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SOB INVESTIGAÇÃO

'É um matadouro', diz tutora de cadela que morreu em hospital veterinário acusado de maus-tratos

Indiciados pelos crimes de estelionato e maus-tratos, os veterinários responsáveis pela clínica, Helder Lima de Oliveira e Jairo Miranda dos Santos, estão em prisão preventiva domiciliar decretada pela Justiça e fazem uso de tornozeleira eletrônica

5 de julho de 2021
Mariana Dandara | Redação ANDA
7 min. de leitura
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Foto: Ronald Mickael/Arquivo pessoal

Alvo de denúncias por maus-tratos a animais, o Hospital Veterinário do Trabalhador (HVT), em Maceió, Alagoas, tem sido investigado pelas autoridades desde que famílias que pagaram por serviços prestados pela unidade de saúde relataram ter sido vítimas de profissionais que teriam maltratado e causado a morte de animais. Uma das tutores, que prefere não ser identificada, considera que o local não é uma clínica, mas sim “um matadouro”.

Críticas ao serviço prestado pelo HVT também são feitas por Ronald Mickael, que teve lidar com a morte de seu cachorro Lock, de apenas seis meses, após o animal ser levado à clínica com uma fratura em uma das patas. “Não indico nem para meu inimigo ir lá”, afirmou em entrevista ao Fantástico, da Globo.

Indiciados pelos crimes de estelionato e maus-tratos, os veterinários responsáveis pela clínica, Helder Lima de Oliveira e Jairo Miranda dos Santos, estão em prisão preventiva domiciliar decretada pela Justiça e fazem uso de tornozeleira eletrônica.

Os crimes dos quais são acusados causaram grande sofrimento aos tutores e indignou a sociedade local, tendo ocorrido, inclusive, um protesto em maio em frente ao HTV, realizado por manifestantes que pediam punição para os veterinários. Até o momento, 27 pessoas prestaram depoimento às autoridades na condição de vítimas. A polícia acredita, porém, que esse número pode ser ainda maior, já que os veterinários mudavam de endereço com frequência e abriam novas clínicas.

De acordo com o delegado responsável pelas investigações, Leonam Pinheiro, essas mudanças ocorriam porque a clínica “se queimava no mercado” e ” tinha que abrir com outro nome em um novo endereço”. Essa má fama, porém, atingiu nível nacional desde que tutores como Ronald passaram a fazer denúncias.

No caso dele, o cão Lock teria morrido menos de um mês depois de ser internado na clínica. Durante esse período, o husky siberiano foi submetido a duas cirurgias. “Assim que eu cheguei lá, disse que o meu cachorro tinha quebrado a patinha e levei ele lá pra dentro. O veterinário não olhou direito, não analisou, só fez pegar na pata do cachorro e saiu. Ele não disse que o cachorro tinha quebrado o que quer que seja. Ele saiu e já veio o recepcionista com a papelada dos valores, na faixa de R$ 2,9 mil”, relatou Ronald. Além dele, seu filho de apenas 5 anos também sofre com a perda do animal. “Está lá no céu. É uma estrela”, afirmou o menino.

Mônica, tutora de outro cão que teria sofrido nas mãos dos veterinários do HVT, gastou quase R$ 4 mil por diárias de internação e uma cirurgia. No entanto, após o animal ter alta, a tutora descobriu que ele tinha contraído uma infecção no período em que esteve internado. “Foi quando falaram ‘ele tem que ficar internado novamente’. Eu digo ‘não tenho condições, eu sou costureira. Eu estou há um ano endividada’. Nesse momento, eu percebi que não era para tratar o cão, para curar”, relatou.

Apolo teve sua vida salva graças a um veterinário que é amigo de Mônica e que a auxiliou a tratar do cão em casa. “Quando eu mostrei todos os medicamentos, ele fez ‘por incrível que pareça, você salvou seu cão'”, disse. Apesar disso, o cachorro ficou com sequelas graves e precisou de mais dois procedimentos cirúrgicos, um deles para corrigir uma cirurgia anterior e o outro para fazer a primeira cirurgia da forma como deveria ter sido feita no HVT.

O sofrimento vivido por Apolo também foi sentido pela cadela Rubi. A tutora do animal, que não quis se identificar, contou ao Fantástico que levou a cadela ao HVT após perceber que havia um inchaço em sua barriga. Após uma hora, ela recebeu um vídeo de Rubi sendo operada. “Não explicou [o motivo da cirurgia]. Ninguém sabe se ela precisava de uma cirurgia, e acredito que ele não anestesiou esta cachorrinha. Eu acredito que nenhum animal que esteja anestesiado fica se mexendo”, disse a tutora.

