Ela nos mostrou o caminho.
Deanna nasceu em 29 de março de 1994 dentro do tenebroso complexo reprodutivo da Fundação Coulston, no Estado do Novo México, nos Estados Unidos. Sua mãe, Alison, e seu pai, Dave, eram geradores de bebês chimpanzés. Alison não perdeu sua filha logo ao nascer como era habitual; ficou com ela por quase um ano, acompanhada de uma outra mãe, Montessa, que criava outro bebê, Seve. Dois dias antes de Deanna completar um ano, ela e sua mãe foram anestesiadas. Quando Alison acordou, Deanna não estava mais com ela.
Segundo a ficha médica da Fundação, ela estava sendo “preparada para ser transportada”. Porém, antes de “ser transportada”, foi anestesiada seis vezes para tirar sangue e fazer biópsias do seu fígado. No dia 16 de dezembro de 1995, a pequena Deanna foi embarcada para outro extremo do país, para um outro tenebroso laboratório – o BIOQUAL, em Rockville, Maryland, muito perto da Casa Branca, em Washington, e do Congresso Norte-Americano, que fechavam os olhos e os ouvidos diante da discussão de torturas a bebês chimpanzés.
Ela morou lá sozinha e foi usada em misteriosas experiências médicas até 2002. Nessa época, as denúncias do que acontecia por trás das grades, jaulas e dos prédios brancos com nomes pomposos, como “BIOQUAL”, já pipocavam. Em 2002 Deanna foi parar no Instituto Médico Anderson de Câncer, no Texas, mas ainda era propriedade da Fundação Coulston.
Talvez nós tenhamos cruzado com ela. Estivemos lá, eu e minha esposa, ainda sem saber o que acontecia no mundo chimpanzé, para receber treinamento em manejo de grandes primatas. Estávamos começando a abrigar animais no Santuário de Grandes Primatas em Sorocaba, e neste momento começava a nossa luta no resgate de chimpanzés no Brasil.
Já naquela época, no Instituto Anderson, os chimpanzés eram cada vez menos usados. Em poucos dias o pessoal da Faculdade de Veterinária, que administrava o centro de experiências, percebeu que éramos estranhos no ninho. Não éramos os aliados dos zoológicos, nem éramos colecionadores de animais. Éramos “inimigos potenciais”. Nós queríamos ver as instalações para usá-las como base para a construção dos recintos para os adultos, que iam chegar do Criadouro de Morrete, Paraná, em tempo de ser fechado. Nunca nos enviaram nenhuma das informações que solicitamos; conseguimos fotografar algumas coisas e ganhar uma consciência maior na defesa dos chimpanzés. Isso nós agradecemos a eles. Vimos como os macacos Rhesus, centenas deles, eram torturados em experiências absurdas.
Deanna estava lá. Talvez foi ela ou alguns de seus amigos, os primeiros chimpanzés que nos jogaram cocô, como protesto por serem torturados. Nunca um cocô de chimpanzé foi tão bem-vindo. Captamos a mensagem deles e quando voltamos ao Brasil nossa consciência já estava formada e sabíamos qual seria a nossa missão.
Quando a Dra. Carole Noon, do Santuário Save the Chimps (www.savethechimps.org), assumiu a Fundação Coulston, já quebrada, e viu que a Faculdade de Veterinária tinha uma chimpanzé que pertencia a eles, conseguiu reavê-la. Porém, lá em Bastrop, no Texas, ficaram 75 infelizes em domos metálicos horríveis, que eram as novas prisões que estavam substituindo os recintos de muros. Deanna saiu de lá e se reencontrou com Seve, seu companheiro de jogos no seu primeiro ano de vida, e foi integrada ao grupo que estava sendo preparado para ir para o santuário na Flórida.
Seve e Deanna desenvolveram laços estreitos e isso ajudou Seve a suportar suas crises profundas de angústia mental, que o levavam a gritar desesperadamente e a auto mutilar-se. Isto é resultado da separação de sua mãe, Montessa, prematuramente. O mesmo caso que temos aqui em Sorocaba, com Pongo, que após viver cinco anos com sua mãe, foi arrancado dela e enviado a um Zoológico, que o manteve numa jaula sozinho durante dois anos.
Deanna acalma a Seve em suas crises de angústia e depressão. Deanna gosta de brincar com papéis, bolsas de papel e desenhos. Anda envolvida em sua coberta de um lugar a outro. Similar a nossa chimpanzé Carolina, muito parecida com Deanna, que também faz o mesmo.
Deanna desfruta da vida com sua família, especialmente com os menores, como Anna e Hunter. A vida no Santuário da Flórida foi para ela como um milagre… Porém Deanna estava condenada a morte; seu corpo tinha sido abusado pelos torturadores médicos até o limite. No dia 17 de outubro, com apenas 17 anos, aquela linda, doce e meiga chimpanzé abandonou este mundo, que nunca entendeu. Seu coração e seus rins não suportaram as agressões que sofreram das mãos de médicos humanos e veterinários, que desonraram a profissão que juraram defender.
A tratadora dela, Amber, tanto no Novo México como na Flórida, ficou desolada. Ela acompanhou a agonia de Deanna, e sua luta para sobreviver… Amber chorou quando relatou os últimos momentos de sua DEE-DEE e só conseguiu agradecer a essa doce chimpanzé pelos momentos de felicidade que ambas compartilharam naquele Santuário, que salvou 300 daqueles primatas do sofrimento.
Talvez o espírito de DEE-DEE, com o qual nos cruzamos no laboratório de torturas médicas do Texas quase 10 anos atrás, pairou sobre nós e nos sinalou o caminho em que nossa vida se transformou: ajudar a salvar da morte direta e indiretamente dezenas de seus iguais.
DEE-DEE não foi embora sozinha… Nossos pensamentos e os de centenas de seus iguais a acompanharão para sempre…