Porcos, eles não são. Nem quanto à higiene, nem quanto à taxonomia. Ainda assim, é como porcos-do-mato que costumamos tratar os catetos (Tayassu tajacu) e as queixadas (Tayassu pecari), as duas espécies nativas da família Tayassuidae.
Eles se parecem com porcos, é verdade, têm até ‘focinho de tomada’, em forma de disco móvel, eficiente na localização de alimentos e na percepção de perigo – como a aproximação de um predador – ou na exploração do ambiente. Mas são geneticamente distantes dos porcos domésticos (Sus domesticus) pertencentes à família Suiidae e mais aparentados com os javalis (Sus scrofa) e suas 36 subespécies originárias da Europa, Ásia e extremo Norte da África.
Tais diferenças genéticas, em alguns casos, dificultam a transmissão de doenças desses animais silvestres para seus semelhantes domésticos. “É maior a possibilidade de os animais domésticos transmitirem doenças para os silvestres do que o contrário, pois o adensamento de animais em cativeiro cria um ambiente mais favorável para a proliferação dos patógenos”, explica a veterinária Alessandra Nava, do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ). Ela fez um levantamento desses patógenos – ou seja, bactérias e vírus causadores das principais doenças infecciosas – colhendo amostras de sangue tanto dos animais domésticos como de catetos, queixadas, marsupiais e onças, no Parque Estadual Morro do Diabo e em seu entorno, no Pontal do Paranapanema (SP).
Apesar da crença popular que atribui aos animais silvestres a ‘culpa’ pela disseminação de toda e qualquer doença, o estudo demonstrou que muitos patógenos são diferentes nas populações silvestres e domésticas. Assim, no caso da brucelose e da leptospirose, por exemplo, embora sejam doenças encontradas tanto no gado bovino como em catetos e queixadas, os patógenos são geneticamente diferentes. “Isso significa que não houve transmissão entre silvestres e domésticos”, esclarece Alessandra. “A leptospirose que o gado tem, no Pontal, não foi transmitida nem por ratos silvestres, como se acredita, pois a bactéria (leptospira) testada nos bois é diferente daquela encontrada nos animais silvestres”.
Cada doença infecciosa tem um comportamento diferente e mesmo cada surto ou epidemia de uma mesma doença tem características diferentes. Por isso não se pode generalizar, apontando a fauna silvestre como vilã antes de saber o que aconteceu. Desde 2007, quando os primeiros macacos-prego foram encontrados mortos no Parque Nacional de Brasília (DF) com sintomas de febre amarela, muitos primatas já foram julgados culpados e condenados à morte pela população apavorada, incluindo algumas espécies de saguis, resistentes à doença. Neste ano, a história se repete com bugios no Rio Grande do Sul, saguis e macacos-prego no Paraná.
No caso da atual epidemia de influenza H1N1, surgida no México, só o fato de ser chamada de gripe suína também coloca qualquer porco no banco dos réus. Mesmo os porcos-do-mato que não são da mesma família dos domésticos ou os porcos e javalis criados em cativeiro e estão com a saúde em dia. “Eles são tão vítimas quanto os humanos, exterminá-los não previne os humanos de contágio”, alerta Alessandra Nava, hoje integrante de uma rede de pesquisadores que estudam a ecologia de doenças infecciosas e parasitas, sob a coordenação da organização não-governamental Wildlife Trust. “Eliminar os animais infectados nem sempre é um meio efetivo de reduzir a transmissão da doença”, reforça Kurt Vandegrift, da mesma ONG e da Universidade de Columbia (EUA).
Fonte: EPTV.com