Uma operação da Polícia Civil de Goiás (PC-GO) resultou no resgate de 80 cães mantidos em condições de maus-tratos em um canil de Goiânia. O local, situado na Rua Campo Grande, no Setor Jardim das Esmeraldas, foi alvo de uma ação conduzida pelo delegado Humberto Teófilo no dia 10 de outubro, acompanhada por protetores independentes. O cenário encontrado foi descrito como insalubre, abafado, apertado e sem qualquer assistência veterinária.
Na época, a imprensa regional divulgou que no local havia 200 animais em situação de maus-tratos. A defesa do canil apontou que tinha 230 cães. No entanto, o delegado Humberto Teófilo e protetora que acolheu os animais afirmam que, na realidade, era apenas 80.
Ao Jornal Opção, a defesa do canil se posicionou: “Na qualidade de advogada do Canil Elisabeth, esclareço que o inquérito policial foi concluído sem indiciamento, inexistindo qualquer imputação criminal contra o canil ou seus responsáveis. Após os fatos, o CRMV realizou vistoria técnica no local, a qual não integrou a apuração policial, concluindo que as eventuais irregularidades identificadas são exclusivamente administrativas, sem constatação de maus-tratos”, apontou a advogada Ana Paula de Melo.
“A pessoa que se apresenta publicamente como “protetora” possui interesses pessoais diretos nas demandas judiciais, conforme já demonstrado no contexto de seis ações judiciais em curso, além de não ser terceira estranha, mas integrante do convívio interno da residência de Elisabeth. Apesar de ordem judicial expressa de restituição dos animais, a depositária segue se recusando a devolvê-los, em claro descumprimento de decisão judicial”, disse nota.
“Quanto à cadela Babi, animal idoso de 18 anos, foi periciada ao sair do canil, apresentando score corporal normal. Por determinação judicial, retornou ao seu tutor, ocasião em que se constatou estado de extrema debilidade, incompatível com as condições anteriores. Registre-se, ainda, a morte de um cão da raça Lulu da Pomerânia sob os cuidados da depositária, fato ainda sem explicação nos autos. Por fim, informa-se que a abordagem policial está sob investigação da Corregedoria, incluindo a conduta do delegado e o desaparecimento de animais durante a operação”, finalizou nota.
A protetora e advogada Vanessa Leite afirmou ao Jornal Opção que a defesa do canil alega que havia 230 animais no local, mas que esse número não foi comprovado. Segundo ela, apenas 80 foram oficialmente identificados, filmados, periciados e retirados, sendo esses os que constam nos registros do delegado e nos autos judiciais.
Vanessa teme que a divulgação de números não comprovados possa ser usada para acusar a operação de extravio e afirma que o canil pode estar tentando atribuir um prejuízo maior aos envolvidos. Ela reforça que, se o canil comprovar que havia 230 animais, isso se tornará um problema da operação, mas que até o momento não existe qualquer prova nesse sentido.
De acordo com o relatório da PC-GO e com a perícia realizada no local, o canil apresentava diversas irregularidades e condições insalubres, entre elas:
– Estrutura inadequada: os animais eram mantidos em depósitos com separações de alvenaria, baias de cimento frio e gaiolas estreitas e enferrujadas.
– Falta de higiene: havia forte odor de urina, acúmulo de fezes e ausência de higienização adequada nos espaços de confinamento.
– Privação de cuidados básicos: o documento relata ausência de água limpa, alimentação disponível apenas em algumas baias e falta de ventilação, expondo os animais a calor excessivo.
– Superlotação: algumas áreas apresentavam grande número de cães dividindo espaços reduzidos, sem separação adequada.
A perícia da Polícia Civil constatou a gravidade da negligência e classificou o ambiente como incompatível com a manutenção de animais.
Em entrevista ao Jornal Opção, o delegado Humberto Teófilo, que participou do flagrante mas não era o responsável direto pela investigação, relembrou a operação que resultou no resgate de cerca de 80 cães em situação de maus-tratos. Segundo ele, a ação teve início após uma denúncia recebida pela equipe. “Fomos até o local e constatamos maus-tratos aos animais. Resgatamos os animais e fizemos a prisão em flagrante da pessoa responsável”, afirmou.
O delegado explicou que o suspeito, um empresário que atuava há muitos anos no ramo, foi detido no momento da operação. “Prendemos ele em flagrante e, como na época não havia possibilidade de fiança, ele permaneceu detido”, disse.
Ao descrever o cenário encontrado no canil, Humberto Teófilo destacou a gravidade da situação. “Havia cães machucados, em condições precárias de alimentação e higiene, ambientes insalubres, com fezes. Muitas fêmeas estavam prenhas, mantidas em espaços muito pequenos, com vários animais confinados juntos”, relatou.
