Investir em água e saneamento é a chave para enfrentar a crise climática, que atinge todo o mundo em eventos cada vez mais ferozes e imprevisíveis. Segundo o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), nossa crise é induzida principalmente pelo homem, levando a natureza e os sistemas além da capacidade de adaptação.
Nossa resiliência e sobrevivência dependem em grande parte de como gerimos a água e o saneamento. Noventa por cento dos problemas climáticos estão relacionados à água: cheias, secas e deterioração da qualidade. E 40% da população mundial é altamente vulnerável a seu impacto. Esses números aumentarão significativamente nas próximas décadas.
Muitos países vulneráveis ao clima apresentam alguns dos níveis mais baixos de acesso a água e saneamento, com mais de 2 bilhões sofrendo em razão do abastecimento inadequado. Três em cada dez pessoas não dispõem de instalações para lavar as mãos, prática recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) contra doenças infecciosas como a Covid-19. Estima-se que, até 2025, metade da população mundial poderá enfrentar escassez de água.
Em 2020, segundo a OMS, 17 milhões na América Latina e no Caribe precisavam de serviços básicos de água potável. Segundo o último relatório do Unicef, 80,7% têm acesso a serviço de água potável gerido de forma segura; 17,53%, a um serviço básico.
A crise climática também afeta os sistemas de saneamento que dependem da água, como banheiros e esgotos, levando 673 milhões a defecar a céu aberto. Menos da metade da população mundial tem acesso a banheiro conectado a um sistema seguro de dejetos humanos. Ainda são usadas latrinas suspensas ou poços que deságuam em rios ou lagos, contaminando as fontes para beber, cozinhar e fazer limpeza.
Nas Américas, 72 milhões carecem de serviços de saneamento básico. O Unicef destaca que, nas cidades, 58,19% têm acesso a serviço de saneamento gerenciado com segurança; 37,17%, apenas a um serviço básico. Nas áreas rurais, 81,67% contam com serviço de saneamento básico; 14,38%, com serviço limitado ou não melhorado.
Dois bilhões de pessoas no mundo usam água potável contaminada e podem contrair cólera, disenteria, febre tifoide e poliomielite. Os dejetos humanos produzem metano e óxido nitroso, emissões nocivas de gases de efeito estufa.
Investir em água e saneamento para reduzir o impacto das mudanças climáticas terá destaque na Reunião de Ministros do Setor, que os parceiros da Saneamento e Água para Todos (SWA, na sigla em inglês) convocam com o Unicef nos dias 18 e 19 , em Jacarta. Estarão lá ministros dos setores de água, saneamento, meio ambiente, saúde e economia. O sucesso de nossos governos dependerá da velocidade com que possamos implementar estratégias de mitigação — visando a reduzir o aquecimento global — e planos de adaptação, que aumentem a resiliência das comunidades e garantam que nossas infraestruturas sejam mais adaptáveis às mudanças climáticas. Isso nos ajudará a aumentar a disponibilidade de água em tempos de escassez, a fortalecer os sistemas de saneamento contra enchentes e outros eventos climáticos extremos e a proteger nossa saúde, segurança alimentar e de subsistência.
No entanto apenas 5% do total de financiamento climático global é destinado à adaptação ao clima. A maior parte desse dinheiro vai para grandes infraestruturas em áreas predominantemente urbanas, apesar de 80% dos extremamente pobres e 75% dos pobres moderados viverem em áreas rurais. Os parceiros da SWA pedem que governos e empresas não apenas aumentem seus compromissos financeiros com a ação climática, mas destinem 50% do financiamento climático para adaptação.
À medida que a resposta à Covid-19 sobrecarrega orçamentos limitados, os formuladores de políticas podem hesitar em aumentar os investimentos em água e saneamento. Mas o retorno do investimento é 21 vezes maior que os custos iniciais. Canalizar esse dinheiro para a adaptação traria ganhos econômicos e nos ajudaria a não deixar ninguém para trás na corrida para impedir os efeitos devastadores das mudanças climáticas. Temos de agir agora se quisermos impedir a deterioração do planeta.
*Diretora executiva da Saneamento e Água para Todos, foi relatora especial das Nações Unidas sobre o direito à água potável e ao saneamento.
Fonte: O Globo