O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, o Ibama, capitulou. Nesta segunda-feira, 19 de maio, abriu caminho para autorizar a Petrobras a perfurar um poço em busca de petróleo no bloco 59, na Bacia da Foz do Amazonas. A decisão tomada pelo presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, contraria um parecer assinado por 29 técnicos do órgão ambiental, que em fevereiro recomendaram que fosse mantido o indeferimento da licença, determinado pelo próprio Agostinho em maio de 2023. Na época, a Petrobras recorreu da decisão. O bloco 59 fica a 160 quilômetros do litoral do Oiapoque, no Amapá, em área de extrema sensibilidade ambiental.
A decisão de concluir o licenciamento acontece a menos de seis meses da COP30 em Belém, a primeira conferência do clima a ser realizada na Amazônia, que discutirá como pôr em prática a eliminação gradual dos combustíveis fósseis, responsáveis por mais de 75% das emissões dos gases que provocam o aquecimento do planeta. Apesar da emergência climática, o Ibama está sob pressão política para emitir a licença, com seguidas declarações nesse sentido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, de ministros do seu governo e de políticos como o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, do União Brasil, e o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues, do PT. Os dois senadores são do Amapá, um estado economicamente pobre da Amazônia brasileira em que a exploração de petróleo é vendida como garantia de prosperidade e fartura.
A decisão de Agostinho foi divulgada na noite do dia 19 pelo Ibama. O órgão informou que foi aprovado o sexto e mais recente Plano de Proteção e Atendimento à Fauna Oleada apresentado pela Petrobras no processo de licenciamento do bloco 59. Esse plano de socorro a aves e animais marinhos, incluindo Tartarugas e Peixes-boi, era a última condicionante dita “conceitual” do processo. Depois de sua aprovação, só falta a simulação, pela estatal, da resposta a um acidente com vazamento de petróleo. Esse teste prático, que será realizado na área prevista para a perfuração, é conhecido como Avaliação Pré-Operacional.
SUMAÚMA teve acesso ao despacho em que Rodrigo Agostinho detalha sua decisão. Ele reconhece que a equipe técnica, no parecer de fevereiro, apontou a “possível inexequibilidade” do plano de proteção à fauna da Petrobras, “frente aos enormes desafios logísticos e ambientais da região”. No entanto, alega que não houve “maiores questionamentos” em relação à dimensão dos recursos apresentados pela empresa para o socorro aos animais. Por isso, conclui, “a forma mais efetiva de se sanar as incertezas levantadas” pelos técnicos “é através da realização de uma Avaliação Pré-Operacional”.
A data da simulação da resposta a um acidente ainda será marcada. A Petrobras terá que enviar uma sonda de perfuração, navios e helicópteros para a região. Além disso, o Ibama precisará vistoriar um centro para o atendimento de animais construído pela estatal no Oiapoque. Se a empresa passar nesses testes, não haverá mais obstáculos para a emissão da licença.
O despacho de Agostinho teve o apoio de uma “manifestação técnica” da Diretoria de Licenciamento Ambiental e da Coordenação-Geral de Licenciamento de Empreendimentos Marinhos e Costeiros do Ibama. Nessa manifestação, também de 19 de maio, os responsáveis por essas áreas, Liceros Alves dos Reis e Itagyba Alvarenga Neto, apresentam “ponderações” ao parecer dos 29 técnicos. Eles argumentam que muitos requisitos para a licença já foram aprovados anteriormente e recomendam a realização da Avaliação Pré-Operacional.
No parecer técnico de fevereiro, que SUMAÚMA também leu, a equipe do Ibama é muito mais dura do que o despacho de Agostinho sugere. No texto de 22 páginas, os técnicos afirmam que a Petrobras, “em lugar de buscar soluções reais” para as fragilidades que eles apontaram no plano de proteção à fauna, “opta por enaltecer a excelência” do projeto “proposto por ela mesma”. Dizem ainda que a estatal, quando alardeia ter apresentado um plano “ímpar na indústria”, desconsidera que a Bacia da Foz do Amazonas “não encontra similaridade com nenhuma outra bacia produtora [de petróleo] do país em termos de riqueza e sensibilidade socioambiental”.
O documento técnico alerta sobre as condições meteorológicas e oceanográficas específicas do alto-mar na Foz do Amazonas – onde os ventos são muito fortes e as correntes marítimas são, em média, três vezes mais velozes que as do litoral do Sudeste. Isso, somado às características da costa do Oiapoque, onde não há porto para embarcações grandes, põe em dúvida a capacidade de socorro aos animais dentro dos tempos previstos no Manual de Boas Práticas sobre manejo da fauna atingida por óleo.
