O desmatamento em terras indígenas na Amazônia entre 2013 e 2021 causou a emissão de 96 milhões de toneladas de gás carbônico, segundo novo estudo publicado na revista científica Scientific Reports, do grupo Nature. O governo Bolsonaro concentra 59% dessas emissões, ou 57 milhões de toneladas de CO2. Em relação ao período analisado, os três primeiros anos de Bolsonaro registraram alta de 195% no desmatamento e avanço de 30%, a partir das bordas, para dentro das terras indígenas na floresta, chegando a áreas antes conservadas.
Pesquisadores no IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) integram a equipe que trabalhou no relatório, composto por cientistas de dez instituições e universidades localizadas no Brasil, nos Estados Unidos, na Holanda e no Reino Unido.
“Os territórios indígenas sempre foram eficazes na conservação das florestas na Amazônia brasileira, evitando a emissão de gases do efeito estufa para a atmosfera. No entanto, durante o governo Bolsonaro, com o enfraquecimento das instituições ambientais e tentativas inconstitucionais de exploração econômica desses territórios, o desmatamento aumentou significativamente. Junto com essa atividade vem a emissão de gás carbônico, que compromete as metas de redução assumidas pelo Brasil em acordos climáticos. Os resultados do nosso trabalho, portanto, são uma importante contribuição para o novo governo na reconstrução do sistema de gestão ambiental do país”, avalia Celso Henrique Leite Silva Junior, pesquisador associado no IPAM e no pós-doutorado da UCLA (Universidade da Califórnia Los Angeles), que liderou o estudo.
A quantidade de gás carbônico liberada na atmosfera só pelo desmatamento em terras indígenas amazônicas no período é 1,8 vezes maior que a média anual de emissões brasileiras por processos industriais, entre 1970 e 2021, conforme dados do SEEG (Sistema de Estimativa de Emissões e Remoções de Gases do Efeito Estufa). É mais que a soma das emissões anuais dos estados Roraima e Amapá. O gás carbônico é um dos gases do efeito estufa que, liberado em excesso por atividades humanas, causa o aumento da temperatura média do planeta e, assim, o superaquecimento da Terra. As alterações provocadas por essa mudança no clima acarretam, por exemplo, a maior ocorrência de eventos climáticos extremos.
Se o desmatamento avançava, ilegalmente, mais 6,8 km ao ano para dentro das terras indígenas, a partir das bordas, durante o governo Bolsonaro chegou a 8,9 km ao ano, cada vez mais para dentro das terras que deveriam ser de uso exclusivo de seus povos. Essa realidade se traduz em mais ameaças nas áreas que já estão sendo internamente pressionadas pela ocupação ilícita, avalia um trecho do artigo.
Entre as 232 terras indígenas analisadas, 42% apresentaram aumento significativo do desmatamento, sendo 20 delas com situação crítica. A mais afetada no período analisado foi a terra indígena Apyterewa, no Pará.
O estudo ressalta terras indígenas como modelos de “bom funcionamento” da floresta: além de protegerem a diversidade socioambiental e cultural, contribuem para a redução do desmatamento e de focos de incêndio, consequentemente, das emissões de gases superaquecedores do planeta, oriundas dessas atividades. Mas pesquisadores alertam que essas funções ficaram ameaçadas pelo enfraquecimento da governança, pelos retrocessos ambientais e pela queda na proteção dos direitos das pessoas indígenas nos últimos anos.
Ao menos desde 2013 o desmatamento vem crescendo dentro de terras indígenas da Amazônia. A mineração ilegal é o principal motor para a maior intensidade observada na atividade a partir de 2019. Dentro das terras, a proporção de alertas de desmatamento classificados, posteriormente, como áreas de mineração, subiu de 1% em 2016 para 14% em 2021; ainda, 19% no primeiro semestre de 2022.
“Esse aumento do desmatamento, principalmente durante o governo Bolsonaro, é preocupante porque tem colocado em risco a integridade não só dos territórios, mas dos povos indígenas. Ainda mais relacionado a atividades ilegais, como garimpo e exploração madeireira. Isso precisa ser combatido urgentemente. O IPAM e a COIAB publicaram uma nota técnica no começo do ano que identifica os riscos impostos a povos indígenas e povos indígenas isolados na Amazônia brasileira por conta de ilegalidades como essas, e aqueles em isolamento voluntário são os mais ameaçados em sua existência”, acrescenta Ane Alencar, diretora de Ciência no IPAM, também autora do artigo.
Os autores listam recomendações para reverter o cenário, entre elas: o fortalecimento da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), com mais recursos e aumento de pessoal, garantindo o envolvimento de povos indígenas nos processos de tomada de decisão; a revogação de legislações que representam retrocessos; o apoio a projetos de restauração dos ecossistemas e à iniciativas de agricultura sustentável; bem como o investimento em monitoramento por sensoriamento remoto.
A criação de uma faixa de segurança de 10 km ao redor de terras indígenas, como área de proteção dos impactos de atividades exploradoras, como a mineração ou projetos de infraestrutura, e o cancelamento de registros irregulares de CAR (Cadastro Ambiental Rural) dentro das terras, com a impossibilidade de criação de novos cadastros, também são medidas recomendadas.
Fonte: Blog do Pedlowski