Um estudo publicado pelo Climate Policy Initiative (CPI/PUC-Rio) em parceria com o projeto Amazônia 2030 lança luz sobre um dos maiores desafios ambientais da atualidade: o avanço descontrolado da mineração de ouro, inclusive sob o amparo da legalidade, na região amazônica. Entre 2016 e 2023, foram concedidas autorizações para mineração de ouro em 630 mil hectares da floresta — quatro vezes a área da cidade de São Paulo. O número representa 81% de toda a área liberada para mineração no país, com destaque para os estados do Mato Grosso e do Pará.
O documento expõe um sistema com graves falhas de controle e fiscalização, que favorece a lavagem de ouro ilegal por meio de minas legalizadas. Essa prática tem sido denunciada por Dom Evaristo, liderança católica e ativista socioambiental que há anos atua junto às comunidades indígenas da Amazônia.
“Existe uma forma de esquentar o ouro, quando ele é extraído de forma ilícita. Eles levam para uma mina licenciada e ali vendem, fazendo com que esse ouro já entre no comércio legal”, denuncia Dom Evaristo. “Uma pesquisa recente indica que até 90% do ouro que entra hoje na Europa pode ter origem ilícita.”
Além disso, o religioso alerta para a infraestrutura paralela que sustenta o crime ambiental. Enquanto o Exército Brasileiro, responsável pela vigilância territorial, operava com apenas dois aeroportos numa área de 96 mil km² com 350 comunidades indígenas, os garimpeiros chegaram a construir 78 pistas clandestinas de pouso para facilitar a logística da extração ilegal de ouro.
Dom Evaristo relata também uma visita recente à cidade de Santa Elena, na Venezuela, fronteira com Roraima:
“Uma funcionária do aeroporto me contou que diariamente saem de lá entre 17 e 25 quilos de ouro. Parte vem da Venezuela, mas outra parte é tirada ilegalmente aqui em Roraima e atravessa a fronteira sem controle. Estamos falando de um esquema sofisticado e bem estruturado.”
O mercúrio, utilizado na separação do ouro, é uma das maiores ameaças ambientais e de saúde pública associadas ao garimpo. Para cada quilo de ouro extraído, são usados, em média, 1,3 kg de mercúrio — metal pesado que contamina rios, plantas, peixes e, consequentemente, as populações humanas que deles dependem.
“Esse mercúrio vem da China, passa por Georgetown, entra por Bonfim e já está em Roraima. Depois, se espalha pelo país. Quando usado no garimpo, ele vira gás com o calor e é transportado pelo vento, contaminando quem está perto e também quem está longe”, explica Dom Evaristo. “Hoje, todos aqui na Amazônia estamos contaminados por mercúrio. A questão é saber o grau da nossa contaminação.”
As consequências são especialmente graves para povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas, que dependem da pesca para alimentação. O metal pesado se acumula nos peixes maiores — consumidos por essas populações —, gerando doenças neurológicas, reprodutivas e metabólicas.
Diante da devastação provocada pelo garimpo, Dom Evaristo também critica os projetos em curso no Congresso Nacional que visam flexibilizar a exploração mineral em territórios indígenas:
“É uma tentativa de legalizar a destruição. A floresta está de pé onde há indígenas. E aonde chega o agronegócio, a monocultura, o madeireiro ou o garimpeiro, a floresta é devastada e contaminada.”
Ele também reforça a luta contra o marco temporal, que busca restringir os direitos territoriais dos povos indígenas, e defende a presença ativa dos povos originários nas negociações internacionais sobre meio ambiente:
“É inaceitável que o futuro da humanidade seja decidido sem ouvir quem mais protege a floresta. Precisamos garantir o assento dos povos indígenas nas COPs e nos fóruns globais.”
Com o apoio de estudos científicos e o clamor das comunidades da floresta, o apelo de Dom Evaristo é claro: é preciso repensar o modelo de exploração mineral na Amazônia, proteger os povos originários e garantir que a floresta permaneça em pé — não apenas pelo Brasil, mas por todo o planeta.