Em 22 de maio, o mundo celebra o Dia Internacional da Biodiversidade, uma data voltada à valorização e proteção da diversidade biológica do planeta. Este ano, porém, a efeméride chega em tom de alerta: um novo estudo publicado na revista científica BioScience mostra que mais de 3.500 espécies animais já estão ameaçadas pelas mudanças climáticas.
A análise foi liderada pelo ecólogo William Ripple, da Universidade Estadual do Oregon (OSU). Foram avaliados dados de 70.814 espécies pertencentes a 35 classes do reino animal, com base em informações da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). O resultado revela uma crise em gestação que pode mudar radicalmente o equilíbrio dos ecossistemas do planeta.
“Estamos no início de uma crise existencial para os animais selvagens da Terra”, afirmou Ripple. “Até agora, a perda de biodiversidade foi impulsionada principalmente pela exploração excessiva e destruição de habitats, mas o agravamento das mudanças climáticas está prestes a se tornar a terceira grande ameaça.”
Oceanos na mira
Os oceanos, que absorvem mais de 90% do calor do aquecimento global, são palco de colapsos ecológicos cada vez mais graves, e a pesquisa dá a dimensão do impacto sobre a vida marinha.
Os invertebrados marinhos estão entre os grupos mais vulneráveis. Classes como anthozoários (corais) e hidrozoários (relacionados a águas-vivas), além de aracnídeos e quilópodes (centopeias), registram pelo menos 25% de suas espécies ameaçadas diretamente pelas mudanças climáticas.
Casos de mortalidade em massa, como a morte de bilhões de invertebrados na costa do Pacífico durante a onda de calor de 2021, são exemplos do tipo de impacto cada vez mais frequente. A morte de 29% dos recifes de coral da Grande Barreira de Corais em 2016, e a redução de 90% nas populações de moluscos na costa de Israel, são outros sinais da gravidade do problema.
Esses eventos não se limitam a pequenos animais. Em 2015 e 2016, cerca de 4 milhões de aves marinhas da espécie arau-comum, morreram de fome na costa oeste da América do Norte, resultado de alterações na cadeia alimentar causadas por uma onda de calor oceânica. O mesmo fenômeno causou uma queda de 71% na população de bacalhau-do-Pacífico, e pode ter contribuído para a morte de cerca de 7.000 baleias-jubarte no norte do Pacífico.
Falta de dados
Apesar dos números preocupantes, a maior parte do risco climático para a fauna global ainda é desconhecida, por falta de dados suficientes. Mais de 60% dos grupos animais ainda não foram avaliados quanto à sua vulnerabilidade ao clima. E mesmo entre os avaliados, os vertebrados – que representam menos de 6% das espécies conhecidas – dominam as listas da IUCN. Ou seja, a grande maioria dos invertebrados segue ignorada.
“Precisamos com urgência de um banco de dados global sobre eventos de mortalidade em massa causados pelo clima e de avaliações mais frequentes e abrangentes sobre a capacidade de adaptação das espécies”, defende Ripple. O estudo também destaca a urgência de integrar políticas de biodiversidade e mudança climática de forma coordenada, em escala global.
Proteger a vida no planeta exige mais do que conservar áreas verdes ou salvar espécies carismáticas, destacam. É preciso enfrentar o maior desafio de todos – o clima em mudança – com informação, ação e colaboração global.
Biodiversidade e futuro da humanidade
As mudanças climáticas não afetam apenas indivíduos ou espécies isoladas – elas alteram a teia da vida. Quando uma espécie some ou declina drasticamente, todo o ecossistema sente. Polinizadores, predadores, presas, parasitas, todos desempenham papéis fundamentais na manutenção do equilíbrio ambiental. As mortes em larga escala ameaçam os ciclos de nutrientes, a cadeia alimentar e até mesmo o equilíbrio do carbono na atmosfera.
“Esses impactos em cascata devem alterar profundamente os ciclos ecológicos e a interação entre espécies. Precisamos entender esses riscos para tomar decisões políticas mais bem informadas”, reforça Ripple.
De que formas a crise do clima afeta a biodiversidade?
O aumento da temperatura global, provocada pela queima massiva de combustíveis fósseis, como petróleo e gás, entre outras atividades humanas, modifica ecossistemas-chave para o equilíbrio da vida na Terra, como florestas, recifes de coral, tundras e zonas úmidas. Espécies que dependem de condições climáticas específicas podem perder seus habitats ou ser forçadas a migrar para novas áreas, nem sempre conseguindo se adaptar.
O aquecimento global também interfere nos chamados ciclos sazonais, como a época de reprodução, floração e migração, o que pode causar descompasso ecológico — por exemplo, aves migratórias chegando antes ou depois da época de maior disponibilidade de alimento por conta das mudanças na floração.
E quem nem de lugar consegue mudar? Espécies com baixa capacidade de adaptação, com área de distribuição restrita ou já ameaçadas, são especialmente vulneráveis. Um exemplo, já visto, são os recifes de coral, que sofrem branqueamento por causa do aumento da temperatura dos oceanos.
A acidificação dos oceanos, provocada pelo aumento de CO₂, afeta ainda outros organismos marinhos com estruturas calcárias, moluscos e algumas espécies de plânctons, que são a base da cadeia alimentar marinha.
Secas, incêndios florestais, enchentes e tempestades mais frequentes e intensas também afetam diretamente a sobrevivência das espécies e a integridade dos ecossistemas, reduzindo a disponibilidade de alimento e abrigo.
O desequilíbrio da teia vida em um mundo mais quente não para aí. A alta das temperaturas pode favorecer espécies invasoras que competem com as nativas por recursos ou introduzem novas doenças.
Por fim, a redução da biodiversidade afeta os chamados serviços ecossistêmicos, como a polinização, o controle de pragas, a purificação da água e do ar e o próprio sequestro de carbono.
Fonte: Um só Planeta