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ESPÉCIES EM RISCO

Desmatamento e pecuária ameaçam espécies de preguiça da Mata Atlântica

Endêmicas do bioma braisleiro, a preguiça-de-coleira-do-nordeste e a preguiça-de-coleira-do-sudeste são ameaçadas pelo desmatamento em detrimento da pecuária

19 de março de 2024
Camilla Almeida
7 min. de leitura
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Foto: Kai Squires | Wikimedia Commons

Mata Atlântica abriga uma das maiores biodiversidades do mundo. Dentre a mais variada fauna que habita o bioma, é possível encontrar três espécies de bicho-preguiça: a preguiça-de-três-dedos (Bradypus variegatus), a preguiça-de-coleira-do-nordeste (Bradypus torquatus) e a preguiça-de-coleira-do-sudeste (Bradypus crinitus).

A preguiça-de-três dedos ocorre em outros biomas do Brasil e também em outros países, mas as preguiças-de-coleira são endêmicas da Mata Atlântica, ou seja, têm ocupação restrita àquela região. Isso gera preocupação por conta do avanço do desmatamento no bioma – que hoje tem 24% da cobertura florestal original, de acordo com a Fundação SOS Mata Atlântica, a partir de dados do MapBiomas.

A fim de compreender os riscos da perda de cobertura vegetal da Mata Atlântica para as preguiças, pesquisadores de diferentes instituições brasileiras se uniram para analisar a distribuição espacial e temporal das principais ameaças a esses animais. Os resultados foram divulgados em janeiro, na revista Mammal Review, em artigo assinado por Paloma M. Santos, Juliano A. Bogoni e Adriano G. Chiarello.

A partir de mapas e dados do MapBiomas, a equipe constatou que, atualmente, grande parte do habitat desses animais é ocupado por áreas de pastagem. No caso da preguiça-de-coleira-do-nordeste, 49% da região onde ela vive virou pasto; já no da preguiça-de-coleira-do-sudeste, esse índice é de 56%.

De acordo com Paloma Santos, pesquisadora Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA), existem poucos dados sobre o status de vulnerabilidade dessas espécies. “O conhecimento sobre as ameaças a esses animais são escassos. Onde eles estão distribuídos? Sua população aumentou ou diminuiu com o tempo? Quais os vetores de ameaças mais responsáveis pelo desmatamento? Nossa pesquisa busca preencher essas lacunas”, explica.

A preguiça-de-coleira-do-Nordeste e a preguiça-de-coleira-do-Sudeste antes eram classificadas como uma só espécie. Até que uma revisão taxonômica concluída em 2023 a distinção entre elas. Como os nomes indicam, a diferença está na distribuição geográfica: a do Nordeste ocupa resquícios de Mata Atlântica na Bahia e em Sergipe, e a do Sudeste se limita ao Rio de Janeiro e o Espírito Santo.

Para compreender as ameaças a esses mamíferos, os pesquisadores analisaram dados desses estados em um intervalo de 32 anos (de 1988 a 2020), que abarcou três gerações populacionais de preguiças.

Em seguida, eles mediram as taxas de transição de floresta para pasto e de pontuais reflorestamentos nas áreas habitadas pelas duas espécies ao longo desse período. “Pegamos grids de 2 por 2 quilômetros e vimos quantas ameaças tinham naquele quadrado’ detalha Juliano Bogoni, professor visitante da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT). “Vimos que o pasto ocupa grande parte da área da preguiça, então, tínhamos uma noção de que se tivesse uma área com só uma ameaça, provavelmente seria a pecuária.”

A análise indicou ainda uma certa regeneração na floresta no período considerado, principalmente nas áreas ao sul da Mata Atlântica, mas não o suficiente para despreocupar os pesquisadores.

Perigo iminente

Animais herbívoros que geralmente ficam nas copas das árvores, as preguiças sofrem ainda com outras ameaças além da perda de habitat para a pecuária: ataques por cachorros domésticos, atropelamentos e eletrocução são algumas delas, de acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

“Cada vez mais, os fragmentos de floresta são rodeados por pastagens. E essas pastagens aqui no Brasil, elas são todas limpas. Isso afeta negativamente esses animais porque eles terão que despender de muita energia para cruzar um pasto, além de ficarem mais suscetíveis a predadores como cachorro doméstico”, observa Santos.

Antes da revisão taxonômica, a preguiça-de-coleira era classificada como Vulnerável (VU) pelo ICMBio. O diagnóstico do risco de extinção das espécies após ainda não foi realizado, mas os pesquisadores acreditam que, com os dados obtidos pelo estudo, as duas devem entrar na lista de Criticamente em Perigo (CR). Esse é o status mais preocupante dentre as classificações do ICMBio.

De acordo com os pesquisadores, essa categorização é importante para traçar um plano de ação em prol conservação desses animais. “Agora sabemos que o norte da Bahia e o sul Sergipe são lugares críticos que precisamos atuar. Sabemos também que o Rio de Janeiro é um lugar que desperta apreensão, com uma baixa cobertura florestal”, comenta Bogoni. Políticas públicas multidisciplinares, abrangendo tanto medidas ambientais quanto econômicas, são exemplos de ações que podem ajudar a proteger esses animais.

Um bioma ameaçado

Cerca de 8,5% da área original de Mata Atlântica é protegida por Unidades de Conservação (UCs). Mesmo assim, entre 1985 e 2017, mais de 80% dos fragmentos florestais remanescentes da Mata Atlântica sofreram com a perda de biodiversidade e biomassa por conta da ação humana, segundo revela um artigo publicado em 2020 na revista Nature Communications.

Para Adriano Chiarello, coordenador do Laboratório de Ecologia e Conservação (LAEC) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP), as UCs não são suficientes para a conservação do bioma – é preciso conversar com o setor privado também se comprometa com medidas de proteção a fauna e flora.

“A maior parte do que existe de Mata Atlântica não está dentro de Unidades de Conservação, mas sim na propriedade agrícola privada. Então, o ônus desse ‘não desmatar’ ou desse ‘restaurar’ está com o proprietário rural”, afirma Chiarello.

Sancionado em 25 de maio de 2012, o “Novo Código Florestal” estipula diretrizes relacionadas à proteção da vegetação nativa. Ela aborda questões como a preservação dos biomas brasileiros bem como regulamenta a exploração florestal. A norma define que, na Mata Atlântica, 20% do terreno rural deve ser mantido com cobertura de vegetação nativa sob uma área delimitada como Reserva Legal (RL).

Além disso, topos de morro, nascentes de água e matas ciliares, conhecidas como Áreas de Proteção Permanente (APPs), devem ser conservadas independentemente da área de RL. “Respeitando a legislação, você cria um mosaico mais amigável para as populações de preguiça”, afirma Chiarello. “A mensagem que buscamos passar com esse artigo é de que, se realmente quisermos caminhar para um Brasil grande produtor agrícola, essa produção deve ser alinhada com a conservação.”

Fonte: Revista Galileu

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