“Megaestrutura” ou empreendimento conservador? A classificação do porte do complexo da Taquaril Mineração S.A (Tamisa), que prevê escavação de 101 hectares da Serra do Curral – área equivalente a um terço da do Parque das Mangabeiras –, é mais um dos pontos de confronto entre ambientalistas, que temem impactos severos do projeto, e órgãos do governo estadual e representantes do setor produtivo, que se apoiam no argumento de que o licenciamento dado à empresa foi baseado em decisões “técnicas” para minimizar a possível devastação.
Utilizando como base os dados dos mapas do dossiê de tombamento da Serra do Curral produzido pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha), a reportagem do Estado de Minas calcula que área que a Tamisa pretende minerar corresponde a cerca de 20% das manchas de destruição já deixadas pela mineração (veja quadro comparativo e mapa) na formação montanhosa, um dos símbolos mineiros.
Em outras palavras, vai representar um aumento de 20% na área devastada. Se levadas em conta apenas as duas minas em atividade atualmente, que somam 9,01 hectares (ha), a Tamisa reinará como a maior mineração no local , com área explorada 11,2 vezes maior.
De acordo com os dados baseados no mapeamento do Iepha e dos datélites usados pelo Google Earth e a ONG Global Forests Watch sobre concessões de mineração e outras informações, a área de tombamento da Serra do Curral na proposta do dossiê considerada “Área Tombada” dentro da “Área de Estudos” é de 6.320ha (pouco maior que o Parque Estadual do Itacolomi, entre Ouro Preto e Mariana). Atualmente, a mancha de devastação deixada por atividades minerárias exercidas por décadas é de 511,07ha, o que corresponde a 8,08%. Essa mancha poderá aumentar em quase um quinto com a Tamisa. Atualmente, se descontada a mancha de ocupação urbana da serra (7,48%), restam 5.335,63 ha de área nativa ou em recuperação sem atividades, equivalentes a 84,42% do total da Serra do Curral.
Com a liberação completa do projeto da Tamisa, já detentora de licenças de Instalação e Prévia para a fase 1 (41ha) e a fase 2 (60ha) a mancha de atividades minerárias cresce para 612,31ha – ou 9,68% do total da área que se pretende tombar – e para 1.085,61ha na soma das áreas urbana e mineradas, totalizando uma ocupação de 17,17% do espaço potencialmente preservável. A mineração da Tamisa praticamente se debruçará sobre as encostas de Nova Lima, a uma distância de poucos metros da dobra do cume das montanhas, ou seja, do início do território de Belo Horizonte. Ainda assim, os argumentos da capital mineira foram deixados de fora do processo legal de licenciamento do projeto.
“Esse projeto vai simplesmente fazer um rombo no corredor ecológico que permite a movimentação de várias espécies pela Serra do Curral. Com certeza, a movimentação de veículos e o barulho da extração de minério afugentarão o fluxo normal dos animais. E a Serra do Curral é importante para ligar, principalmente, a avifauna da região da Serra do Cipó com as serras do Rola-Moça e Moeda. Cortar esse fluxo compromete a variabilidade genética e prejudica as populações”, observa o professor de química, pesquisador de espeleologia e ativista ambiental Luciano Faria.
Paulo Carvalho, diretor da ONG de conservação das aves EcoAvis, concorda que a mineração proposta na Serra do Curral terá um grande impacto no corredor ecológico, que considera já altamente impactado. “As plantas dependem das aves e dos insetos para sua reprodução e dispersão. De forma similar, insetos e aves dependem de plantas específicas para alimentação, abrigo e reprodução. Pequenas perturbações neste equilíbrio podem ter efeitos catastróficos sobre as populações de um ecossistema. E mal conhecemos as dinâmicas que serão afetadas em um campo ferruginoso de altitude e suas dependências em relação aos remanescentes de Mata Atlântica”, diz.
Poeira chegando aos bairros Serra e Santa Efigênia, ruídos nas comunidades e impactos preocupantes nos recursos hídricos que abastecem a Grande BH teriam sido trocados por alinhamentos que se tornam permissões consideradas “absurdas” para a ambientalista Maria Tereza Viana de Freitas Corujo, a Teca, que integra vários movimentos para defender as cadeias montanhosas e águas mineiras. “Além de graves alterações na legislação ambiental (níveis estadual e federal) feitas em especial nos últimos 10 anos, existe o descumprimento do que ainda temos e que protegeria esse patrimônio único de biodiversidade. Tudo atrelado a um sistema de gestão pública que tem como política prioritária atender aos interesses econômicos de grandes grupos, como é o caso da mineração em Minas Gerais”, observa.
Secretaria minimiza: “Não é megaempreendimento”
O Sistema Estadual de Meio Ambiente (Sisema) e o setor minerário têm se posicionado a favor da mineração da Tamisa na Serra do Curral com o discurso de que os impactos estão tecnicamente dentro da tolerância da legislação. Na outra ponta, há críticas legais e denúncias de deputados, Prefeitura de Belo Horizonte, ministérios públicos Federal e Estadual, partidos e ambientalistas.
Em audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, na quinta-feira a secretária de estado de Meio Ambiente e desenvolvimento sustentável (Semad), Marília Carvalho de Melo, encolheu retoricamente os impactos e as dimensões da Tamisa. “O projeto foi readequado (em 2019), com diminuição, inclusive, da área de exploração. A área total da fazenda onde o empreendimento está é de 1.250 hectares (ha). Mas o projeto, na sua primeira fase aprovada no Copam fará intervenção em 41 hectares. Isso equivale a 0,54% da área da Serra do Curral”, disse. “E a compensação é um ponto a se destacar. A compensação equivale a 83ha”, contemporiza Melo.