Além de ter que lidar com a certeza de que a cadela havia sofrido, a mulher perdeu sua companheira, já que Rubi não resistiu e morreu. Ao pedir satisfação sobre o ocorrido, a tutora diz ter sido ameaçada na clínica. “No dia em que eu estive lá na clínica tomando satisfação, ele me ameaçou. Disse que eu não sabia com quem eu estava mexendo”, contou.

“Um dos piores casos de maus-tratos ocorridos em Alagoas”

Para a advogada da Comissão do Bem-estar Animal da Ordem dos Advogados do Brasil seccional Alagoas (OAB-AL), Rosana Jambo, o caso de maus-tratos registrado no HVT é um dos piores ocorridos no estado de Alagoas. Após receber denúncias, a profissional compareceu à clínica e se deparou com o cão Arthur em condições deploráveis. Segundo ela, o cachorro vivia acorrentado em um porão repleto de fezes, onde era mantido para a exclusiva finalidade de doar sangue.

“É crueldade o animal ter sido usado somente para isso, para esse tipo de procedimento. Além de todos os fatores que eu já falei, que é justamente a questão de estar em um local insalubre, estar acorrentado sem qualquer tipo de liberdade, vivendo exclusivamente para transfusão”, comentou Rosana.

Além de Arthur, a cadela Meg também foi flagrada em condições de maus-tratos durante visita da advogada ao HVT. “Visitei a cadela chamada Meg. Ela estava dentro de uma baia, acorrentada. Ela estava imersa em fezes, urina, estava lá deitada. As unhas enormes. Isso identifica diretamente que o animal não passeia. Eles não são cuidados, absolutamente. Eu classifico como um dos piores casos de maus-tratos ocorridos em Alagoas”, criticou.

Para o delegado Leonam, o único objetivo dos veterinários Helder Lima de Oliveira e Jairo Miranda dos Santos era obter lucro, mesmo que isso levasse animais à morte. “A intenção do proprietário do Hospital Veterinário do Trabalhador, bem como a de seu sócio Hélder, era a de obter lucro. Ainda que isso custasse a integridade física ou, pasmem, a vida dos animais”, disse Leonam.

Foto: Arquivo pessoal

O posicionamento do delegado tem respaldo não só nas denúncias de tutores, mas também no depoimento de um ex-funcionário do HVT. “Eles não estão nem aí se o animal vai sobreviver, não. O que eles querem é ganhar com internamento”, afirmou o rapaz, que não teve sua identidade revelada.

O lucro a qualquer custo, porém, ia além das internações. Isso porque foram descobertos casos de animais submetidos a cirurgias desnecessárias. “E o pior de tudo, era sempre o modus operandi por ele utilizado, que era dar diagnóstico que não existia, com a intenção de obter daquela vítima um valor que seria gasto com o animal sem necessidade, a partir do desespero que ela tinha daquele fato”, pontuou Leonam.

Além da investigação policial, o caso tem sido apurado também pelo Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV). Presidente da instituição, Annelise Martins afirmou que os fatos denunciados ao CRMV serão avaliados. Segundo ela, depois que for instalado um processo ético, será iniciado o trâmite que levará a uma decisão sobre os veterinários serem ou não culpados e também a respeito das penas, em caso de culpa, que cabem a eles. “Leva no máximo até 5 anos. Então, não é rápido, demora”, justificou.

Em caso de condenação, os acusados poderão ser punidos com sanções que vão desde advertência, passando pela suspensão e podendo chegar à cassação profissional. No âmbito criminal, algumas decisões já foram tomadas, como a proibição dos veterinários de exercerem a medicina veterinária enquanto as investigações são realizadas. A clínica onde funcionava o HVT também foi interditada pelo pelo Instituto do Meio Ambiente (IMA) e os animais encontrados no local foram levados para outras clínicas.

As denúncias, no entanto, são negadas pelos veterinários. Através de um comunicado oficial, eles afirmaram que a acusação de estelionato é “infundada, tendo em vista que todos os clientes assinam contrato de internamento antecipadamente”. Helder Lima e Jairo Miranda argumentam também que, “em relação aos casos de Lock, Rubi e Apolo, os fatos serão esclarecidos judicialmente”, mas que “todos receberam tratamento conforme a literatura médica” e que o “único interesse sempre foi a recuperação e o bem estar de cada animal”.

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