O presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, diz que choveu na última madrugada mais de 30 milímetros por hora. Mas, afinal, o que significam estes valores? Significa que choveu o equivalente a 30 litros de água por metro quadrado e por hora.
“É muita água. Há valores mais elevados. O recorde maior aconteceu em Monchique há uns 30 anos, choveu qualquer coisa como 100 mm por hora e arrasou com a Serra de Monchique”, explica Pedro Miranda, professor de Meteorologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
O especialista explica que o que torna as chuvas perigosas é “o período de tempo em que ocorre e a intensidade, que impede que a drenagem seja efetuada em tempo útil”. “Se esses 30 milímetros demorassem um dia a cair, com certeza que não produziriam estes efeitos”, explica Pedro Miranda.
Filipe Duarte Santos, especialista em alterações climáticas, apresenta dados que mostram que as chuvas das últimas semanas em Portugal foram, de facto, relevantes: “Em Portugal Continental, a precipitação acumulada média é de 900 mililitros por ano (não chega a 90 cm). Quando estivemos em período de seca, houve um défice de precipitação. Em vez de choverem 900 mililitros, choveram 500. Houve um défice de 400 ml. Nos últimos dias em Portugal choveu 200 ml. Ou seja, em pouco tempo choveu cerca de um quarto daquilo que costuma chover num ano.”
“Estas intensidades são raras. Não são inauditas, mas são raras. No caso da semana passada bateram-se recordes de precipitação e quando se batem recordes é muito preocupante”, lembra Pedro Miranda.
Afeta a nossa saúde
Em Lisboa, a intensidade da chuva em tão curto período de tempo torna-se ainda mais perigosa quando ocorre conjugada com fenómenos como a maré alta. “Sobretudo no sistema de drenagem, perto do rio, funciona pior e águas subterrâneas em maré alta tendem a subir também. A conjugação desses fatores acaba por ter resultados muito piores”, explica o professor de Meteorologia Pedro Miranda.
Mas não é só na região da Grande Lisboa que estes fenómenos se podem tornar dramáticos. As zonas urbanas, pelas características de baixa permeabilidade do solo, podem sofrer mais com chuvas tão intensas. Mas o climatologista Filipe Duarte Santos mostra também grande preocupação com as regiões mais afetadas pelos incêndios do último verão.
“Se não tiver floresta, se tivermos o que resta dos incêndios, há um transporte das cinzas e outras materiais para as barragens. Com as arvores de pé, a água infiltra-se no solo. Sem árvores, infiltra-se menos e arrasta tudo para as barragens e isso vai afetar a nossa saúde.”
O climatologista Pedro Garrett corrobora as declarações do presidente da Câmara de Lisboa, que atribui parte dos efeitos destes fenómenos às alterações climáticas, e explica o fenómeno: “Com as projeções climáticas, é possível estipular que, por cada grau de aumento da temperatura média global (vamos e 1,2 graus desde o período pré-industrial), a humidade na atmosfera aumenta 7%. De acordo com o que ficou estipulado no acordo de Paris, se aumentarmos além de 1,5 graus, as consequências começam a ser imprevisíveis. A incerteza é maior. A boa notícia é que, para estes eventos, o número de vítimas tem vindo a diminuir, tem melhorado a resposta das autoridades e da proteção civil. O mesmo não acontece em relação aos danos materiais”.
Rios de água por cima das nossas cabeças
O aumento da humidade na atmosfera forma os chamados “rios atmosféricos”, que, como explica Pedro Garrett, são “colunas de muita humidade, mas restritas (até 2 mil quilómetros de largura e 5 mil quilómetros de comprimento), que causam fenómenos extremos sempre que passam pela região continental”. “São associados a eventos meteorológicos extremos, cheias rápidas, muito mais difíceis de prever”, como os que aconteceram nas últimas semanas em Portugal Continental.
O climatologista Filipe Duarte Santos sublinha que todas as indicações apontam para que estes fenómenos se tornem cada vez mais frequentes. “Não significa que aconteçam todos os anos. Mas o período de retorno está a diminuir. Eventos que no passado tinham um período estimado de retorno de 100 anos começam a ter períodos de retorno de 50 ou 30 anos”, aponta.
“Estes fenómenos sempre existiram. A novidade é que metade dos eventos dos últimos 60 anos aconteceram nos últimos 20. E há um efeito direto das alterações climáticas, quer na diminuição da periodicidade, quer no aumento da intensidade. Até 2030 prevê-se que as áreas de risco, que podem ser afetadas pelo menos uma vez por ano, quando comparamos com período de 1990 a 2000, aumentem em 30%. Os estudos indicam que estes fenómenos tendem a aumentar e tendem a aumentar também as áreas afetadas”, acrescenta Pedro Garrett, sublinhando que “estes fenómenos tendem a ser duas vezes mais frequentes quando comparados com o período de há 30 anos”.
Para o climatologista, a palavra-chave é “resiliência”: “Temos de ganhar a consciência de que isto vai acontecer mais vezes e que tempos de trabalhar a resiliência territorial para estes fenómenos”.
Fonte: CNN