Diana é uma chimpanzé que viveu com humanos como parte de uma família durante 16 anos. Andres, de sua mesma idade, foi criado com ela. Compartilhou seus jogos, aventuras, desejos e angústias. A sociedade humana acabou a trancando em um zoológico e proibiu que sua família humana a visitasse. Aqui, ela resume sua história atrás das grades de sua jaula. Diana fala por ela e por todos seus iguais:
“No início deste relato está minha partida da África sem compaixão. Porém, por acaso a compaixão tem lugar na ordem natural do mundo? Onde esteve, onde está meu lugar neste mundo? Em qual mundo? Em que selva? A dos diamantes? A que engole os pântanos? A que refreia? A que expulsa? A infectada por pernilongos, de premonições? A de blocos, a de grades, a de vidro?
Estive nos aeroportos de Dakar, Madrid, Ezeiza, pendurada em meu dono como uma inválida porque se me abandonava, ia ser duas vezes órfã e sem salvação. Tive o privilégio de conhecer o amor humano e retornei esse amor como os homens: com ternura e ciúmes, com desconfiança e fé. Compartilhamos 99% de nosso DNA, mas essa ínfima diferença é a fronteira que eu não consegui superar. Em ambos os mundos fui uma personagem patética, dividida, uma espécie de Dom Quixote animal. O preço da civilização foi converter-me numa cidadã neurótica, como acontece a todos aqueles que não podem usufruir de seus direitos. Porém, os tenho, não importa que não os tive. Direito à liberdade. Direito a uma vida sem torturas. Direito de propriedade. E votei. Votei por minha família humana. A alma familiar me guia e ninguém poderá dizer com certeza se estive mais perto do silêncio que das palavras.
Andres, minha criança, tem crescido. Agora é um príncipe. Vem me visitar às escondidas porque continua meu processo de adaptação. Dizem. Adaptar-me à tristeza?
Quando me separaram abruptamente dele, machucaram um canal precioso que era nosso segredo de infância. Porém, os interstícios continuam abertos. Nos olhamos com a mensagem muda e urgente do irreparável. Nos agarramos aos barrotes da jaula, minhas mãos cobrindo as dele. Nossos silêncios têm a potência de um raio que nos atravessa e nos delinea numa luz nova que o resto não consegue perceber. Sempre está comigo sua figura esbelta, sua pele pálida como de uma fina porcelana, os gestos nervosos e de homem. Ambos estamos perto dos 20 anos. A idade da glória. A tristeza tem no lugar uns poucos meses, porém já se tem iniciado o inexorável processo de desolação. E um dia não irá embora.
Fica gravado este relato meio animal de minha vida. Pressiono o controle do gravador: Click. Talvez este seja o único e último som audível, porque meu insuportável alarido se parece ao grito de uma criança perdida que ninguém no mundo escuta.”
Aconteceu em Córdoba, Argentina. Diana morreu meses após ser trancafiada no zoológico da cidade, quando as autoridades a proibiram de viver com sua família humana. Andres, seu irmão humano, morreu quatro meses mais tarde, na flor da vida. A tristeza fulminou a ambos.
O livro “LA SELVA PERDIDA, Una Autobiografia Animal”, da escritora Neli Torres, publicado em 2011, na Argentina, conta a história de Diana e sua família humana. Ninguém pode deixar de ler!