Em 2018, em Botsuana, foi observada uma fêmea de hipopótamo tentando manter seu filhote morto na superfície de um lago durante 11 horas, afugentando crocodilos. Em várias ocasiões, ela fez bolhas para tentar se comunicar com ele, e os demais membros do grupo se uniram a ela para ajudá-la.
Nesse mesmo ano, diante da costa oeste do Canadá, a orca Tahlequah também perdeu seu filhote. Ela o manteve à tona durante 17 dias e ao longo de quase 1.600 km, sem se alimentar nem estabelecer contato social, o que a deixou vulnerável a predadores.
“A dor de perder um ente querido é algo universal, tão universal que não é exclusivo da nossa família ou da nossa espécie, mas também existe em muitos outros seres vivos”, afirma à AFP Pouydebat, especialista em evolução do comportamento animal no Centro Nacional de Pesquisa Científica da França (CNRS) e no Museu Nacional de História Natural de Paris.
Em Les oiseaux se cachent-ils pour mourir? (Os pássaros se escondem para morrer?), a cientista descreve múltiplas observações sobre a percepção da morte nos animais — e não apenas nos mais próximos de nós, como os mamíferos.
Como alguns cavalos-marinhos que, ao não poderem fugir nem se esconder de um predador, simulam a própria morte, utilizando um mecanismo de defesa chamado “tanatose”.
Ou aquelas abelhas doentes e contagiosas que abandonam a colmeia para não contaminá-la.
Alguns corvídeos (corvos, gaios, pegas…) se posicionam ao redor de um congênere morto e, às vezes, depositam perto dele penas, gravetos ou ervas. Talvez para sinalizar sua presença, avaliar uma situação potencialmente perigosa ou estabelecer novas relações sociais dentro do grupo.
“Um recurso para sobreviver”
“Detectar a morte pode ser um bom recurso para sobreviver”, explica Pouydebat. “É importante compreender que o outro morreu para se proteger de patógenos.”
Mas saber que o outro faleceu “provavelmente também significa compreender que existe uma possível separação com os indivíduos próximos”, continua. “E isso cria um vínculo social com os indivíduos que permanecem, o que em muitas espécies é fundamental para sobreviver e viver.”
Existem poucos estudos sobre a relação dos animais com a morte. A razão é a impossibilidade ética de realizar experimentos sobre o tema e a dificuldade de interpretar observações que podem parecer anedóticas.
Mas também o medo dos cientistas de serem “taxados de antropomorfismo”, adverte Pouydebat.
“Ao querer evitar isso a todo custo, deixamos de lado muitas capacidades animais como o altruísmo, a empatia, a cooperação… todos esses comportamentos que não vimos por receio de destacá-los”, lamenta.
Um animal tem consciência de que está matando? Tem consciência da própria morte?
Qualquer hipótese deve ser considerada, defende a pesquisadora. É “interessando-se por ela” e “multiplicando exemplos e contextos” que se saberá mais sobre o tema.
“Assim é o método científico: observamos, fazemos perguntas e depois tentamos estabelecer protocolos para buscar respostas”, explica. “E é preciso aceitar que, às vezes, nunca teremos a resposta.”
Fonte: O Globo