A Mata Atlântica é um dos biomas mais relevantes do planeta. Estende-se pela costa brasileira do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul. Desde 1500, com a chegada dos portugueses, enfrenta ameaças e destruição. Restam apenas 12,4% de florestas originais. Conservar a Mata Atlântica desafia sociedade, ambientalistas e governos. Em Campos dos Goytacazes fica o Parque Estadual do Desengano, que também abrange São Fidélis e Santa Maria Madalena. Trata-se da mais antiga Unidade de Conservação da região que protege o que restou de Mata Atlântica, mas ainda há riscos de desmatamento e devastação. Isto compromete o meio ambiente, potencialidades turísticas e econômicas na região.
O Parque Estadual do Desengano possui 22.400 hectares de área. A maior parte se concentra na região serrana de Campos, onde estão, por exemplo, as cachoeiras do Imbé e o Rio Mocotó. No lugar cheio de belezas raras, há quase sempre a ameaça de derrubada da mata e de caça aos animais. A região é uma amostra do que ocorre no Brasil. De acordo com o Atlas Mata Atlântica, da Fundação SOS Mata Atlântica em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Especiais, a destruição da floresta cresceu nos últimos anos. Entre 2020 e 2021 foram derrubados no país 21.642 hectares da mata. Entre 2018 e 2020 foram derrubados 13.053 hectares. Entre 2017 e 2018, a floresta perdeu 11.399 hectares de área.
O gestor do Parque Estadual do Desengano, Carlos Dario, se baseia nos dados do SOS Mata Atlântica para a situação desse tipo de vegetação no Rio de Janeiro.
“O Estado possui 30% de vestígios de Mata Atlântica fragmentados. Metade se concentra nas Unidades de Conservação. Neste cenário, o Rio de Janeiro se destaca como o que mais contribui para preservação do bioma, tem os menores índices de supressão deste tipo de vegetação entre os entes da federação. A Mata Atlântica apresenta maior concentração à medida que nos aproximamos das montanhas que compõem o Parque Estadual do Desengano. Isto auxiliou na preservação, já que as áreas de baixadas litorâneas eram naturalmente mais acessíveis”.
Segundo Dario, o desmatamento tem sido combatido dentro e fora do parque. “Isto ocorre de forma pontual, quando visto de uma forma mais ampla, por fatores distintos e complementares. Há maior fiscalização de estados, municípios e União; fiscalização dos guardas do Desengano, monitoramento via satélite (Projeto Olho no Verde); denúncias da população e estagnação econômica da região, que inviabiliza a iniciativa de exploração de madeira nativa”, diz.
O pesquisador e ambientalista Aristides Sofiatti é cauteloso sobre a situação da Mata Atlântica na região.
“Fizemos uma proposta ao Instituto Estadual do Ambiente de ampliar o limite sul do Parque Estadual do Desengano, a fim de abranger o que restou da MA no Vale do Imbé, Lagoa de Cima e Morro do Itaoca. Chegou a ser feito um estudo que aprovou a proposta. Não havendo interesse do Estado, conseguimos aprovar no Plano Diretor de Campos, a ampliação da Área de Proteção Ambiental da Lagoa de Cima, a fim de proteger um remanescente considerável de Mata Atlântica. Não saiu do papel. Não acreditamos que uma Unidade de Conservação de Proteção Integral funciona sem problemas no Brasil. Ocorre desmatamento dentro e no entorno do Parque”, diz Sofiatti.
Desde 2008, Enos Gama Tubarão é guia autorizado a atuar no Parque Estadual do Desengano, em Campos. O desmatamento é uma preocupação constante, segundo ele. “É a Unidade de Conservação mais antiga do Rio de Janeiro, criada em 13 de abril de 1970, reconhecida internacionalmente pela biodiversidade. O desmatamento ilegal acontece ainda de forma expressiva no entorno do PED, e de forma reduzida dentro da área, mas vejo redução na atuação de caçadores e palmiteiros na região”, diz.