O delegado reforçou que sua participação se restringiu ao flagrante, mas confirmou que a operação foi fundamental para interromper o ciclo de maus-tratos.
Relatou a protetora
A protetora Vanessa Leite, que participou diretamente da retirada dos animais, relatou em detalhes como a operação ocorreu, incluindo bastidores, divergências sobre o número de cães, críticas ao comportamento dos envolvidos e a situação atual dos animais.
Vanessa afirma que soube previamente que o delegado Teófilo iria ao canil verificar denúncias e decidiu acompanhar a ação para auxiliar no transporte dos animais, caso fosse necessário. Segundo ela, havia conversas de bastidor indicando que o canil acumulava denúncias de maus-tratos há cerca de 30 anos, e que “todo mundo sabia que ia cair”.
Ela relata que o delegado entrou no imóvel apenas após autorização do responsável contrariando a versão do canil de que teria havido invasão. Vanessa afirma possuir filmagens que mostram o delegado aguardando do lado de fora até ser autorizado a entrar.
Ao entrar no local, o delegado teria constatado rapidamente a gravidade da situação e alertado que havia animais demais para o espaço disponível. Vanessa conta que, ao ouvir isso, se ofereceu para ajudar no resgate, mas logo percebeu a dimensão da responsabilidade, afirmando que apenas se sujeitou à demanda porque naquele momento era a única pessoa que tinha espaço suficiente para abrigar e acolher estes animais.
Os animais foram inicialmente acolhidos por Vanessa, onde passaram por triagem veterinária. Machos e fêmeas foram separados para evitar cruzas, já que não havia informações sobre quais fêmeas estavam no cio ou prenhas. Após a avaliação inicial, Vanessa percebeu que seria inviável manter 80 cães em um único local e, então, acionou outros protetores.
Ela elaborou um termo de declaração formalizando que o grupo assumiu coletivamente os cuidados dos animais. Os cães foram distribuídos entre voluntários, cada um ficando com dois ou três animais. Por segurança, os endereços não são divulgados, pois, segundo ela, o canil estaria perseguindo os envolvidos.
Vanessa afirma que o canil comercializava filhotes e oferecia cruzas em pontos fixos na Feira da Lua e na Feira do Sol, além de vender pela internet. Ela destaca que seu problema nunca foi a reprodução em si, mas as condições em que os animais eram mantidos. Segundo ela, não havia veterinário responsável, nem qualquer registro de exames, ultrassons ou laudos. Os responsáveis, afirma, não sabiam sequer quais fêmeas estavam prenhas.
Legislação
A protetora descreve um cenário que, segundo ela, se enquadra nos cinco critérios legais de maus-tratos previstos na Lei de Crimes Ambientais (9.605/98) e na Lei Sansão (14.064/2020). Entre os casos observados, ela cita um pitbull mantido em um espaço de 1 metro por 50 centímetros, cães com fezes coladas ao pelo, baias sem água, “98% delas”, segundo Vanessa, e calor extremo. Ela relata ainda a presença de fezes com sangue, moscas e ambientes insalubres.
Um dos pontos mais graves, segundo ela, foi a sala de maternidade, onde havia várias baias pequenas e duas máquinas secadoras ligadas, o que teria elevado a temperatura a níveis insuportáveis. A perícia da Polícia Civil teria classificado essa condição como agressão física.
Segundo ela, cada cadela podia gerar de dois a quatro filhotes por cio, e como o ciclo ocorre a cada seis meses, isso representaria de quatro a oito filhotes por ano por animal. Ela relata que existe gravação dos responsáveis vendendo filhotes por valores entre R$ 2 mil e R$ 4 mil em feiras da capital.
Segundo a Vanessa, o flagrante foi acompanhado pelo delegado Humberto Teófilo, mas o inquérito está sob responsabilidade do delegado Cláudio Antônio da Silva, do Grupo de Proteção Animal (GPA). O procedimento foi concluído inicialmente, mas o Ministério Público solicitou novas diligências antes de oferecer denúncia.
Com a proximidade do Natal, Vanessa destaca o simbolismo do resgate e afirma que o objetivo do grupo é garantir que os animais tenham uma nova chance. Ela cita o caso de uma cadela apelidada de Costelinha, encontrada extremamente magra, como exemplo da situação enfrentada pelos cães.
Sobre resgates
Para ela, o resgate representa a oportunidade de oferecer amor e dignidade a animais que eram tratados como “máquinas de filhotes”. Vanessa afirma possuir fotos, vídeos e registros de todos os ângulos da operação e das condições encontradas, feitos com o objetivo de documentar cada etapa. Ela autorizou o uso de seu nome na matéria e se comprometeu a fornecer todas as imagens necessárias para comprovar o que relatou.
Fonte: Jornal Opção