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PROTEÇÃO

É hora de salvar as porções mais ricas em vida selvagem e carbono na Mata Atlântica

Quatro estados lideram a destruição, onde “florestas maduras” dão lugar sobretudo a pastagens para gado, silvicultura e soja

21 de fevereiro de 2025
Aldem Bourscheit
7 min. de leitura
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Eliminação da Mata Atlântica no interior de Minas Gerais. Foto: Fundação SOS Mata Atlântica / Divulgação

Nem as florestas mais ricas em biodiversidade e carbono na Mata Atlântica estão a salvo, aponta um artigo publicado na revista Nature Sustainability. Quatro estados lideram a destruição na década analisada. Fontes avaliam ser possível conter o desmate.

O estudo mostra que nos 17 estados do bioma foram eliminados quase 187 mil ha, ou uma área similar a 200 mil campos de futebol, entre 2010 e 2020. Praticamente todo o desmate foi ilegal e atingiu matas com pouca ou nenhuma degradação no último século, as “florestas maduras”.

“São as áreas mais ricas em biodiversidade e carbono, que podem abrigar até a vegetação primordial da Mata Atlântica”, explica um dos autores do estudo, o professor na Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Ecologia da Paisagem pela Universidade de Toulouse (França) Jean Paul Metzger.

Do total arrasado no período, sete em cada dez ha estavam entre os estados de Minas Gerais e da Bahia, do Paraná e de Santa Catarina, esclarece a publicação. “Isso é assustador”, analisa o cientista.

No primeiro caso, grandes fazendas trocaram a mata nativa sobretudo por pastagens para gado ou lavouras de eucalipto e pinus, essas para carvão ou celulose – usada na produção de itens como papel, tecidos, fraldas, embalagens e adesivos.

Já no polo sulista, pequenas e médias propriedades rurais concentram o desmate que deu lugar à soja e outras monoculturas. “Estão comendo a Mata Atlântica pelas bordas”, avalia Luís Fernando Guedes Pinto, diretor-executivo da Fundação SOS Mata Atlântica e também autor do estudo.

Apenas entre 2008 e 2021, 448 mil ha de Mata Atlântica foram trocados por soja, consumida no Brasil e exportada para destinos como China e União Europeia. O bioma responde por metade da agropecuária nacional, aponta o estudo na Nature Sustainability.

“Os números podem parecer pouco frente às perdas de outros biomas, mas na Mata Atlântica cada pedaço faz falta e cada perda de floresta madura faz muita falta”, ressalta Guedes Pinto.

O artigo identificou igualmente a mata nativa eliminada em terras indígenas e quilombolas e unidades de conservação. Embora de 8% do total devastado, a taxa preocupa porque afetou áreas mais voltadas a proteger a natureza.

“Isso evidencia a necessidade de maior suporte a essas comunidades e uma governança ambiental mais efetiva”, diz a coautora do trabalho e pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Silvana Amaral Kampel.

Contudo, os caminhos para conter a destruição a ferro e fogo da Mata Atlântica enveredam por várias outras medidas, apontam as fontes ouvidas pela reportagem.

Contendo a destruição

Para Guedes Pinto, diretor-executivo da SOS Mata Atlântica, urge aplicar rigorosamente a lei protetora do bioma, em vigor desde 2006. “Estamos perdendo uma floresta riquíssima em biodiversidade e altamente ameaçada de extinção”, avalia.

Os números não mentem. Só a operação Mata Atlântica em Pé, disparada há 8 anos por ministérios públicos, órgãos ambientais e policiais, já aplicou R$ 431 milhões em multas pelo desmate de 75 mil ha. A fiscalização em campo e por imagens de satélite começou no Paraná e alcança hoje o bioma todo.

Presidente da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) e promotor de Justiça no Estado do Paraná, Alexandre Gaio analisa que as operações simultâneas nos 17 estados ajudam a coibir crimes.

“Quem desmata ilegalmente precisa ter uma resposta rígida e rápida o suficiente para demover infratores a não não fazerem mais isso. É um efeito pedagógico geral, para sociedade e para quem comete ilegalidades”, pondera.

Contudo, o volume de multas pode não frear diretamente a eliminação da Mata Atlântica, cuja cobertura foi reduzida a 24% da original. “O pagamento das multas é irrisório”, lembra Guedes Pinto (SOS Mata Atlântica).

