como um pedaço de carne para o consumo dos homens”; assim, ela é reduzida à sua função sexual.
“Me engana que eu gosto”
A insustentabilidade do capitalismo destrói o planeta. As pessoas não querem se responsabilizar pela contaminação do ar, do solo e da água nem pela exploração animal. A isso Tamara Levai chama de “cegueira ética”, em que a pessoa fecha os olhos para a realidade, sendo um escravo por sua própria vontade. “As pessoas têm a ilusão de que têm saúde e felicidade, o que não é verdade. As pessoas sensíveis, com liberdade de pensar despertam para esta realidade”. A pesquisadora acredita que a nossa espécie é a mais infeliz por achar que a felicidade está em consumir e destruir.
Tamara fez a analogia entre a humanidade e um câncer, em que somos células que crescem desenfreadamente, comprometendo o todo. Somente ao mudarmos nosso desenvolvimento, poderemos buscar nossa cura: “se entendermos a Terra como parte de nós, como sagrada, pisaremos nela mais leve”, concluiu.
Fonte: EcoAgência