Ameaças e reflorestamento
Para o geógrafo e professor da Universidade estadual do Norte Fluminense, Marcos Pedlowski, a floresta primária resistiu apenas nas áreas de declividade e altitude maiores. “Em Campos dos Goytacazes existem fragmentos do bioma Mata Atlântica, mas muitas vezes cercados por pastagens e pela monocultura da cana. Com isso, esses fragmentos tendem a se tornar inviáveis no tempo, pois ficam cercados por outros tipos de cobertura da terra, sob pressão das queimadas utilizadas na limpeza dos campos de cana, como é o caso dos incêndios recorrentes no Parque Estadual de Guaxindiba, em São Francisco do Itabapoana”, compara.
O pesquisador destaca a necessidade preservar a Mata Atlântica em uma região tão devastada a região Norte Fluminense. “Eu diria que esse problema em Campos dos Goytacazes não se manifesta pelo fato de que aqui quase não há mais o que ser desmatado, e o que restou está dentro de diferentes tipos de unidade de conservação. O próprio Parque Estadual do Desengano sofre com ações ilegais, seja por caça ilegal ou por desmatamentos na área de amortecimento, que deveria estar isenta de sofrer remoção de floresta primária”, observa Pedlowski.
O biólogo Nilson Berriel é mestre em Ecologia e Recursos Naturais pela Uenf. Para ele, o desmatamento tem provocado graves danos à fauna e flora. “São prejudicados pela fragmentação das áreas de mata. As bordas criadas com o desmatamento prejudicam a vegetação e as torna menos resilientes a eventos como clima e vento. Há impactos na saúde humana, alterações no ciclo hidrológico e diminuição da diversidade. São necessárias ações conjuntas do poder público municipal e de outras esferas, fiscalização frequente do entorno do PED para evitar atividade madeireira ou de grilagem”, comenta.
Berriel defende o reflorestamento e recomposição da Mata Atlântica na região. “Com certeza é possível. São necessários mais investimento, conscientização e educação sobre o assunto, além de políticas públicas que incentivem estas ações. Um dos métodos utilizados para recuperar as áreas degradadas e manter uma produção agrícola são as agroflorestas. Um sistema que combina o plantio de espécies arbóreas e as espécies de cultura agrícola, recuperando o solo, a vegetação local e ainda possibilitando a produção agrícola”, defende.
O ambientalista Aristides Soffiati também acredita na capacidade de recuperação da mata. “Há conhecimento acumulado sobre tal recuperação experiências bem sucedidas no Brasil. Há anos insisto nessa tecla junto às autoridades regionais, mas elas preferem a compensação do preguiçoso e do oportunista: incluir o Norte/Noroeste no semi-árido, como se esse nosso semi-árido não tivesse sido produzido por ação humana”, critica.
Belezas do Desengano
Há seis anos, Pedro Trindade é condutor de visitantes credenciado no Parque do Desengano, em São Fidélis. “Dentre as atividades realizadas, podemos citar o estudo científico, ecoturismo, passarinhada (observação de aves), além de inúmeras modalidades de esportes de aventura. Meu trabalho proporciona ótimas experiências, muitas vezes inéditas, para as pessoas. Mostro os diversos benefícios que uma vida em contato com a natureza oferece. No PED, há belezas de todos os tipos que agradam diversos grupos. Quem tiver oportunidade, precisa visitar essas riquezas. São praticamente desconhecidas pela população em geral”, avalia.
O guia Enos Tubarão se encanta pela fauna e flora do parque. “Me chama muito à atenção a variedade de plantas. Há animais raros ameaçados, como o muriqui do norte (maior primata da região) e a onça parda (puma). Aqui há madeiras de lei, cedro, jaracarandá, bromélias e orquídeas. Os grande mananciais de água limpa também. Já mapeei 16 cachoeiras em Campos e conheço bem o Rio Mocotó O turismo e a conservação do local dependem de todos os gestores públicos. Explorar a mata de modo sustentável e consciente é viável economicamente”, acredita.
Para o gestor do Parque Estadual, Carlos Dario, a mais nova atração do Desengano é o Dark Sky Park, primeiro lugar da América Latina a receber título devido à qualidade excepcional de observação de estrelas. “Nossos visitantes têm a possibilidade de olhar o firmamento além das copas das árvores, durante a noite. Observamos o mesmo céu que nossos mais remotos antepassados observavam. Iniciamos o treinamento de guias de visitantes noturnos. Isto vai garantir uma experiência segura, agradável e única aos nossos turistas. Para nós, no Desengano, nem o céu é o limite”, conclui.
Fonte: Jornal Terceira Via