A desinformação sobre a emergência climática está agravando a crise e pode estar transformando uma situação urgente em uma catástrofe iminente, aponta um novo relatório do Painel Internacional sobre o Ambiente da Informação (IPIE). Após revisar sistematicamente 300 estudos, os pesquisadores concluíram que mentiras deliberadas estão bloqueando ações efetivas contra o aquecimento global — e muitas delas partem diretamente de empresas de combustíveis fósseis, políticos de extrema-direita e até de governos nacionais.
“A desinformação é um problema grave. Se não tivermos acesso à informação correta, como poderemos votar em propostas e líderes comprometidos com a ciência, ou exigir as ações necessárias?”, questiona o pesquisador Klaus Jensen, da Universidade de Copenhague, que co-liderou o estudo. “Sem integridade informacional, não há como enfrentar a emergência climática”, alerta.
O relatório mostra que a negação da crise climática evoluiu: se antes negava-se a existência do aquecimento global, hoje o foco está em desacreditar as soluções. Exemplo disso foi a falsa alegação de que fontes renováveis foram responsáveis por um apagão recente na Espanha.
A propagação dessas narrativas falsas é intensificada por robôs automatizados e contas falsas em redes sociais. Autoridades políticas e reguladores também estão sendo atacados com o objetivo de retardar decisões que acelerem a transição energética.
A pressão por responsabilização está crescendo. Na última semana, a relatora especial da ONU para direitos humanos e mudanças climáticas, Elisa Morgera, defendeu que a desinformação e o greenwashing praticados por empresas fósseis sejam criminalizados. Para ela, é urgente “desfossilizar os sistemas de informação”.
A relatora recomenda a criminalização tanto das empresas que propagam desinformação quanto das agências de publicidade e veículos que amplificam tais mensagens. Em junho de 2024, o secretário-geral da ONU, António Guterres, já havia pedido a proibição da propaganda de empresas fósseis, chamando-as de “chefões do caos climático”.
Brasil lidera iniciativa na ONU
O Brasil, país-sede da COP30, que será realizada em Belém do Pará, deve lançar neste fim de semana uma iniciativa global pela integridade da informação climática, relata o The Guardian. A proposta será debatida nas negociações climáticas em Bonn, na Alemanha, com apoio de países como Reino Unido, França, Chile e Marrocos.
Audrey Azoulay, diretora-geral da Unesco, reforçou a gravidade da situação: “A desinformação climática está fora de controle nas redes sociais”.
Entre as descobertas do relatório estão:
- A indústria de combustíveis fósseis tem praticado uma “dupla enganação”: primeiro, negando a crise climática e atrapalhando ações; depois, promovendo campanhas de greenwashing para parecer sustentável.
- Outros setores envolvidos incluem empresas de energia dos EUA, agropecuária industrial, aviação, turismo e redes de fast food.
- Conspirações também ganham espaço, como a teoria de que incêndios na Califórnia seriam parte de um plano para destruir túneis de tráfico infantil.
- Ex-presidentes como Donald Trump são apontados como “influenciadores-chave” da desinformação, com alegações infundadas que se espalham por bots e redes sociais.
- A Rússia tem sido acusada de usar ‘fazendas de trolls’ para difundir desinformação climática no Ocidente.
- No contexto europeu, partidos populistas de direita — como AfD (Alemanha), Vox (Espanha) e Reagrupamento Nacional (França) — são destacados por contrariarem abertamente a ciência climática. Veículos de mídia conservadores amplificam essas mensagens e contribuem para a erosão da confiança pública.
Entre as medidas recomendadas para combater a desinformação estão:
- Regulamentar plataformas digitais, como já faz o Ato de Serviços Digitais da União Europeia;
- Exigir que empresas fósseis divulguem dados padronizados sobre suas emissões;
- Ampliar a educação climática para capacitar os cidadãos a identificar mentiras;
- Avançar em processos judiciais contra agentes que propagam desinformação.
Klaus Jensen alerta, no entanto, que ainda há lacunas importantes: “Quase todos os estudos analisados estão centrados em países ocidentais e em inglês. Apenas um entre 300 focava na África. Precisamos entender e combater essa desinformação globalmente”.
De forma geral, o relatório conclui que a desinformação climática mina a confiança nas instituições, distorce o debate público e sabota a ação urgente que o planeta exige. Se não for enfrentada com rigor, a crise climática pode se transformar numa catástrofe irreversível, porém, não por falta de soluções, mas por excesso de mentiras.
Fonte: Um só Planeta