No parecer, a equipe técnica também volta a criticar a Petrobras e o Ministério de Minas e Energia por terem recorrido à Advocacia-Geral da União para derrubar, em decisão de 2024, outra condicionante para o licenciamento que havia sido estabelecida pelo Ibama: a atualização do Estudo de Impacto Ambiental para analisar os efeitos das atividades da estatal nas três Terras Indígenas do município do Oiapoque. Esses efeitos surgiram quando os helicópteros da empresa começaram a sobrevoar os territórios, espantando aves e alterando a rotina dos moradores. “Se a empresa tivesse optado pelo caminho técnico, muito provavelmente a questão estaria encaminhada, com um estudo embasado e proposições de medidas que atenderiam à legislação ambiental e indigenista”, diz o parecer de fevereiro.
No seu despacho, ainda que tenha aberto o caminho para a emissão de licença de perfuração do bloco 59, Agostinho insiste mais uma vez em que seja feita uma avaliação mais ampla da viabilidade da instalação de uma cadeia de exploração petrolífera na região da Bacia da Foz do Amazonas. Chamado de Avaliação Ambiental de Área Sedimentar, ou AAAS, esse tipo de estudo está previsto na legislação brasileira e vem sendo proposto desde 2023 pelo Ibama e pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Seria uma solução técnica para o impasse que se arrasta desde que o bloco 59 foi leiloado, em 2013. A avaliação, porém, exigiria a concordância da pasta de Minas e Energia, comandada por Alexandre Silveira do PSD, que rejeitou a proposta.
A possível perfuração do bloco 59 mobiliza o interesse de toda a indústria petrolífera. O que ela espera é que uma autorização do Ibama nesse caso torne mais fácil o licenciamento ambiental de mais 34 blocos que já foram concedidos a empresas em toda a chamada margem equatorial, o litoral na linha do Equador que vai do Rio Grande do Norte ao Amapá. Nessa costa, onde se encontra a maior área contínua de mangues do Brasil, só há exploração de petróleo, até agora, no litoral potiguar. Por causa dos riscos ambientais, o Ibama já negou licenças para poços da companhia francesa Total na Bacia da Foz do Amazonas, em 2018 (no governo do golpista Michel Temer), e para poços da Petrobras na Bacia de Barreirinhas, na costa do Maranhão, em 2021 (em pleno governo do extremista de direita Jair Bolsonaro).
Os interesses do lobby fóssil não param aí. A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, a ANP, incluiu 47 blocos da Bacia da Foz do Amazonas num leilão que será realizado em 17 de junho. Uma nova negativa para a Petrobras no bloco 59 afastaria potenciais compradores. Esses 47 blocos têm uma peculiaridade: a manifestação conjunta do Ministério de Minas e Energia e do Ministério do Meio Ambiente que permite que sejam leiloados, emitida em 2020, vence no dia 18 de junho. Isso quer dizer que, se eles não forem concedidos a petrolíferas neste ano, uma nova oferta pode demorar.
A pressão do governo Lula pela liberação do bloco 59 tem causas econômicas e políticas. Mais da metade do petróleo produzido hoje no país é exportado, e o governo se vê cada vez mais dependente desse dinheiro. No Congresso, grande parte das lideranças da base instável e cada vez mais reduzida do governo também é a favor da abertura de uma nova fronteira petrolífera na Amazônia.
Um elemento que entrou recentemente na equação foi a decisão de Alcolumbre, o presidente do Senado, de pôr em votação a chamada “mãe de todas as boiadas”. Trata-se do projeto de lei 2.159, de 2021, que retira prerrogativas do Ibama e enfraquece de modo radical as regras do licenciamento ambiental em todo o país. O impulso a esse projeto, que estava parado no Congresso havia anos, tem sido interpretado como uma barganha dos parlamentares. A ideia seria obter mais concessões do governo, incluindo a emissão da licença para a Petrobras. Nesse cálculo, a COP no Brasil não faz nem um arranhão.
A Petrobras saudou a decisão do presidente do Ibama em uma nota divulgada ainda na noite do dia 19. No texto, a estatal não se refere à Bacia da Foz do Amazonas, nome consagrado pelos geólogos que mapearam a costa brasileira. Chama a bacia de “águas profundas do Amapá”, numa tentativa óbvia de desviar os olhos de sua localização. Na nota, a presidenta da companhia, Magda Chambriard, diz: “Temos total respeito pelo rigor do licenciamento ambiental que esse processo exige. Estamos satisfeitos em avançar para essa última etapa e em poder comprovar que estamos aptos a atuar de forma segura na costa do Amapá”.
No início de maio, num evento da indústria petrolífera nos Estados Unidos, ao lado do governador do Amapá, Clésio Luis, do Solidariedade, Chambriard havia entoado o lema do negacionista presidente estadunidense Donald Trump: “Let´s drill, baby” (“Vamos perfurar, amorzinho”). As pessoas mais afetadas pelas secas e inundações provocadas pela emergência climática não têm ações das companhias petrolíferas e, portanto, não recebem seus dividendos.
Fonte: Sumaúma