Ela minimizou os impactos sobre recursos hídricos, desconsiderando alertas de ambientalistas para outros efeitos. “Já há uma captação em um poço tubular que terá 10 litros por segundo (l/s) de vazão . Na segunda fase, serão outros três, que somarão 54 l/s. Só o abastecimento público da Copasa na Grande BH é de 18.900 l/s”, comparou.
O superintendente de projetos prioritários da Semad, Rodrigo Ribas, compara a exploração projetada pela Tamisa, que retirará 1 milhão de toneladas de minério de ferro por ano na primeira fase e 3 milhões na segunda, à de outras mineradoras. “Falaram de megaempreendimento na Serra do Curral. Para se ter uma ideia, a Samarco, em Mariana, tem licenciada (a exploração) de 29 milhões de toneladas por ano e é muito maior. Itabira (Vale) tem uma licença de produção anual de 96 milhões. Não se compara. Não dá para falar de megaempreendimento nesse caso”.
Já o consultor da Tamisa Leandro Amorim afirma que a empresa seguiu todas as regras. “ Se o que se está propondo (suspender as licenças) virar regra, não existirá mais licenciamento ambiental em Minas”, afirma. (MP)
Com empresa fechada, juiz manda intimar diretor em casa
Após uma oficial de Justiça não encontrar representantes da Taquaril Mineração S.A (Tamisa) na sede da empresa, em Nova Lima, na Região Metropolitana, a companhia emitiu nota para informar que adotou o trabalho remoto. Diante das dificuldades para notificar a mineradora do prazo de 10 dias para se manifestar no processo em que a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) pede a suspensão da licença para exploração na Serra do Curral, o judiciário intimou pessoalmente, ontem, Cristiano Pinto Caetano da Cruz, um dos diretores da Tamisa.
“É interesse da empresa o imediato e completo esclarecimento de todo e qualquer questionamento judicial, pelo que seu diretor já entrou em contato com Secretaria da 22ª Vara Federal se colocando à disposição para receber qualquer mandado judicial de intimação ou citação, inclusive nos finais de semana”, lê-se em comunicado enviado pela Tamisa ao Estado de Minas.
Há dois dias, o juiz federal Carlos Roberto de Carvalho deu 10 dias para que a empresa e o governo se manifestem sobre a liminar solicitada por Belo Horizonte. Com a dificuldade de encontrar representantes da Tamisa, porém, o prazo ainda não começou a correr. A Procuradoria-Geral do Município (PGM) solicitou, então, a citação por “hora certa”. O mecanismo permite que o período estipulado comece a contar sem que haja a efetiva ciência da companhia. Para isso, basta Cristiano ser encontrado em casa.
Na quinta-feira, uma emissária do Poder Judiciário esteve no prédio onde a Tamisa informou estar baseada. A porteira do edifício – na Avenida Oscar Niemeyer, em Nova Lima – no entanto, afirmou não ver funcionários da mineradora no local há cerca de dois anos. Segundo a mineradora, a sede permaneceu fechada por causa das restrições impostas pela pandemia Covid-19.
“O funcionamento se deu em regime de home office, regime este que prepondera até a presente data”, apontam os representantes. “Após a concessão das licenças junto aos órgãos ambientais competentes, os diretores e consultores da empresa estão empenhados em inúmeras atividades externas, que englobam tanto aquelas necessárias ao atendimento das condicionantes que devem ser cumpridas, quanto pelo empenho e dedicação no esclarecimento de dúvidas e questionamentos de autoridades e meios de imprensa”, continua a empresa.
A decisão da Justiça pela intimação pessoal a Cristiano da Cruz veio horas após a Prefeitura de BH anexar, ao processo pela suspensão da licença, a comunicação da oficial informando o fracasso na tentativa de contato com a Tamisa. Em dezembro do ano passado, outra emissária do Judiciário foi ao prédio em Nova Lima para informar a empresa sobre uma ação civil pública do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). Também não houve sucesso.
“A mineração da serra que dá nome a Belo Horizonte já exige cautelas por si só. Com ainda mais razão agora que se sabe que a empresa tem uma sede com indícios de ser de fachada, como certificado, com fé pública, pelo oficial de Justiça ao colher o relato do porteiro do prédio de que ‘não tem visto funcionários da empresa no local’ há mais de um ano”, apontou o subprocurador-geral do Contencioso, Caio Perona, ao pedir a Justiça a citação por “hora certa”.
O magistrado Carlos de Carvalho, por sua vez, apontou “suspeita de ocultação”. “Diante da suspeita de ocultação da empresa, deverá ser feita a citação por hora certa”, lê-se em trecho do despacho do juiz Carlos Roberto de Carvalho, da 22° Vara Federal.
Segundo as informações cadastrais da Tamisa, apresentadas à Receita Federal, o quadro societário tem, além de Cristiano da Cruz, o diretor Guilherme Augusto Gonçalves Machado. A empresa tem relações com a Cowan, construtora responsável pelo viaduto Batalha dos Guararapes, que caiu sobre um ônibus em 2014, em Belo Horizonte. O acidente matou duas pessoas e feriu 23. (GP)
Fonte: Estado de Minas