Dados inéditos da plataforma desenvolvida pelo WWF-Brasil e pelo MapBiomas, que monitora 23 lagos na Bacia Amazônica, revelam que as águas nestes locais estão atingindo temperaturas mais altas que o comum para a região, o que representa um grave risco para a fauna aquática, como botos e peixes-bois.
Todos os lagos monitorados pela ferramenta estão com a temperatura acima da média acumulada dos últimos cinco anos para o mês de agosto. Os locais foram elegidos por serem considerados os mais vulneráveis ao calor. Em uma dúzia deles, as temperaturas vêm alcançando valores acima dos observados em 2023.
No lago Tefé, por exemplo, onde morreram 209 botos no ano passado, presos em águas rasas e quentes do lago, as temperaturas estão 0,8 °C acima da média dos últimos cinco anos e 0,2 °C acima de 2023, de acordo com os dados obtidos pela plataforma. A medição da temperatura no local veio acima do ano passado praticamente durante todo o ano de 2024, baixando em junho e também em agosto, segundo os últimos dados.
De acordo com o Instituto Mamirauá, que atua na região, este ano as mortes recentes de botos estão relacionadas à seca, mas não às temperaturas da água. São perdas ligadas ao baixo nível dos rios, seja na interação com pescadores ou ferimentos causados por barcos.
“O problema é que ainda temos pela frente mais dois meses de estação seca na Amazônia e esses números são um indício de que no auge do calor, entre setembro e outubro, teremos temperaturas bem acima das registradas no ano passado”, afirma Juliano Schirmbeck, coordenador técnico do MapBiomas Água.
De acordo com o Instituto Mamirauá, foi confirmado que a morte dos botos em 2023 foi causada pela alta temperatura da água, que chegou a 40°C na ocasião, considerado o limite para a sobrevivência destes mamíferos aquáticos.
Amazônia passa pela pior estiagem em 45 anos
Os lagos mais quentes acumulam de cinco a nove meses com temperaturas médias acima do observado em 2023, “ressaltando o estresse fisiológico acumulado pela sucessiva exposição a altas temperaturas e baixos níveis de água”, destaca Helga Correa, especialista em conservação do WWF-Brasil e uma das coordenadoras da plataforma.
Em setembro de 2023, quando o bioma também enfrentava uma seca extrema, 330 botos das espécies cor-de-rosa (Inia geoffrensis) e tucuxi (Sotalia fluviatilis) morreram nos lagos Tefé e Coari, ambos conectados ao rio Solimões, no interior do Amazonas, segundo informações do WWF-Brasil.
Este ano a situação não difere de 2023 em seca e altas temperaturas na Amazônia, que passa pela pior estiagem em 45 anos, segundo o governo federal. No dia 30 de agosto, o rio Solimões atingiu a cota de 94 centímetros negativos, a mais baixa já registrada pelo SGB (Serviço Geológico Brasileiro) em toda a série histórica do monitoramento, iniciada em 1989.
A situação continuou se agravando e, no dia 20 de setembro, a cota chegou a 206 centímetros negativos.
Aquecimento chega a até 1,5°C acima de 2023
De acordo com os resultados obtidos até agora pela plataforma, o aumento da temperatura em relação à média dos últimos cinco anos chega a 1,5°C em locais como o Lago do Rei, no rio Amazonas. Mas o dado mais impactante foram os 12 lagos que estão ainda mais quentes do que em 2023, com uma diferença que chega a 0,86°C no Lago Calado, próximo a Manacapuru (AM).
“Esse aumento pode parecer pequeno em termos de magnitude de temperatura, mas antecipa um alerta de risco de ocorrência de mortalidade de botos, uma vez que as temperaturas do ar também estão altas e a qualidade, devido às queimadas, também atinge níveis críticos”, afirma Corrêa.
Temperatura pode subir rapidamente nos lagos
Com o baixíssimo nível atual do Médio Solimões, as temperaturas tendem a subir perigosamente nas próximas semanas, conforme uma análise feita pelo Instituto Mamirauá, que atua principalmente na região de Tefé (AM), com dados coletados até o dia 2 de setembro.
“O nível do lago Tefé está em 6,35 metros, cerca de 1,6 metro acima do mínimo atingido no dia 23 de outubro de 2023. Quando a cota está abaixo de 7 metros, vemos que a água começa a ganhar calor muito rapidamente durante o dia. Já identificamos que o lago começou a esquentar nas últimas semanas. No dia 25 de agosto, alcançou 33 graus em toda sua profundidade – a maior temperatura do ano”, afirma Ayan Fleischmann, coordenador do grupo de geociências do instituto.
O superaquecimento dos lagos amazônicos é resultado da combinação de vários fatores, como a redução da quantidade de água, excesso de radiação solar e água excessivamente turva, que facilita a difusão de calor no lago, segundo o pesquisador.
“Nos últimos dias choveu muito, o que resultou em um cenário mais favorável. Com isso, a temperatura ainda não chegou aos 40ºC, que é o limiar perigoso para os mamíferos aquáticos, mas estamos preocupados com as próximas semanas. No ano passado, observamos que três a seis dias de sol intenso são suficientes para uma elevação rápida da temperatura, transformando o lago em uma verdadeira armadilha para os botos”, explica Fleischmann.
Fonte: Um Só Planeta