Diante disso, é necessário mobilizar incentivos financeiros à conservação, bem como embargar e cortar financiamentos de imóveis rurais pode surtir mais efeito. Isso já ocorre no bioma, afirma Gaio, do Ministério Público do Paraná (MP/PR).

“Infrações podem levar à suspensão do CAR [o Cadastro Ambiental Rural] e de financiamentos bancários”, avisa. “Além disso, pode ser necessário pagar uma indenização e executar a recuperação ambiental da área afetada”, lembra.

Outras vertentes anti-destruição são criar mais áreas legalmente protegidas, restaurar e conectar a vegetação natural da Mata Atlântica.

Uma base federal aponta que unidades de conservação públicas e privadas cobrem 10,53% do bioma, abaixo da meta global de 30%. Além disso, quase sete em cada dez ha do percentual são reservas de “uso sustentável”, com proteção ambiental menos estrita.

“Há propostas para novas unidades de conservação tramitando nos órgãos ambientais federais, mas a quase totalidade das terras do bioma pertencem hoje a particulares”, lembra Guedes Pinto (SOS Mata Atlântica). Isso dificulta a proteção pública.

Enquanto isso, o estudo lembra que mais de 700 mil ha regenerados no bioma, só de 2011 a 2015, não têm biodiversidade e nem carbono como as florestas maduras perdidas. Não bastando, um terço deles costumam ser perdidos de novo, numa década.

Mesmo assim, manter o regenerado seria importante para conectar áreas preservadas num bioma muito fragmentado, uma verdadeira colcha de retalhos.

“Unir os grandes blocos conservados nas unidades de conservação facilitará os fluxos biológicos e minimizará os riscos de extinção de variadas espécies”, destaca Jean Paul Metzger, professor na Universidade de São Paulo (USP).

Medidas como tais seriam reforçadas pela necessária recuperação da vegetação nativa em imóveis rurais, no entorno de nascentes e cursos d’água e outras zonas protegidas na legislação florestal.

“Recuperar Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais (RLs) acrescentaria cerca de 4 milhões de ha ao bioma”, afirma Guedes Pinto (SOS Mata Atlântica). Os números são do Termômetro do Código Florestal, mantido por entidades civis e universidades públicas.

Seria um golaço para uma região que precisa manter suas fontes de água e amansar a crise do clima para seguir abrigando 70% dos brasileiros e gerar um percentual similar do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Todavia, há grandes pedras no caminho.

Muitas barreiras estão nos parlamentos federal e dos estados, onde propostas legislativas insistem em enfraquecer a proteção da Mata Atlântica, reduzir ou eliminar unidades de conservação, sempre por interesses político-econômicos de curto prazo.

“Parece que esses políticos vivem num mundo paralelo, onde não há crise do clima, não falta água e as pessoas não estão sofrendo e morrendo por esses problemas”, critica Guedes Pinto.

Clima e ecologia

O trabalho pesou de forma inédita os tipos e distribuição de imóveis rurais e o uso das terras após o desmatamento, tudo numa década de incentivos oficiais ao agro e já de desmanche da legislação e órgãos ambientais.

“O estudo nos permitiu melhor entender o padrão de eliminação do bioma. Isso pode subsidiar ações e políticas para zerar seu desmatamento”, aposta Guedes Pinto (SOS Mata Atlântica).

Frear e reverter as perdas é fundamental para manter a vida selvagem e fazer frente à crise climática. A destruição na década avaliada somou o equivalente a 3% das emissões nacionais de 2023 de gases-estufa, detalha o artigo na Nature Sustainability .

Já um estudo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ-USP) levantou que cada árvore da Mata Atlântica absorve, em média, 163,14 quilos de gás carbônico nos primeiros 20 anos de crescimento.

O mesmo trabalho, destacado num estudo da Abrampa sobre remanescentes do bioma, ressalta que até 100 anos são necessários para que serviços ecossistêmicos, como estocar carbono, retornem à normalidade em florestas regeneradas.

Além disso, o desmatamento põe em jogo o destino de animais raros e ameaçados, como anta,  mico-leão-dourado, onça-pintada e macaco-guigó. Quase metade de todas as espécies animais e vegetais do bioma já enfrentam algum risco de extinção.

Além de uma legislação específica, que protege sua vegetação primária ou secundária em regeneração, a Mata Atlântica é listada na Constituição de 1988 como um patrimônio nacional. Tornar os escritos uma realidade é crucial para evitar seu desaparecimento.

Fonte: O Eco

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