Uma construção em risco de derrocada, uma infeliz coincidência do calendário e um parecer positivo do Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB) podem resultar na morte de centenas de aves legalmente protegidas na cidade de Elvas, Portugal.
O azar de 300 casais de andorinhões-pretos (Apus apus) foi o de estarem ocupando os seus ninhos nos recônditos de uma muralha da antiga Igreja de São Paulo bem no momento em que, por razões de segurança, o Exército – responsável pelo imóvel – decidiu demoli-la. Derrocadas de outros edifícios contíguos, ocorridas anteriormente, tinham deixado aquela muralha em situação de risco.
A obra avançou até que a associação ambientalista Quercus, preocupada com as aves, alertou a GNR e o ICNB. Embora não seja uma espécie ameaçada, o andorinhão-preto é protegido pela legislação nacional. Uma operação como aquela necessitava de uma autorização prévia do ICNB, algo que não tinha ocorrido.
Parte da muralha chegou a ser demolida, mas, com a denúncia da Quercus, as obras pararam. Segundo Sandra Moutinho, porta-voz do ICNB, o primeiro parecer do instituto foi no sentido de que a demolição deveria aguardar algumas semanas, até que as aves terminassem a sua nidificação e deixassem o local, como fazem todos os anos.
O Exército, segundo a porta-voz do ICNB, argumentou que a demolição era urgente, dado o risco que a sua iminente derrocada representava para pessoas e bens. “O Exército garante que há, de fato, perigo para a segurança pública”, diz Sandra Moutinho. Também a hipótese de se aumentar o perímetro de segurança à volta da muralha, para permitir adiar a sua demolição, foi descartada, por ser alegadamente impraticável.
O resultado foi o ICNB autorizar a operação, mesmo sabendo que morreriam muitas aves. A lei o permite em casos de perigo para a segurança pública. “O que vamos fazer é assegurar uma minimização dos animais que se perdem”, afirma Sandra Moutinho. Será feita uma tentativa para recolher as crias dos ninhos e colocá-las em centros de recuperações de aves. “Vamos fazer o melhor possível”.
Para a Quercus, é o mesmo que nada. “É uma solução que não é minimamente viável. A taxa de sobrevivência dessas aves em cativeiro é baixíssima”, justifica Nuno Sequeira, vice-presidente da Quercus.
Nuno Sequeira assegura que seria possível alargar o perímetro de segurança em torno da muralha e escorá-la com materiais da própria demolição parcial já efetuada. Mantendo-se a situação até finais de julho, as aves já teriam deixado os ninhos e estariam a caminho de África, na sua migração anual. Além disso, segundo Nuno Sequeira, a movimentação das máquinas no local perturba a nidificação, e os pais deixam de alimentar as crias.
“A Quercus acha inadmissível e ilegal que o Estado possa avançar com a destruição imediata da estrutura em causa, levando à morte direta por esmagamento e/ou asfixia de centenas de crias”, refere a associação, num comunicado.
A associação ameaça recorrer “às instituições competentes” caso a demolição avance, considerando “lamentável que, em pleno Ano Internacional da Biodiversidade, o Estado equacione não defender as espécies silvestres que é suposto proteger”.
Fonte: Público