Mais de 300 animais foram abandonados entre os escombros de uma desapropriação nas cidades de Carapicuíba e Barueri, na Grande São Paulo. Segundo protetores independentes e moradores, as prefeituras iniciaram as demolições sem garantir o resgate prévio dos animais que viviam na comunidade Porto de Areia, deixando eles em situação de risco.
Enquanto as prefeituras afirmam ter atuado “de forma integrada e transparente”, os relatos de voluntários indicam uma realidade marcada por desespero, improviso e ausência de responsabilidade estatal. Gatos, cachorros, porcos e cabritos estariam vagando entre os destroços, muitos feridos e famintos, em uma cena que mostra a fragilidade da política pública de proteção animal nas duas cidades.
“Desde 2015 essa história se repete. A gente resgatou mais de 600 animais naquela época, e agora, de novo, estão destruindo as casas sem se preocupar com os animais. A prefeitura simplesmente manda passar as máquinas, e os animais têm que correr para sobreviver”, afirma Andreia Leitte, atriz e protetora, moradora de Carapicuíba.
Andreia é uma das responsáveis pelo projeto Mate Minha Fome, que há anos atua de forma voluntária em resgates e campanhas de adoção animais. Sem apoio financeiro das prefeituras, o grupo vem abrigando centenas de animais retirados dos escombros e pedindo ajuda nas redes sociais.
“São gatos, cachorros, porcos, cabritos… já perdemos a conta. Mais de 300 animais foram salvos, mas muitos ainda estão entre os escombros”, relata a protetora.
Divergência entre discurso e prática
Em nota, as prefeituras de Carapicuíba e Barueri negam as denúncias. A primeira diz manter contrato com uma empresa especializada em acolhimento, que realizaria avaliação veterinária e adoção dos animais resgatados. Já Barueri afirma ter feito vistorias “com imagens para comprovação”, nas quais “não foram encontrados animais mortos ou em situação de abandono”.
As declarações oficiais contrastam com os vídeos e fotos divulgados por protetores, que mostram animais entre os entulhos, muitos feridos e desorientados. Após as denúncias ganharem repercussão nas redes, voluntários dizem ter recebido notificações extrajudiciais das prefeituras pedindo a remoção das publicações, uma tentativa de censura.
“A gente ficou chocada. A prefeitura quis que a gente apagasse os vídeos mostrando os animais abandonados. Disseram que iam nos processar se não tirássemos do ar”, conta Andreia.
Falta de transparência e responsabilização
O ponto central da denúncia é a falta de planejamento para o destino dos animais antes da demolição das casas. Segundo os voluntários, não houve equipes técnicas suficientes nem abrigos preparados para recebê-los. Muitos estão sendo levados por conta própria a lares temporários em cidades como Mogi Mirim e Vila Prudente, com transporte e alimentação custeados por doações.
Entre as protetoras que atuam no caso, está Cindy, moradora da cidade e conhecida por abrigar dezenas de gatos em casa. De acordo com Andreia, ela cuida de mais de 120 animais resgatados da desapropriação, com poucos recursos. “Ela não é acumuladora. Cuida, trata e arranja lar para os animais. Só que agora está sobrecarregada, sem espaço e sem ajuda. Precisamos tirar pelo menos 50 animais da casa dela e levá-los para abrigos”, explica.
Cinco advogados ligados à causa animal agora acompanham o caso, cobrando das administrações municipais transparência sobre o paradeiro dos animais recolhidos e a suspensão das demolições até que o resgate seja concluído. “O que a gente quer é simples: que a prefeitura pare as máquinas enquanto ainda tem bicho lá e que dê transparência ao destino dos animais recolhidos. Hoje, ninguém sabe para onde eles vão”, esclarece Andreia.
Direitos animais negligenciados
Ações como essa configuram violação ao artigo 225 da Constituição Federal, que estabelece o dever do Estado de proteger a fauna e impedir práticas que submetam animais à crueldade. Não basta alegar que o local é área de risco. O poder público precisa garantir que nenhuma vida seja deixada para trás.
A situação em Porto de Areia mostra as lacunas estruturais da proteção animal no Brasil. Políticas fragmentadas, falta de fiscalização efetiva e despreparo das prefeituras para lidar com populações multiespécies em contextos de vulnerabilidade social.