Animais não humanos, assim como os humanos, são seres de existência autônoma, dotados da capacidade de consciência, vontade e interesses próprios. Assim como nós, são habitantes do planeta Terra e, nesse sentido, somos todos fruto da Natureza e habitamos o mesmo espaço físico, sendo dele dependentes.
Tendo em vista que animais não são criação humana e, portanto, não são sua propriedade, as leis que permitem ao ser humano explorá-los para seu próprio beneficio são feitas sob a ótica exclusiva do explorador. Como consequência, essas leis não possuem nenhum fundamento ético, moral, biológico ou natural, sendo pura e simplesmente, o conforto daqueles que criaram essas permissões de escravidão.
Sob esse padrão de pensamento unilateral, os não-humanos foram trazidos à força ao ambiente humano e aqui, transformados em números, meros objetos de consumo, que servem aos propósitos exclusivos da sociedade dos homo sapiens.
Não existe beneficio aos animais, ao planeta ou ao meio ambiente a legitimação artificial do uso dos não-humanos como objetos de comércio.
Assim, é cristalino e inquestionável que forçamos a situação da supremacia humana, dominamos pela força os outros animais e os objetificamos, ignorando de forma proposital, a sua capacidade de sentir e a sua existência autônoma.
Neste ponto de esquizofrenia moral em que nos encontramos, é relevante lembrar que os não humanos possuem direitos que são incondicionais, inerentes à própria existência desses seres, afinal, como criaturas dotadas de existência própria, consciência e capacidade de sentir , animais são sujeitos de uma vida, um fim em si mesmos, sendo inexorável a conclusão de que são seres morais assim como nós.
A partir dessa premissa, é inegável que todas as agressões a que esses seres são submetidos vivendo forçadamente nas sociedades humanas ocasionem danos a seus direitos inatos à vida, liberdade e dignidade. Há um sem numero de provas da dor causada a animais em matadouros, laboratórios, canis clandestinos, zoológicos, aquários e outras fontes de exploração animal.
Infelizmente, o direito positivo permite que animais passem pelo que chamam de “sofrimento necessário”, posto que o conceito de animal para o ordenamento antropocêntrico é o de animais serem instrumentos para bem estar humano.
É inadmissível que existam cativeiros para indivíduos que possuem o direito inato a viverem livres e sorver a vida em um planeta que também os pertence. O solo terrestre é de todos os que nele habitam, não se trata de propriedade humana. Manter em cativeiro aquele que possui interesses próprios, humano ou não-humano, é um desrespeito que jamais poderia ser legalizado pelo Estado de Direito.
Considerando o direito brasileiro, se faz necessário lembrar que, dentre os valores protegidos pela nossa Constituição Federal, o direito à liberdade é garantido no artigo 5º, cujos termos cuidam dos direitos fundamentais:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”
Temos que a denominação “todos” refere-se a todos os sujeitos de direitos presentes no solo brasileiro, de modo que a Carta Maior não especifica a espécie à qual a palavra se refere e, inclusive, enfatiza: “sem distinção de qualquer natureza”. Então, conclui-se, sem chance de dúvidas, que todos os sujeitos de direitos os quais se encontram dentro do solo nacional possuem o direito inato à vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade e o Estado Democrático de Direito vai apenas garantir que esses direitos não sejam lesados.
Segundo a teoria moral kantiana, “as pessoas, e em geral, qualquer espécie racional , devem existir como fim em si mesmas e jamais como meio, a ser arbitrariamente usado para este ou aquele propósito. Os objetos têm, por sua vez, um valor condicionado, por serem irracionais, por isso, são chamados “coisas”, substituíveis que são por outras equivalentes. Os seres racionais , ao revés, são chamados “pessoas”, porque constituem um fim em si mesmos , têm um valor intrínseco absoluto, são insubstituíveis e únicos, não devendo ser tomados meramente como meios. (Immanuel Kant, no excerto extraido de artigo escrito pela jurista Flavia Piovesan para a Revista do Advogado, edição n 143, 2019)
Ora, se na Declaração de Cambridge, de 2012, ficou cientificamente comprovado que animais sao dotados da capacidade de sentir, pensar e escolher, sendo, portanto, racionais, a máxima kantiana acima exposta se aplica inegavelmente a todos, não importa a forma física ou o modo de se comunicar.
Alem disso, animais são seres de existência autônoma, não foram criados pela espécie humana, mas, assim como nós, vêm evoluindo junto com a natureza. Assim, ainda tendo como retaguarda a teoria kantiana, a autonomia é a base da dignidade de qualquer criatura racional.
Desse modo, se pessoas são seres racionais e autônomos, os animais se encaixam nessa categoria e, como tal, devem ser acolhidos no manto de proteção jurídica dos ordenamentos humanos.
Em consequência do que foi exposto acima, do mesmo modo como, em 1948, foi publicada a Declaração Universal dos Direitos Humanos em resposta às atrocidades cometidas durante o regime nazista, precisamos, agora da mesma reação em relação à violação sistemática dos direitos dos não humanos em nossa sociedade.
Na Segunda Guerra Mundial e em outros episódios catastróficos de genocidio e escravidão institucionalizados e legitimados pelos Estados, a lei deu cobertura à violação dos direitos humanos. Essas afrontas a direitos fundamentais tiveram como base filosofias, jamais justificadas ou comprovadas, de supremacia de determinado grupo social. A ilógica condição de superioridade seria baseada apenas na proteção de interesses estratégicos, políticos e financeiros dos opressores. Por conta desses interesses menores, os Estados, ao longo da História, legalizaram artificialmente a anulação de direitos de milhões de outros seres humanos, permitindo o assassinato em massa, a escravidão, a fome e todos os tipos de afronta, os quais resultaram em tragédias e traumas sociais tão profundos, que jamais teremos noção da proporção de suas consequências.
Assim, após as barbáries cometidas pelos estados totalitários, em especial, pelo nazifascismo, hoje há um veemente repúdio da comunidade internacional à concepção puramente positivista da Lei, que se faz indiferente à valores éticos e apenas se baseia em formalidades técnicas. A Lei precisa ter valor ético moral em primeiro lugar, sob pena de voltarmos a estados de injustiça suprema, cuja expressão mais triste é a “banalização do mal” (Hannah Arendt).
Mas, se esse posicionamento serviu de base para a construção dos direitos humanos porque aos animais é negada essa filosofia?
Os ordenamentos atuais legalizam e protegem a escravidão, assassinatos em massa, tratamento degradante de bilhões de indivíduos, assim como ecocídios e biocídios e outras violações graves de direitos dos não humanos, de modo que,, paira no ar a pergunta: o repúdio internacional a leis sem valor ético moral é relativo? Por que razão essa repulsa é condicionada à espécie dos vulneráveis que precisam de proteção ? E sendo condicionada à espécie, não estamos agindo tal qual os estados totalitários que relativizaram o mal para suprir interesses menores e injustos de alguns que autodeclaram superiores?
Direitos humanos e direitos animais deveriam estar na mesma esfera de proteção, tendo em vista as provas de igualdade moral de todos os animais, humanos e não-humanos, uma vez que somos todos sencientes, autônomos, racionais e um fim em nós mesmos..