Nesta sexta-feira (16/09), houve o primeiro dia do Jaguariúna Rodeo Festival, que vai até 24 de setembro. Em outro município do estado de São Paulo, apesar da prefeitura de Sorocaba prometer para o fim do ano o retorno de seu rodeio, a realização não está garantida. Uma nova lei do município autorizou novamente este ano rodeios e vaquejadas na cidade. Mas o Ministério Público de São Paulo questionou o texto e o Tribunal de Justiça de São Paulo o considerou parcialmente inconstitucional, o que impediria a realização de parte das provas, como a de laço, de montaria e de “pega do garrote”. A realização do evento, no entanto, não foi de fato proibida com essa decisão.
Na ausência de uma lei geral, cabem aos municípios ou tribunais decidirem suas permissões para a realização de rodeios. Mas institutos de defesa dos animais e juristas dizem que, desde o início da gestão de Bolsonaro, que cultiva o setor do agronegócio e do entretenimento sertanejo como importantes bases eleitorais, cresceu a pressão pelo retorno ou aumento das festas.
Em 2017, foi sancionada uma emenda constitucional que protege as “práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais”. A exceção valeria para rodeios e vaquejadas nos limites do artigo 225 da Constituição, que proíbe práticas que submetam animais a crueldade. Mas em 2019, Bolsonaro sancionou a lei que regulamenta as práticas de vaquejada, rodeio e laço, e reconhece essas atividades como “expressões esportivo-culturais pertencentes ao patrimônio cultural brasileiro de natureza imaterial”. No mesmo ano, o presidente instituiu o Dia Nacional do Rodeio, 4 de outubro.
Grupos de proteção e defesa animal acusam os eventos de promoverem maus-tratos aos bois, touros e cavalos, tanto pelo estresse durante a competição como pelos tratamentos aos quais são submetidos ao longo do tempo. Já apoiadores dos rodeios defendem a ideia de uma tradição e um valor cultural.
“Bois e cavalos não pulam, naturalmente, daquela altura. Mas usam diversos artifícios para condicionar o animal, desde os equipamentos na prova ao treinamento e alimentação ao longo da vida. Dizem que o animal é atleta, mas isso é uma condição antinatural. É inadmissível manter esse sistema de exploração. Baseado em quê? Os eventos continuam, com a parte dos shows e da festa. Não precisa das provas com animais”, diz a veterinária Vania Nunes, diretora do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal. “Hoje temos menos rodeios que há 20 anos, mas reacendeu a pressão, depois da emenda constitucional e do governo Bolsonaro.”
Decisões divergentes
Um marco legal importante no setor aconteceu em 2016, quando o STF julgou como inconstitucional uma lei estadual do Ceará que regulamentava a vaquejada e a tornava prática desportiva e cultural no estado. Para os ministros do Supremo, havia “crueldade intrínseca” com os animais durante as provas. Foi após essa decisão que o agronegócio se movimentou para aprovar a emenda constitucional de 2017. Por isso, há precedentes para diferentes decisões judiciais. O único conjunto de regras que existe foi proposto pela própria Confederação Nacional do Rodeio, e aprovado pelo Ministério da Agricultura em 2018.
Há pelo menos seis ações que contestam rodeios e vaquejadas tramitando na Justiça de São Paulo: em São Pedro, Itatipa, Pindamonhangaba, Arealva, Jacareí e São Roque. Em Minas, o Instituto Protecionista SOS Animais e Plantas havia conseguido uma liminar, no fim de agosto, proibindo todo o calendário de rodeios até o final do ano. Três dias depois, porém, a liminar foi derrubada. Ainda cabe recurso.
“É comprovado que não tem como haver rodeio sem dor e sofrimento dos animais, que são submetidos a essa forma de entretenimento humano. O entendimento do STF sobre vaquejada também vale para os rodeios “, defende Francisco José Garcia, advogado do instituto. “Quando derrubaram a liminar, alegaram prejuízo ao erário, mas não deram detalhes. Os eventos são privados, e nós comprovamos maus-tratos em pareceres técnicos.
Um dos pareceres citados por Garcia foi feito a partir de uma ação judicial contra a vaquejada Maria do Carmo, em Serrinha (BA), em 2017. Na época, o departamento de Zootecnia, Ciências Agrárias e Veterinária da Unesp constatou, em seu relatório, que é “inconcebível supor que a realização das provas de vaquejada não cause sofrimento e nem dor aos bovinos”.
Bois mancando
Foram feitas avaliações presenciais nos eventos pelo departamento da Unesp. No momento de preparação para a prova, foram atestadas falhas nas contenções dos bois e touros, ocasionando pancadas sobre os animais por causa das porteiras. Durante a prova, que consiste na tentativa de dois peões derrubarem os bois, os técnicos observaram situação de estresse e desconforto, em comportamento indicativo de medo e ansiedade, além das agressões físicas. Os bois, que pesam entre 360 e 480 kg, são derrubados pela tração e torção da cauda, no torneio.
Após a prova, os técnicos viram que três dos 10 bois mancavam. Além disso, um não conseguia apoiar uma das patas no chão, e um quinto tinha sangramento em uma das patas.
Advogada especialista em direito animal, Claudia Nakano diz que a proteção pela emenda constitucional às práticas de manifestação cultural é subjetiva, que demanda regulamentações próprias pelos estados e municípios. Nakano afirma que seria necessário uma lei nacional para tratar objetivamente o tema e lembra que há uma proposta parada na Câmara Federal para o Estatuto dos animais.
No país, é considerado referência o Código de Direito e Bem Estar Animal, da Paraíba, que garantiu direitos aos animais, como à alimentação e de ser assistido por veterinário. O assunto, porém, foi parar no tribunal, após uma ação de inconstitucionalidade, o que anulou 152 dispositivos. No entanto, Francisco Garcia, que redigiu o estatuto junto ao instituto, diz que a legislação permanece garantindo avanços para a pauta, pois possui 197 artigos, com diversos incisos.
Procurada, a Confederação Nacional de Rodeio, disse que, entre os seus eventos credenciados, não houve qualquer proibição, pois todos “cumprem integralmente a Lei Federal 13.873/2019 e também o Regulamento de Boas Práticas e Bem Estar Animal aprovado junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento”. A confederação diz que o regulamento já provê conjunto de normas e procedimentos para os eventos, o que garantiria “absoluta segurança e integridade física aos animais participantes”. A prefeitura de Sorocaba e o governo de Minas não responderam.
Fonte: O Globo