Atos golpistas realizados contra o resultado das eleições que elegeram Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para presidente, também ocasionaram prejuízo ambiental. O Ministério Público Federal do Pará está investigando a derrubada de uma castanheira centenária, que teria sido usada pelos manifestantes para bloquear a rodovia BR-163, em Novo Progresso (PA). A espécie é ameaçada de extinção e seu corte é proibido por lei.
A única ONG que atua na região em defesa da floresta dos povos originários é o Instituto Kabu. Seu vice-presidente, Mydjere Kayapó, culpa o governo Bolsonaro (PL) pelo crime ambiental. “Isso é tudo coisa desse governo, que felizmente está saindo. Espero que o próximo governo tenha força para proteger a floresta em pé”, diz Mydjere
A derrubada
A derrubada da castanheira centenária teria ocorrido em novembro, no quilômetro 332 da BR-163, em Novo Progresso, no sudoeste paraense. A área é a mesma onde manifestantes atacaram agentes federais durante desocupação da pista em cumprimento à decisão do Superior Tribunal Federal. Na ação, um policial rodoviário e uma criança ficaram feridos.
Pelos registros, a estimativa é que a árvore tinha 30 metros de altura e, pelo menos, cem anos de idade. O caso da derrubada da castanheira chegou ao conhecimento do órgão federal através de imagens dos protestos publicadas pela imprensa.
Assim que tomou conhecimento do fato, o MPF acionou a Polícia Rodoviária Federal e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) solicitando que prestassem informações sobre as medidas que os órgãos estão tomando para identificar e responsabilizar os atos criminosos. O órgão informou que recebeu as informações solicitadas, mas as investigações do caso seguem em sigilo.
Florestas centenárias de castanheiras
Segundo o coordenador da Botânica do Museu Paraense Emilio Goeldi, Pedro Viana, há estudos que sugerem que a presença das castanheiras na região é resultado de manejo de povos da floresta que viviam na Amazônia há mais de 10 mil anos.
“Eles foram responsáveis pela ampla distribuição da castanheira por ela ser muito útil como alimento. A árvore tem um ciclo de vida longo e demora pelo menos cinquenta anos para completar seu ciclo, ou seja, produzir flores e frutos. Esse é mais um motivo para ser ameaçada”.
Por ser uma espécie muito explorada pela extração dos frutos, prática que impulsiona a economia na Amazônia, a castanheira é protegida por lei. Sua derrubada é proibida nos âmbitos federal e estadual.
“É difícil afirmar com precisão, mas aquela planta da foto tem muito mais de cem anos. Não há um estudo preciso, mas elas podem chegar até a sessenta metros”. Por se tratar de uma espécie com ciclo bianual, onde os frutos só estão maduros em dois anos, a morte de um vegetal como esse, prejudica a safra de 2024.
“Cada indivíduo é importante para a conservação da diversidade. É uma espécie que ajuda a conservar outras, conservar a floresta. Há abelhas que só polinizam onde há essas espécies. Se um indivíduo é suprimido, a floresta fica sem as abelhas e sem a polinização”, diz o pesquisador Pedro Viana
ONG indígena luta pela preservação da floresta e dos povos originários na região
O Instituto Kabu é a única organização não governamental nessa região da BR-163 que atua na preservação da floresta e dos povos originários. Formada exclusivamente por indígenas, ela foi criada em 2008 com objetivo de implementar o Plano Básico Ambiental das condicionantes indígenas, para compensar os impactos causados pelo asfaltamento da BR-163.
É uma organização feita por indígenas para os indígenas para mostrar que não precisamos agredir a floresta para ter o nosso sustento. A própria natureza oferece esse recurso para nós, Mydjere Kayapó,vice-presidente do Kabu.
11 aldeias são associadas ao Kabu, onde dois mil indígenas são atendidos. A área total atendida é 6 milhões de hectares. A ONG tem muitas ações nas terras indígenas, na manutenção da floresta e dos povos indígenas da região. Um de seus projetos é o financiamento e comercialização da Castanha do Pará e do Cumaru e a comercialização do artesanato produzido por indígenas da região, que, além de ser vendido no mercado local, também é levado para eventos.
A área vive em constante risco de conflito pela exploração de madeireiros e garimpeiros, que invadem a terra indígena para extrair madeira e minério. “Os garimpeiros querem tirar a riqueza da nossa reserva, assim como os madeireiros, que ameaçam os nossos pés de castanha, de cumaru, nossos igarapés e rios”, diz Mydjere.
Das 11 aldeias, nove coletaram castanha em 2022, uma produção familiar de 49,5 toneladas, que rendeu aos indígenas quase R$ 300 mil. No caso da castanha, toda produção é vendida no mercado local.
Apesar da área onde teria ocorrido a derrubada da castanheira não pertencer à reserva indígena, o vice-presidente da ONG viu com tristeza a notícia do caso: “É indignante para nós, que plantamos muda de castanha, porque isso é plantar o futuro. É uma árvore histórica.”
Fonte: UOL