A expansão dos combustíveis fósseis nos Emirados Árabes aquece, seca e queima a Amazônia brasileira. Assim como a abertura de novos poços de petróleo e gás fóssil na Foz do Amazonas vai provocar chuvas extremas na Europa. Está tudo interligado: o impacto dos combustíveis fósseis – ou seja, a potencialização das mudanças climáticas – não tem fronteiras.
As emissões com a queima de petróleo, gás e carvão não ficam presas em “caixinhas” sobre os países que os consomem. Portanto, não importa se a energia não é a maior fonte de emissões do Brasil, como tenta argumentar o governo para expandir a exploração de combustíveis fósseis no país. O petróleo que exportamos – quase metade do que produzimos – pode ser consumido na China, e mesmo assim pagaremos o preço climático por essa queima a milhares de quilômetros de distância.
O Zero Carbon Analytics reuniu seis estudos de atribuição recentes sobre secas e enchentes que atingiram o Brasil nos últimos dois anos. E uma das pesquisas aponta que a queima de combustíveis fósseis tornaram as chuvas mais intensas no país – como visto na inundação histórica do Rio Grande do Sul, que afetou 90% do estado, deslocou mais de 600 mil pessoas e causou 183 mortes.
Foram as mudanças climáticas agravadas pela queima de petróleo, gás fóssil e carvão que também provocaram secas severas na bacia do rio Amazonas, fazendo com que o nível dos rios ficassem os mais baixos em 120 anos de medição. Segundo o World Weather Attribution (WWA), a seca agrícola entre junho e novembro foi 30 vezes mais provável devido às mudanças climáticas.
“Se continuarmos queimando petróleo, gás e carvão, muito em breve, atingiremos 2°C de aquecimento e veremos secas semelhantes na Amazônia cerca de uma vez a cada 13 anos”, afirma a cientista climática Fredi Otto, cofundadora da WWA.
Apesar do desmatamento ainda ser a principal fonte das emissões brasileiras, os combustíveis fósseis, que, lembremos, o governo segue fortalecendo, não podem ser ignorados. O investimento contínuo em novos poços de petróleo tem sujado a matriz energética do país. E os planos de expansão tanto da produção de combustíveis fósseis como de instalação de termelétricas a gás fóssil vão piorar ainda mais esse cenário.
A Petrobras, controlada pelo governo, propagandeia que vem reduzindo suas emissões e que o petróleo que produz é um dos de menor intensidade de CO2 do mundo. Mas a empresa reduziu em apenas 2,7%, entre 2015 e 2022, suas emissões gerais – da produção e dos produtos – aponta o banco de dados Carbon Majors, resultado em parte influenciado pela queda brusca do consumo de combustíveis fósseis durante a pandemia de Covid-19
Enquanto isso, a produção de petróleo continuou a crescer em 2023 e 2024. Tanto assim que, em 2023, a empresa figurou no grupo de 36 empresas de combustíveis fósseis que responderam por metade das emissões de CO2 do mundo.
Diante da urgência climática de se eliminar os combustíveis fósseis, é preocupante o que aponta o relatório da ONU Production Gap de 2023, que o plano do governo brasileiro é aumentar a produção de petróleo em 63% e de gás em 124% até 2032. O governo continua a incentivar a exploração e a produção por meio de US$ 8,6 bilhões em gastos fiscais e transferências orçamentárias diretas.
No total, os subsídios federais aos combustíveis fósseis atingiram US$ 14,56 bilhões em 2022. A título de comparação, enquanto os combustíveis fósseis receberam US$ 72,23 bilhões em subsídios de 2018 a 2022, as fontes renováveis de energia receberam US$ 13,39 bilhões no mesmo período.
Falando em renováveis, o discurso de investir na exploração de petróleo e gás fóssil para financiar a transição energética justa é, no mínimo, débil. É como usar gasolina para apagar a fogueira que é alimentada pela gasolina. Sem falar que, historicamente, as petroleiras respondem por pífio 1% dos investimentos em renováveis no planeta. E pior: estão reduzindo esses recursos e os colocando na expansão da produção de petróleo e gás.
Com o contínuo aumento do uso de combustíveis fósseis, as temperaturas seguem subindo, aumentando o desequilíbrio ecológico, que não resulta em apenas chuvas e secas extremas, mas também no colapso de sistemas inteiros. Como é o caso do colapso das correntes oceânicas do Atlântico e do degelo do Ártico.
É o que chamamos de “ponto de não retorno”. Como o Amazônia Real explica: “pontos de não retorno não significam o deslanche imediato de uma catástrofe, mas sim um salto brusco na probabilidade anual de ocorrência da catástrofe, seja um efeito estufa descontrolado ou o colapso da Floresta Amazônica”.
Pelo incentivo aos combustíveis fósseis, o Climate Action Tracker dá ao Brasil uma classificação geral de Insuficiente, o meio das cinco classificações, quanto a políticas para reduzir as emissões. Estas, que incluem suas reduções voluntárias de emissões submetidas como parte das negociações sobre Mudanças Climáticas da ONU, são consideradas insuficientes para limitar o aumento da temperatura em 1,5ºC como estipulado pelo Acordo de Paris.
O que custa a ser entendido pelos governantes, do Brasil e de outros países, é que, pelo andar da carruagem, não haverá sequer floresta para ser salva, mesmo se ampliando esforços no combate ao desmatamento. Um estudo publicado na revista científica Earth System Science Data apontou que as mudanças climáticas aumentaram em 20 vezes as chances de incêndio florestal na Amazônia.
Petroestados como Azerbaijão e Emirados Árabes insistem na expansão dos combustíveis fósseis. Mas o Brasil, como anfitrião da Conferência do Clima da ONU (COP30), não deve e não pode seguir esse caminho. Não é a OPEP que irá nos salvar, mas sim propostas concretas, com cronogramas e compromissos reais para eliminar os combustíveis fósseis.
É dever do Estado brasileiro, posto na Constituição, a proteção das florestas e da biodiversidade do país, assim como a proteção da vida – e essa, não só a dos brasileiros, mas do mundo inteiro.
Fonte: ClimaInfo